She’s certainly not the sort of role model that utters platitudes and makes us feel good about ourselves. On the contrary, she manages to ruffle many Indian feathers. Deconstructing the complex Indian responses to Roy reveals layers of prejudice.
Um excelente artigo de opinião sobre a autora de O Deus das Pequenas Coisas, agora uma das mais corajosas activistas pelos direitos humanos e pela liberdade de expressão na Índia. Se a Índia fosse mesmo democrática, como alguns ingénuos gostam de sublinhar, pessoas como Roy não teriam a quem vender o seu peixe.
sexta-feira, 29 de dezembro de 2006
Aldrabando: Fruta e legumes podres
É sempre a mesma coisa, quando vou ao mercado. Não tenho tempo, nem paciência, para escolher e inspeccionar cuidadosamente cada peça de fruta ou cada legume. O preço a pagar é alto: chega-se a casa e está tudo podre. Mesmo redobrando a atenção, aquelas mãos de vendedor são mágicas e um obstáculo quase intransponível no acto de compra. Conseguem sempre convencer-nos de que nos dão do melhor quando, na realidade, estamos a comprar do pior.
Paquistanês ou indiano?
Como escrevia há uns dias lá em cima, por baixo do meu cartão de Boas Festas dedicado a todos vocês, visitantes desta vida em Deli, chegou-me aos ouvidos que o Baltasar, supostamente o mais moreno dos Três Reis Magos, vinha aqui do subcontinente indiano. Parece que é mais complicado. As interpretações são diversas e parece-me que talvez se trate do Gaspar. Mas não é essa a questão que mais me preocupa. O importante é saber se ele, quem quer que seja, era paquistanês ou indiano. Aguarda-se nova guerra entre Deli e Islamabad.
Natal em Deli (reportagem)
Já vos aqui tinha dado a conhecer o plano natalício de um solitário português em Nova Deli. Ficam agora com uma reportagem mais alargada, extracto de um dos e-mails que enviei aos meus amigos em Portugal.
No dia 24 fomos à Missa do Galo. Não foi igual, não houve Mafra, nem família. Mas, simplesmente o frio, o processo de me vestir formalmente e sair para o frio nocturno, e encontrar-me com vários amigos (no fim, éramos 15!) e embarcar num táxi em direcção à Sacred Hearth Catedral, foi excelente. A missa, claro, foi sui generis, com sinthesizer e outras singularidades indianas, aquilo, com mais de mil pessoas e muitos mirones, mais parecendo uma Feira Popular.
Voltámos eram já perto das três da manhã, depois de tirarmos umas belas fotos em frente da catedral iluminada e de comermos umas castanhas bem quentinhas. No dia seguinte, depois de umas compras apressadas, passámos, a Dao, o Anirudh, a Arunita e eu, a manhã inteira a cozinhar. Quase dez pratos (incluindo o meu bacalhau que ficou soberbo), de todas os gostos gastronómicos e tradições internacionais. Antes, tínhamos comprado uma pequena árvore de natal e decorado a casa de forma natalícia. Adaptando uma tradição da minha mãe, preparámos um pequeno pratinho para cada pessoa cheio de doces e frutos e nozes etc., incluindo uma fatia de Bolo Rei (indiano).
Depois foram chegando os amigos, no total éramos cerca de 16, de várias religiões, regiões e círculos de amigos, incluindo o Pauly da Nigéria, a Fon da Tailândia, o Junaid de Caxemira etc., embora a maioria fosse hindu, de diferentes castas. Alguns poucos eram cristãos, católicos do Northeast incluídos, para além de uma budista e um muçulmano. O dia estava muito solarengo e as pessoas, ao som natalício da Rádio Renascença (obrigação de correspondente), foram passeando e conversando pela casa. Depois deliciaram-se com a comida.
No fim, depois de distribuir os pratinhos de doces, fizemos a troca de presentes. Cada um tinha trazido um presente no valor máximo de um Euro. Fizemos umas charades e cada pessoa tinha que tirar um papel e adivinhar de quem se tratava. Fiz isto porque há pessoas que não se conhecem bem e isso obrigou todos a conhecerem-se melhor e a trocarem presentes, criando novos laços de amizade.
A melhor parte é que, tal como no Natal e nas festas de família lá em casa, aqui também o convívio se foi estendendo até ao início da noite. No fim, talvez não tenha convertido pagãos, mas certamente que ajudei a dar a conhecer o espírito natalício e um pouco de mim e da minha (híbrida) tradição cultural.
No dia 24 fomos à Missa do Galo. Não foi igual, não houve Mafra, nem família. Mas, simplesmente o frio, o processo de me vestir formalmente e sair para o frio nocturno, e encontrar-me com vários amigos (no fim, éramos 15!) e embarcar num táxi em direcção à Sacred Hearth Catedral, foi excelente. A missa, claro, foi sui generis, com sinthesizer e outras singularidades indianas, aquilo, com mais de mil pessoas e muitos mirones, mais parecendo uma Feira Popular.
Voltámos eram já perto das três da manhã, depois de tirarmos umas belas fotos em frente da catedral iluminada e de comermos umas castanhas bem quentinhas. No dia seguinte, depois de umas compras apressadas, passámos, a Dao, o Anirudh, a Arunita e eu, a manhã inteira a cozinhar. Quase dez pratos (incluindo o meu bacalhau que ficou soberbo), de todas os gostos gastronómicos e tradições internacionais. Antes, tínhamos comprado uma pequena árvore de natal e decorado a casa de forma natalícia. Adaptando uma tradição da minha mãe, preparámos um pequeno pratinho para cada pessoa cheio de doces e frutos e nozes etc., incluindo uma fatia de Bolo Rei (indiano).
Depois foram chegando os amigos, no total éramos cerca de 16, de várias religiões, regiões e círculos de amigos, incluindo o Pauly da Nigéria, a Fon da Tailândia, o Junaid de Caxemira etc., embora a maioria fosse hindu, de diferentes castas. Alguns poucos eram cristãos, católicos do Northeast incluídos, para além de uma budista e um muçulmano. O dia estava muito solarengo e as pessoas, ao som natalício da Rádio Renascença (obrigação de correspondente), foram passeando e conversando pela casa. Depois deliciaram-se com a comida.
No fim, depois de distribuir os pratinhos de doces, fizemos a troca de presentes. Cada um tinha trazido um presente no valor máximo de um Euro. Fizemos umas charades e cada pessoa tinha que tirar um papel e adivinhar de quem se tratava. Fiz isto porque há pessoas que não se conhecem bem e isso obrigou todos a conhecerem-se melhor e a trocarem presentes, criando novos laços de amizade.
A melhor parte é que, tal como no Natal e nas festas de família lá em casa, aqui também o convívio se foi estendendo até ao início da noite. No fim, talvez não tenha convertido pagãos, mas certamente que ajudei a dar a conhecer o espírito natalício e um pouco de mim e da minha (híbrida) tradição cultural.
Imagens de Deli: Praveen e Djamia
O Praveen (à esquerda) e o Djamia (à direita) são dois dos meus colegas de mestrado. Aqui, durante um almoço na Library Canteen. Ambos são licenciados e pós-graduados pela Universidade de Deli em Ciência Política. O Praveen é de Sonepat, a umas poucas dezenas de quilómetros a Norte de Deli, no estado de Hariana. O Djamia vem de um pouco mais longe... do estado de Nagalândia, no chamado Northeast indiano, em que a população tribal, geralmente cristã, é maioritária e nutre fortes sentimentos separatistas (não é o caso dele).
sábado, 23 de dezembro de 2006
Natal na periferia que se quer centro
Aí falam da vitória do relativismo politicamente correcto, dos presépios que vão parar ao lixo e dos Ids e Divalis que se celebram, ou não, nas instituições públicas.
Aqui está-se tudo nas tintas. O pessoal não faz a mínima ideia de quem seja Jesus e perguntam-me se os cristãos também comem vaca ao Natal, mas andam todos a comprar barretes e a glorificar o Pai Natal como o novo messias, o capitalista.
Natal em Nova Deli? É só mais uma razão para acelerar a combustão consumista que fervilha na Índia. Televisores, ceias em hotéis de cinco estrelas ao preço de três ou quatro salários mínimos, árvores de natal em plástico e os ditos barretes vendidos nos cruzamentos por crianças descalças de mãos gélidas. Serve tudo para acelerar a economia. E mimetizar o Ocidente, procurando expurgar complexos de inferioridade colonial e periférica.
Aqui está-se tudo nas tintas. O pessoal não faz a mínima ideia de quem seja Jesus e perguntam-me se os cristãos também comem vaca ao Natal, mas andam todos a comprar barretes e a glorificar o Pai Natal como o novo messias, o capitalista.
Natal em Nova Deli? É só mais uma razão para acelerar a combustão consumista que fervilha na Índia. Televisores, ceias em hotéis de cinco estrelas ao preço de três ou quatro salários mínimos, árvores de natal em plástico e os ditos barretes vendidos nos cruzamentos por crianças descalças de mãos gélidas. Serve tudo para acelerar a economia. E mimetizar o Ocidente, procurando expurgar complexos de inferioridade colonial e periférica.
Natal em Nova Deli
É sui generis, mas também não é o fim do mundo. Natal em Deli, sem família, sem espírito natalício qualquer, sem chuva (mas pelo menos está frio). Opção A. Ignorar completamente a festividade que sempe me fez companhia a 24 e 25 de Dezembro. Opção B. Inovar e inventar alguma coisa... sui generis. A escolha, tradition compelling, foi a B.
Sexta-feira, na companhia de amigos (nenhum cristão) programa "Musical Journey through Christmas", num centro cultural alternativo chamado The Attic, no centro da cidade. Um professor indiano de língua alemã, aposentado, que viveu por muitos anos na Europa e se apaixonou pela música clássica, guia-nos de forma soberba pela história musical do Natal, incluindo os carols mais modernos e as sátiras musicais norte-americanos à explosiva comercialização do (agora pouco) santo dia. No fim, um punch quente caseiro com rum e uns belos bolos ingleses. Embora a companhia na sala me fosse pouco familiar, e mesmo um tanto desagradável (a pequena burguesia intelectual urbana e uns diplomatas com crianças berrantes à mistura), foi uma boa abertura das hostilidades... natalícias.
Tudo seguido de um jantar no pouco cristão Andhra Pradesh Bhawan, com um thali picantérrimo de gastronomia típica do estado de Andra Predexo, no Sul da Índia. Passeio pelo India Gate e regresso - muito negociado - de riquexó.
Esta manhã: início das decorações exteriores = abertura das hostilidades na vizinhança. Estou-me nas tintas. Ando eu sem dormir várias noites só porque hoje casa a filha, e a prima e o filho e tal, porque o calendário hindu está polvilhado de feriados religiosos que são autênticas orgias sonoras até de madrugada, para o quê? Deixem-me pendurar, pelo menos, uma estrela de papel iluminada em frente à minha porta. Agora sorriem, mas assim meio incomodados. Especialmente porque os filhos acham um espectáculo e se juntam na entrada do prédio ao fim do dia para verem a estrela do cristão.
Hoje, durante o dia: compras. Se aí a dificuldade é escapar ao consumismo e não faltam opções, aqui o panorama é de um deserto de opções. Há já uns mercados que vendem algumas peças de decoração, a maioria das quais de má qualidade e de mau gosto, mas, no cômputo geral, é preciso procurar. Comida, especialmente. Se o perú está excluído por questões financeiras, ainda cá tenho umas postas de bacalhau e compram-se no mercado uns camarões e uns bifes de frango e tal. E presentes, claro. Basicamente, para mim mesmo.
Amanhã à noite: para quem está habituado aos históricos sons e odores da Basília de Mafra, nem pensar meter os pés na missa de Natal da irlandesa e dominicana Igreja de St. Dominic's aqui das redondezas, um cru bloco de betão da década de setenta. O melhor que se arranja: Sacred Hearth Cathedral, a igreja que serve de epicentro da comunidade católica indiana, com a Conferência Episcopal logo ao lado. Mas, dizem-me ao telefone, a missa do Galo, à meia-noite, é "open-air". Estão dois graus e meio à noite. Mas pronto. Lá pelas dez e meia vou junto com vários amigos e colegas. Curiosamente, a maioria são hindus, muçulmanos e budistas: acompanham-me para observar. Observadores, portanto. Pelo menos não vou sozinho. Mas talvez seja acusado de andar a converter a nova geração. Mas eles já estão mais convertidos do que eu.
Segunda de manhã: pequeno-almoço no círculo privado aqui em casa (embora o Tyler se tenha escapado para a Califórnia natal) e depois o tal banquete natalício com os mesmos amigos da véspera. Vai ser difícil, mas o objectivo é empaturrá-los e, assim, dar-lhes a entender o fundamento essencial do Natal. E troca de presentes, é claro. Cada participante foi intimidado a trazer um presente no valor máximo de 50 Rupias, isto é, 95 cêntimos.
Pessoalmente eu testemunho, é certo, uma degeneração natalícia. Depois de ter passado todos os Natais da minha vida no seio da família, e quase sempre na mesma casa, no Rogel, passei os dois últimos Natais em Goa, mas, pelo menos, na companhia de parentes próximos e num ambiente natalício goês que tão convidativo é. Este ano não tem precedentes: Natal em Nova Deli, sozinho. Mas é também uma espécie de iniciação, criando experiência futura para inovar, adaptando a tradição às circunstâncias do presente.
Sexta-feira, na companhia de amigos (nenhum cristão) programa "Musical Journey through Christmas", num centro cultural alternativo chamado The Attic, no centro da cidade. Um professor indiano de língua alemã, aposentado, que viveu por muitos anos na Europa e se apaixonou pela música clássica, guia-nos de forma soberba pela história musical do Natal, incluindo os carols mais modernos e as sátiras musicais norte-americanos à explosiva comercialização do (agora pouco) santo dia. No fim, um punch quente caseiro com rum e uns belos bolos ingleses. Embora a companhia na sala me fosse pouco familiar, e mesmo um tanto desagradável (a pequena burguesia intelectual urbana e uns diplomatas com crianças berrantes à mistura), foi uma boa abertura das hostilidades... natalícias.
Tudo seguido de um jantar no pouco cristão Andhra Pradesh Bhawan, com um thali picantérrimo de gastronomia típica do estado de Andra Predexo, no Sul da Índia. Passeio pelo India Gate e regresso - muito negociado - de riquexó.
Esta manhã: início das decorações exteriores = abertura das hostilidades na vizinhança. Estou-me nas tintas. Ando eu sem dormir várias noites só porque hoje casa a filha, e a prima e o filho e tal, porque o calendário hindu está polvilhado de feriados religiosos que são autênticas orgias sonoras até de madrugada, para o quê? Deixem-me pendurar, pelo menos, uma estrela de papel iluminada em frente à minha porta. Agora sorriem, mas assim meio incomodados. Especialmente porque os filhos acham um espectáculo e se juntam na entrada do prédio ao fim do dia para verem a estrela do cristão.
Hoje, durante o dia: compras. Se aí a dificuldade é escapar ao consumismo e não faltam opções, aqui o panorama é de um deserto de opções. Há já uns mercados que vendem algumas peças de decoração, a maioria das quais de má qualidade e de mau gosto, mas, no cômputo geral, é preciso procurar. Comida, especialmente. Se o perú está excluído por questões financeiras, ainda cá tenho umas postas de bacalhau e compram-se no mercado uns camarões e uns bifes de frango e tal. E presentes, claro. Basicamente, para mim mesmo.
Amanhã à noite: para quem está habituado aos históricos sons e odores da Basília de Mafra, nem pensar meter os pés na missa de Natal da irlandesa e dominicana Igreja de St. Dominic's aqui das redondezas, um cru bloco de betão da década de setenta. O melhor que se arranja: Sacred Hearth Cathedral, a igreja que serve de epicentro da comunidade católica indiana, com a Conferência Episcopal logo ao lado. Mas, dizem-me ao telefone, a missa do Galo, à meia-noite, é "open-air". Estão dois graus e meio à noite. Mas pronto. Lá pelas dez e meia vou junto com vários amigos e colegas. Curiosamente, a maioria são hindus, muçulmanos e budistas: acompanham-me para observar. Observadores, portanto. Pelo menos não vou sozinho. Mas talvez seja acusado de andar a converter a nova geração. Mas eles já estão mais convertidos do que eu.
Segunda de manhã: pequeno-almoço no círculo privado aqui em casa (embora o Tyler se tenha escapado para a Califórnia natal) e depois o tal banquete natalício com os mesmos amigos da véspera. Vai ser difícil, mas o objectivo é empaturrá-los e, assim, dar-lhes a entender o fundamento essencial do Natal. E troca de presentes, é claro. Cada participante foi intimidado a trazer um presente no valor máximo de 50 Rupias, isto é, 95 cêntimos.
Pessoalmente eu testemunho, é certo, uma degeneração natalícia. Depois de ter passado todos os Natais da minha vida no seio da família, e quase sempre na mesma casa, no Rogel, passei os dois últimos Natais em Goa, mas, pelo menos, na companhia de parentes próximos e num ambiente natalício goês que tão convidativo é. Este ano não tem precedentes: Natal em Nova Deli, sozinho. Mas é também uma espécie de iniciação, criando experiência futura para inovar, adaptando a tradição às circunstâncias do presente.
Imagens de Deli: India Gate
É supostamente um dos marcos patrimoniais mais importantes de Deli. O India Gate, imponente e oposto ao Palácio Presidencial Rashtrapathi Bhawan, foi construído, ainda na época colonial, em memória dos mais de 90 000 soldados indianos que pereceram na 1ª Guerra Mundial ao serviço dos britânicos. A adaptação pós-colonial encontra-se no meio, por baixo do arco: é ali que arde a Amar Jawan Jyoti, a chama que honra e memoriza todos os soldados-mártires da República da Índia.
Os três braços das Forças Armadas da Índia revezam-se na guarda, em partes iguais de oito horas cada por dia, sob olhar atento das suas respectivas bandeiras. Mas, formalidade, história e honra à parte, o India Gate é hoje pouco mais do que um local de convívio para turistas indianos e para, ocasionalmente, uma paragem apressada de um grupo de turistas estrangeiros. Sob olhar atento de polícias fortemente armados, há dezenas de vendedores ambulantes que vendem de tudo um pouco: pipocas, balões, brinquedos e gelados. Nos relvados circundantes amontoa-se o respectivo lixo.
Quando está muito calor, no verão, as crianças dos turistas domésticos chapinham na água suja (mas limpa, para eles) de dois canais paralelos à avenida e ao arco. A política só aqui chega quando, muito raramente, alguma associação convoca um protesto ou uma manifestação. Nesse caso os turistas fogem e a polícia aperta o cerco e a concentração tem boas hipóteses de acabar com umas bastonadas. Mas nunca chega a martírio.
Os três braços das Forças Armadas da Índia revezam-se na guarda, em partes iguais de oito horas cada por dia, sob olhar atento das suas respectivas bandeiras. Mas, formalidade, história e honra à parte, o India Gate é hoje pouco mais do que um local de convívio para turistas indianos e para, ocasionalmente, uma paragem apressada de um grupo de turistas estrangeiros. Sob olhar atento de polícias fortemente armados, há dezenas de vendedores ambulantes que vendem de tudo um pouco: pipocas, balões, brinquedos e gelados. Nos relvados circundantes amontoa-se o respectivo lixo.
Quando está muito calor, no verão, as crianças dos turistas domésticos chapinham na água suja (mas limpa, para eles) de dois canais paralelos à avenida e ao arco. A política só aqui chega quando, muito raramente, alguma associação convoca um protesto ou uma manifestação. Nesse caso os turistas fogem e a polícia aperta o cerco e a concentração tem boas hipóteses de acabar com umas bastonadas. Mas nunca chega a martírio.
quinta-feira, 21 de dezembro de 2006
Cultura climática
É algo que observo novamente na Índia. A cultura vestuária de um povo nunca é estritamente proporcional às condições climáticas do respectivo contexto geográfico em que vive. Aqui o inverno, embora seja mais frio do que em Portugal, é negiligenciado.
Os acabementos das casas são hostis à conservação do calor e abrem-se e deixam-se abertas inúmeras brechas pelas quais entre o gélido vento dos Himalaias. As janelas, como que querendo servir somente o calor veranesco, teimam em não fechar completamente. As portas, mesmo fechadas, são um convite à circulação aérea. Do chão - de pedra - irradia um gelo mármore. Os riquexós têm só uma capinha lateral mínima, para baixar e cortar o vento gélido logo que se esteja em movimento.
As pessoas também não se vestem de forma apropriada. Um cachecol ou outro, talvez uma camisola fininha ou - raramente - um blusão de cabedal, mas é sempre uma cultura vestuária deficitária tendo em conta as temperaturas e os ventos exteriores. Anda tudo de chinelos e estão 6º.
É símbolo da pobreza, claro, dirão. Também, mas não só. Falo da classe média que vive aqui na minha vizinhança. Têm carrões à porta, mas escolhem viver assim o inverno, de havaianas no pé. Porquê? Por que é a sua própria cultura climática - esta sim, pobre. Pode ser um sinal de desenvolvimento. Qual é a percentagem que um agregado familiar adjudica para fazer face ao clima? Mínima, no caso indiano, e máxima, provavelmente, nos países mais desenvolvidos da Escandinávia. Há portanto uma correlação, embora, na minha opinião, fraca e condicionada a contextos climáticos, hábitos e práticas culturais específicas.
É como em Portugal. Naquelas duas ou três semanas do ano em que faz mais frio, anda tudo à rasca, desenrascando-se com umas camisolas extra e tal. Anda tudo a tremelicar e à espera que a temperatura volte a subir. Não há investimento nums bons e quentes cascacões forrados de lã, num impermeável, num cachecol quente. O mesmo aplica-se à Índia, no meu entender.
E quando feito, em ocasiões raras, o investimento é mal aplicado ou mal gerido. Cinemas e estabelecimentos comerciais melhores instalam sistemas de ar-condicionado, mas deixam portas abertas e fica tudo na mesma (menos a contabilidade), ou põem aquilo a uma temperatura tão excessiva que faz todos os clientes suar.
De forma geral, os indianos não têm uma cultura climática muito desenvolvida. Aqui as pessoas aguentam-se e adapatam-se ao clima. Não o pretendem domar, ainda. Muito por causa da falta de condições materiais, é certo, mas também como filosofia de vida: quem somos nós para querermos domar o clima e a natureza?
Os acabementos das casas são hostis à conservação do calor e abrem-se e deixam-se abertas inúmeras brechas pelas quais entre o gélido vento dos Himalaias. As janelas, como que querendo servir somente o calor veranesco, teimam em não fechar completamente. As portas, mesmo fechadas, são um convite à circulação aérea. Do chão - de pedra - irradia um gelo mármore. Os riquexós têm só uma capinha lateral mínima, para baixar e cortar o vento gélido logo que se esteja em movimento.
As pessoas também não se vestem de forma apropriada. Um cachecol ou outro, talvez uma camisola fininha ou - raramente - um blusão de cabedal, mas é sempre uma cultura vestuária deficitária tendo em conta as temperaturas e os ventos exteriores. Anda tudo de chinelos e estão 6º.
É símbolo da pobreza, claro, dirão. Também, mas não só. Falo da classe média que vive aqui na minha vizinhança. Têm carrões à porta, mas escolhem viver assim o inverno, de havaianas no pé. Porquê? Por que é a sua própria cultura climática - esta sim, pobre. Pode ser um sinal de desenvolvimento. Qual é a percentagem que um agregado familiar adjudica para fazer face ao clima? Mínima, no caso indiano, e máxima, provavelmente, nos países mais desenvolvidos da Escandinávia. Há portanto uma correlação, embora, na minha opinião, fraca e condicionada a contextos climáticos, hábitos e práticas culturais específicas.
É como em Portugal. Naquelas duas ou três semanas do ano em que faz mais frio, anda tudo à rasca, desenrascando-se com umas camisolas extra e tal. Anda tudo a tremelicar e à espera que a temperatura volte a subir. Não há investimento nums bons e quentes cascacões forrados de lã, num impermeável, num cachecol quente. O mesmo aplica-se à Índia, no meu entender.
E quando feito, em ocasiões raras, o investimento é mal aplicado ou mal gerido. Cinemas e estabelecimentos comerciais melhores instalam sistemas de ar-condicionado, mas deixam portas abertas e fica tudo na mesma (menos a contabilidade), ou põem aquilo a uma temperatura tão excessiva que faz todos os clientes suar.
De forma geral, os indianos não têm uma cultura climática muito desenvolvida. Aqui as pessoas aguentam-se e adapatam-se ao clima. Não o pretendem domar, ainda. Muito por causa da falta de condições materiais, é certo, mas também como filosofia de vida: quem somos nós para querermos domar o clima e a natureza?
terça-feira, 19 de dezembro de 2006
Faltam quartos
Yet for all those travelers, India offers only 110,000 hotel rooms. China has 10 times more, and the United States 40 times more. The New York metropolitan region alone has about as many rooms as all of India.
Já sabem, se quiserem visitar-me nos próximos tempos, marcar (o meu) quarto o mais cedo possível. Se não, ponho aqui dez chineses por noite, todos num cantinho. E pagam bem.
Já sabem, se quiserem visitar-me nos próximos tempos, marcar (o meu) quarto o mais cedo possível. Se não, ponho aqui dez chineses por noite, todos num cantinho. E pagam bem.
domingo, 17 de dezembro de 2006
Ele não sabe o que faz
The king of Bhutan abdicated his throne Saturday and announced plans to hand over the reins of power to his Oxford-educated son, the crown prince, who is expected to usher in a new democratic system of governance in the isolated Himalayan kingdom over the next few years.
King Jigme Singye Wangchuck said a year ago he would abdicate in favor of Crown Prince Jigme Khesar Namgyel Wangchuck in 2008 as part of a process of adopting a new constitution which would transform the country from an absolute monarchy to a parliamentary democracy.
Ora cá está um acontecimento interessante, porventura inédito: um rei, confortavelmente instalado no poder há quase 30 anos, num país que politicamente falando não interessa nada, casado com quatro irmãs e dono de uma fortuna, decide que está a mais. Abdica para democratizar o país. Perdoemos-lhe. O homem não sabe o que faz.
King Jigme Singye Wangchuck said a year ago he would abdicate in favor of Crown Prince Jigme Khesar Namgyel Wangchuck in 2008 as part of a process of adopting a new constitution which would transform the country from an absolute monarchy to a parliamentary democracy.
Ora cá está um acontecimento interessante, porventura inédito: um rei, confortavelmente instalado no poder há quase 30 anos, num país que politicamente falando não interessa nada, casado com quatro irmãs e dono de uma fortuna, decide que está a mais. Abdica para democratizar o país. Perdoemos-lhe. O homem não sabe o que faz.
Redescobrindo: Deli!
Está visto que em Belém não lêem a série Redescobrindo de A Vida em Deli. É pena, porque assim escrevem mal. O próprio nome da capital.
Presidente da República efectua Visita de Estado à Índia entre 10 e 17 de Janeiro. Em resposta a um convite do Presidente da República da Índia, Dr. Avul Pakir Jainulabdeen Abdul Kalam, o Presidente da República Portuguesa e a Dra. Maria Cavaco Silva efectuarão uma Visita de Estado àquele País, entre 10 e 17 de Janeiro próximo, deslocando-se a Nova Delhi, Goa, Bombaim e Bangalore.
Presidente da República efectua Visita de Estado à Índia entre 10 e 17 de Janeiro. Em resposta a um convite do Presidente da República da Índia, Dr. Avul Pakir Jainulabdeen Abdul Kalam, o Presidente da República Portuguesa e a Dra. Maria Cavaco Silva efectuarão uma Visita de Estado àquele País, entre 10 e 17 de Janeiro próximo, deslocando-se a Nova Delhi, Goa, Bombaim e Bangalore.
Jantar inter-religioso
Eu sei que pode parecer lamechas, mas enquanto jantava com uns amigos, ontem, aqui em casa, não pude deixar de reparar na constelação inter-religiosa que estava sentada à mesa: um cristão católico português (eu, acho), uma budista teravada tailandesa, um muçulmano sunita caxemire e uma hindu brâmane indiana. É óbvio que falámos de tudo, menos de religião. E que depois fomos ao cinema ver um filme norte-americano.
Acordo nuclear, mas não exagerar
Um acordo nuclear, acima de tudo no sentido não-científico da palavra. Mais do que nunca, indianos e norte-americanos estão a ensaiar uma nova aproximação diplomática. Mas o interessante nesta notícia do DN é o facto de escolher o adjectivo "polémico" para o descrever. Uma escolha muito acertada. É que há por aí (leia-se: Estados Unidos e Europa, Portugal incluído) muitos que já lançaram os foguetes porque vêem na Índia um "novo aliado democrático" na Ásia. Prematuro, na minha opinião. Opinião e argumentos esses que já tantas vezes expressei aqui e nas minhas colunas na Atlântico. Para quem queira saber porquê por si mesmo: visitar a Índia e ver que o seu carácter ocidental não passa de uma máscara, ou estudar o termo "Swaraj", googlando-o.
Horas antes do final da legislatura, o 109º Congresso dos EUA aprovou ontem um polémico acordo com a Índia, que permite a venda de combustível nuclear a Nova Deli, pela primeira vez em 30 anos.
Horas antes do final da legislatura, o 109º Congresso dos EUA aprovou ontem um polémico acordo com a Índia, que permite a venda de combustível nuclear a Nova Deli, pela primeira vez em 30 anos.
quinta-feira, 14 de dezembro de 2006
Questões nenhumas
Uma questão de tamanho. A dimensão dos preservativos está a preocupar as autoridades de saúde na Índia (...) A medição precisa dos pénis de 1200 indianos (até ao último milímetro), conclui que 60% dos homens têm menos três a cinco centímetros que os padrões internacionais.
Quando li a respectiva "notícia", há uns dias, num jornal indiano de duvidosa e sensacionalista qualidade (o sempre genial Times of India), como que por intuição e reacção pavloviana, pensei: ora aqui está um assunto sobre a Índia a que, aposto, a comunicação social portuguesa vai dar grande relevo.
Ora bem, nada mais, nada menos do que no "meu" Expresso (entre muitos outros jornais), cá está o assunto repescado das agências internacionais e re-escrito em tons (pouco) humorísticos. É um bom exemplo da maneira com que a nossa imprensa (salvo raras excepções, como o Público e, obviamente!, o Internacional do Expresso) tem escolhido abordar a Índia. Ignorando mil e uma questões de grande importância e interesse (humorístico incluído) e abraçando questões nenhumas como esta.
Quando li a respectiva "notícia", há uns dias, num jornal indiano de duvidosa e sensacionalista qualidade (o sempre genial Times of India), como que por intuição e reacção pavloviana, pensei: ora aqui está um assunto sobre a Índia a que, aposto, a comunicação social portuguesa vai dar grande relevo.
Ora bem, nada mais, nada menos do que no "meu" Expresso (entre muitos outros jornais), cá está o assunto repescado das agências internacionais e re-escrito em tons (pouco) humorísticos. É um bom exemplo da maneira com que a nossa imprensa (salvo raras excepções, como o Público e, obviamente!, o Internacional do Expresso) tem escolhido abordar a Índia. Ignorando mil e uma questões de grande importância e interesse (humorístico incluído) e abraçando questões nenhumas como esta.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2006
Pedro Adão (1969-2006)
Não cheguei a travar conhecimento pessoal com ele, a não ser por e-mail e telefone, mas a morte do Cônsul Geral de Portugal em Goa, Pedro Cabral Adão, de 37 anos de idade, é daqueles eventos que nos ficam guardados na memória. Para o resto da vida, presumo.
Avisado por uma breve notícia do Correio da Manhã, e por uma mensagem de alguém no MNE, soube do seu falecimento e, prontamente, noticiei o facto no Supergoa.com. O que me surpreendeu, no entanto, foi o relativo (se não total) silêncio com que a imprensa portuguesa e indiana, goesa em particular, bem como os espaços habituais do mundo cibernético goês e indo-português, brindaram o assunto. Questão, por sinal, mencionada também nas Notas Verbais.
Avisado por uma breve notícia do Correio da Manhã, e por uma mensagem de alguém no MNE, soube do seu falecimento e, prontamente, noticiei o facto no Supergoa.com. O que me surpreendeu, no entanto, foi o relativo (se não total) silêncio com que a imprensa portuguesa e indiana, goesa em particular, bem como os espaços habituais do mundo cibernético goês e indo-português, brindaram o assunto. Questão, por sinal, mencionada também nas Notas Verbais.
Notas oportunas
Afinal, a menos de um mês da chegada de Cavaco, em visita oficial, há quem dedique algum tempo à análise do actual estado (dormente) das relações entre a Índia e Portugal. Uma excelente perspectiva no blog Notas Verbais, traçando o passado e o actual estado da situação, bem como apontando para eventuais desenvolvimentos futuros.
terça-feira, 12 de dezembro de 2006
Monges, soldados, comunistas e jovens
Há duas semanas, cruzava eu o centro do poder político indiano, no coração de Deli, num riquexó apressado, observei uma rara e curiosa constelação de pessoas. Em frente a um edifício governamental em que se encontrava o presidente chinês Hu Jintao, de visita oficial à Índia, quatro grupos de pessoas distintos e tão diferentes, cada qual com o seu intuito, mas todos atraídos pela presença do governante chinês.
De vermelho e amarelo, as cores dos seus robes religiosos, monges budistas tibetantos. Velhos e novos, mulheres e homens, sentados ou em pé, todos alinhados pacientemente, silenciosamente. Nem um pio. Olhar calmo, mas determinado. Os mais pequenos saltitam num jogo qualquer. Alguém prepara chá, butter tea.
De camuflagem azulada, pouco apropriada para uma zona urbana, militares da força de choque Rapid Action Force. Munidos de sofisticados bastões e escudos de plexiflex, com capacetes à prova de bala e botas que mais se propiciavam aos lamacentos e gélidos Himalaias. Um pouco entediados, alguns jogavam às cartas.
De bandeiras vermelhas em riste, com a foiçe e o martelo em branco, militantes dos partidos comunistas (Left Parties), ruidosos e cientes de atenção mediática. Aglomeram-se à volta de uma barraquinha decorada com cartazes apelando contra o "imperialismo chinês" e defendendo a libertação do Tibete. Em curso está também uma pequena peça dramática, "street theater" espontâneo.
Já engavetados nas carrinhas de choque, jovens tibetanos mais militantes, prontos para serem levados para a esquadra e, porventura, julgados em tribunal. Não lhes reconheço nada a não ser as cabeças e os olhos que espreitam por detrás dos gradeamentos azulados. De repente, ergue-se um braço e um pano com a bandeira do movimento independentista tibetano. Antes de um polícia atento lhe o rasgar da mão, vislumbro uma cor que envolve o restante braço: o azul claro de um blusão de ganga.
De vermelho e amarelo, as cores dos seus robes religiosos, monges budistas tibetantos. Velhos e novos, mulheres e homens, sentados ou em pé, todos alinhados pacientemente, silenciosamente. Nem um pio. Olhar calmo, mas determinado. Os mais pequenos saltitam num jogo qualquer. Alguém prepara chá, butter tea.
De camuflagem azulada, pouco apropriada para uma zona urbana, militares da força de choque Rapid Action Force. Munidos de sofisticados bastões e escudos de plexiflex, com capacetes à prova de bala e botas que mais se propiciavam aos lamacentos e gélidos Himalaias. Um pouco entediados, alguns jogavam às cartas.
De bandeiras vermelhas em riste, com a foiçe e o martelo em branco, militantes dos partidos comunistas (Left Parties), ruidosos e cientes de atenção mediática. Aglomeram-se à volta de uma barraquinha decorada com cartazes apelando contra o "imperialismo chinês" e defendendo a libertação do Tibete. Em curso está também uma pequena peça dramática, "street theater" espontâneo.
Já engavetados nas carrinhas de choque, jovens tibetanos mais militantes, prontos para serem levados para a esquadra e, porventura, julgados em tribunal. Não lhes reconheço nada a não ser as cabeças e os olhos que espreitam por detrás dos gradeamentos azulados. De repente, ergue-se um braço e um pano com a bandeira do movimento independentista tibetano. Antes de um polícia atento lhe o rasgar da mão, vislumbro uma cor que envolve o restante braço: o azul claro de um blusão de ganga.
sábado, 9 de dezembro de 2006
De tudo um pouco, menos da Ásia
Numa grande entrevista no Público de hoje, o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, reconhece que o dossier constitucional vai pesar significativamente na presidência portuguesa da União Europeia e alerta para um conjunto de outras prioridades, como África, o espaço mediterrânico, o Médio Oriente, a Europa de Leste, o fundamentalismo islâmico ("que constitui hoje o principal factor de instabilidade do sistema internacional"!), o Líbano, a Turquia etc. e tal. Tudo e mais alguma coisa portanto, no que a entrevistadora Teresa de Sousa resume como uma "Presidência de alto risco".
Alto lá. Impressionante. Uma presidência europeia do nosso país, mas nem uma única menção ou palavra ao continente asiático e aos importantes desafios (mesmo que a longo termo) que a sua emergência coloca à Europa. Ainda por cima quando as duas cimeiras anuais UE-China e UE-Índia calham exactamente nos "nossos" seis meses. Ignorância, negiligência ou prioridades trocadas? Talvez de tudo um pouco, à boa maneira da nossa tradicional política externa.
Alto lá. Impressionante. Uma presidência europeia do nosso país, mas nem uma única menção ou palavra ao continente asiático e aos importantes desafios (mesmo que a longo termo) que a sua emergência coloca à Europa. Ainda por cima quando as duas cimeiras anuais UE-China e UE-Índia calham exactamente nos "nossos" seis meses. Ignorância, negiligência ou prioridades trocadas? Talvez de tudo um pouco, à boa maneira da nossa tradicional política externa.
Imagens de Deli: Indo-portugueses de Cochim
Três membros da comunidade indo-portuguesa de Vaipim, a ilha que fica oposta ao Forte de Cochim, no Kerala. Estive lá em 2005, a convite da Fundação Oriente que financiou o restauro dos altares portugueses da sua rica igreja de Nossa Senhora de Esperança. Deambulando pelas ruelas da aldeia, fui logo rodeado pelas pessoas que, ao saberem que eu era português, tentaram logo entrar em diálogo com os seus limitados e arcaicos conhecimentos da língua de Camões. A herança lusa restringe-se, no entanto, ao campo da memória e das emoções, à gastronomia e à música, incluindo os cânticos religiosos. Anexo o artigo que escrevi na ocasião (sobre a razão principal da minha viagem), mas que não chegou a ser publicado no Expresso.
(Fevereiro 2005)
Seminário internacional discute fortalezas portuguesas da Índia
Constantino Hermanns Xavier (enviado a Cannanore)
A histórica cidade de Cannanore, no estado indiano de Querala, acolheu esta semana o seminário internacional "Feitorias e Fortalezas Portuguesas na Índia", uma organização do Instituto indiano para a Investigação em Ciências e Sociais e Humanas (Kannur) com o financiamento da Fundação Oriente e apoios da Fundação Calouste Gulbenkian e Instituto Camões.
Dezenas de historiadores internacionais abordaram a temática da expansão militar portuguesa no subcontinente indiano nos séculos XVI e XVII, focando particularmente a fortaleza de St. Ângelo (Cannanore) que o organizador do evento e especialista em história indo-portuguesa, K. S. Mathew, considera ser "a mais antiga fortificação portuguesa intacta na Índia, fazendo parte da rede de fortalezas planeada pelo primeiro Vice-rei da Índia, D. Francisco de Almeida, ao longo da costa ocidental". O seminário comemora o quinto centenário sobre a colocação da pedra fundadora da fortaleza em 1505.
Depois de uma primeira passagem de Vasco da Gama, a presença portuguesa em Cannanore consolidou-se em 1501 com o estabelecimento de relações diplomáticas entre Pedro Álvares Cabral e o rei local e a edificação de uma feitoria. Afirmando-se rapidamente como ponto estratégico na expansão portuguesa na Índia, Cannanore chegou a contar em 1523 com 700 habitantes cristãos e uma vasta população de lusodescendentes, resultado da política de casamentos mistos iniciada por Afonso de Albuquerque. A fortaleza passou em 1663 para domínio holandês.
O seminário marcou também mais uma etapa no degelo entre as comunidades académicas portuguesas e indianas. Sérgio Mascarenhas de Almeida, delegado da Fundação Oriente na Índia, defende que "o discurso historiográfico indo-português é hoje menos ideológico e neste seminário há já uma nova geração de investigadores indianos com novas imagens acerca de Portugal". Referindo-se à polémica luso-indiana aquando das comemorações do quinto centenário da chegada de Vasco da Gama à Índia em 1998, afirma que "resta saber se os académicos portugueses e indianos têm agora a capacidade para passar a mensagem para as respectivas sociedades civis, para que os erros não se repitam". Do lado indiano K. S. Mathew também assume uma transformação: "Estamos a preencher um vácuo académico. Temos conseguido realizar diversos seminários indo-portugueses e manter-nos longe das correntes anti-portuguesas e dos discursos fundamentalistas".
Outras comunicações apresentadas durante o seminário incluíram "As estratégias comerciais e militares portuguesas no Oceano Índico" por Pius Malekandathil, "Desenvolvimento urbano de Nagapatão sob domínio português (1542-1658)" por Jayaseela Stephen e "A organização da Santa Casa de Misericórdia em Cannanore" por James John.
Entre as presenças portuguesas destacaram-se as comunicações de Zoltan Biederman, da Universidade Nova de Lisboa, que analisou o desenvolvimento urbano da cidade ceilonesa de Colombo sob domínio português e holandês, e de Vítor Rodrigues, do Instituto de Investigação Científica Tropical, que apresentou um trabalho desenvolvido em colaboração com João Paulo Oliveira e Costa sobre Lourenço de Brito, primeiro capitão de Cannanore. Já Luis Dias Antunes, do mesmo instituto, estudou o papel de Inácio Sarmento de Carvalho, último Governador português de Cochim (1661-1663).
(Fevereiro 2005)
Seminário internacional discute fortalezas portuguesas da Índia
Constantino Hermanns Xavier (enviado a Cannanore)
A histórica cidade de Cannanore, no estado indiano de Querala, acolheu esta semana o seminário internacional "Feitorias e Fortalezas Portuguesas na Índia", uma organização do Instituto indiano para a Investigação em Ciências e Sociais e Humanas (Kannur) com o financiamento da Fundação Oriente e apoios da Fundação Calouste Gulbenkian e Instituto Camões.
Dezenas de historiadores internacionais abordaram a temática da expansão militar portuguesa no subcontinente indiano nos séculos XVI e XVII, focando particularmente a fortaleza de St. Ângelo (Cannanore) que o organizador do evento e especialista em história indo-portuguesa, K. S. Mathew, considera ser "a mais antiga fortificação portuguesa intacta na Índia, fazendo parte da rede de fortalezas planeada pelo primeiro Vice-rei da Índia, D. Francisco de Almeida, ao longo da costa ocidental". O seminário comemora o quinto centenário sobre a colocação da pedra fundadora da fortaleza em 1505.
Depois de uma primeira passagem de Vasco da Gama, a presença portuguesa em Cannanore consolidou-se em 1501 com o estabelecimento de relações diplomáticas entre Pedro Álvares Cabral e o rei local e a edificação de uma feitoria. Afirmando-se rapidamente como ponto estratégico na expansão portuguesa na Índia, Cannanore chegou a contar em 1523 com 700 habitantes cristãos e uma vasta população de lusodescendentes, resultado da política de casamentos mistos iniciada por Afonso de Albuquerque. A fortaleza passou em 1663 para domínio holandês.
O seminário marcou também mais uma etapa no degelo entre as comunidades académicas portuguesas e indianas. Sérgio Mascarenhas de Almeida, delegado da Fundação Oriente na Índia, defende que "o discurso historiográfico indo-português é hoje menos ideológico e neste seminário há já uma nova geração de investigadores indianos com novas imagens acerca de Portugal". Referindo-se à polémica luso-indiana aquando das comemorações do quinto centenário da chegada de Vasco da Gama à Índia em 1998, afirma que "resta saber se os académicos portugueses e indianos têm agora a capacidade para passar a mensagem para as respectivas sociedades civis, para que os erros não se repitam". Do lado indiano K. S. Mathew também assume uma transformação: "Estamos a preencher um vácuo académico. Temos conseguido realizar diversos seminários indo-portugueses e manter-nos longe das correntes anti-portuguesas e dos discursos fundamentalistas".
Outras comunicações apresentadas durante o seminário incluíram "As estratégias comerciais e militares portuguesas no Oceano Índico" por Pius Malekandathil, "Desenvolvimento urbano de Nagapatão sob domínio português (1542-1658)" por Jayaseela Stephen e "A organização da Santa Casa de Misericórdia em Cannanore" por James John.
Entre as presenças portuguesas destacaram-se as comunicações de Zoltan Biederman, da Universidade Nova de Lisboa, que analisou o desenvolvimento urbano da cidade ceilonesa de Colombo sob domínio português e holandês, e de Vítor Rodrigues, do Instituto de Investigação Científica Tropical, que apresentou um trabalho desenvolvido em colaboração com João Paulo Oliveira e Costa sobre Lourenço de Brito, primeiro capitão de Cannanore. Já Luis Dias Antunes, do mesmo instituto, estudou o papel de Inácio Sarmento de Carvalho, último Governador português de Cochim (1661-1663).
De baixa
Um problema de saúde que eu deixei arrastar por demasiado tempo tramou-me esta segunda-feira passada e deixou-me KO durante dois dias e obrigou-me a adiar dois exames de fim de semestre. Está agora tudo sob controlo e a caminho da normalização. O susto deixou moral: lembrei-me que, no final de contas, ainda vivo na Índia e que há que manter precauções mínimas. O susto custou-me mais um jantar VIP: tive que cancelar a minha ida à casa do nosso Embaixador para um jantar com o "nosso" Alto Comissário das NU para os Refugiados, Eng. António Guterres. O susto foi também educativo: a minha imersão nos serviços de saúde indianos - dos centros de saúde públicos às clínicas de luxo - permitiu-me descobrir mais uma faceta sub-continental. Que por aqui irei partilhar, claro.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2006
Atlântico: Recensão
Excerto da recensão que escrevi sobre o livro que já aqui tinha comentado. Na revista Atlântico deste mês, já nas bancas. Onde, por sinal e por erro infeliz, falta a minha habitual e mensal crónica Passagem para a Índia. Mas para o mês há mais.
Ashutosh Seshabalaya, Made in Índia, Lisboa, Centro Atlântico, 2006, 388 pp.
Por Constantino Xavier
"Oriundo “de uma família de notáveis da Índia”, representa uma elite que vive um momento de êxtase e de afirmação, tanto na diáspora, bem como nos corredores diplomáticos de Nova Deli, na bolsa Sensex de Bombaim e nos parques tecnológicos de Bangalore. A sua prosa é, por isso, material indispensável para uma abordagem sociológica aos que estão por trás da emergência indiana, aos seus interesses económicos pró-ocidentais, bem como aos seus complexos históricos e políticos, pós-colonialistas e anti-ocidentais."
Jantar ex-presidencial
Jantar hoje, na residência do nosso embaixador, com Jorge Sampaio, esposa Maria José Rita e filhos Vera e André. Estão de visita (privada) à Índia, nos próximos dias. Como seguem cedo de manhã para Agra, não deu para grandes conversas, mas não deixou de ser uma honra jantar à mesma mesa do nosso ex-Presidente e da sua família e partilhar da sua rica experiência. Está, aliás, agora ao serviço das Nações Unidas, no combate mundial contra a tubercolose. A Indonésia (de onde veio ontem e onde discursou numa conferência internacional em Jacarta), a China e a Índia registam, juntas, quase metade dos novos casos anuais da doença.
terça-feira, 28 de novembro de 2006
O balde do lixo e a casta
A nossa empregada de limpeza, que anda a substituir a Sayida afectada por tuberculose, disse-me hoje que não pode limpar o nosso balde do lixo porque isso vai contra os princípios da casta dela. Desconfiado, porque ela é uma grande preguiçosa desde o primeiro dia em que começou a trabalhar para nós, e um pouco surpreendido e fingindo não perceber, fu pedir auxílio e interpretação cultural à minha colega de apartamento indiana, a Arunita, que é hindu, do estado de Assão. O curioso, no entanto, é que até ela ficou supreendida e insegura. Esvaziar e limpar o balde de lixo é algo que todas as empregadas de casa fazem aqui em Deli. Era essa, pelo menos, a nossa crença até esta manhã. Casta ou não, preguiça ou não, falta de interpretação e centenas de castas e sub-castas à parte, decidimos passar a executar nós mesmo a impura tarefa.
segunda-feira, 27 de novembro de 2006
Imagens de Deli: Camião
Um típico camião de transporte de longa distância, estacionado a norte de Srinagar, Caxemira. São autênticos monstros rodoviários. Especialmente nos Himalaias, galgam rios, montanhas e vales. Às vezes, muito raramente, os seus titânicos (e, por vezes, bêbados) condutores calculam mal os milímetros e a viagem termina abruptamente, no fundo da ravina, nas gélidas e turbulentas águas de um glaciar em derretimento. São decorados com grande dedicação, cheio de inscrições divinas, nomes de sítios "conquistados" em jeito de troféus e mensagens intimidantes para outros condutores. Da única vez que andei de boleia num deles, fiquei com as costas esmigalhadas: para evitar desequilíbrios, quase que não têm suspensão. Mas não deixa de ser uma aventura partilhar passas e amêndoas com a sua tripulação, ouvindo as suas fantasiadas aventuras ("e então, surgindo sozinha e toda nua por trás de um rochedo, a americana fez-nos sinal a pedir boleia"...).
Eleições JNU
Um excelente sítio da Comissão Eleitoral sobre as últimas eleições na Jawaharlal Nehru University (JNU), com várias fotografias, recortes de imprensa e os resultados finais.
Pizza boy?
É dos momentos que menos gosto de enfrentar aqui na Índia. Quando encomendamos das cadeias de restaurante ocidentais, como o McDonald's e a Pizza Hut, e nos toca à campainha um senhor que teria idade para ser o meu avô. Aqui estou eu, menino mimado ocidental, a paparicar pizzas no valor de cinco refeições indianas cozinhadas em casa. É ainda pior quando estamos numa tórrida tarde de verão ou numa gélida noite de inverno deliense, em que só mesmo por urgência alguém sai de casa. Passa a terrível, quando eles se comportam de uma forma tão subserviente e educada que eu me sinto forçado a convidá-los a comer connosco dentro de casa ou pegar na motoreta dele e ocupar-me das restantes entregas. Infelizmente, isso não passa pela cabeça de ninguém aqui. Resta-me, então, sorrir amavelmente e dar-lhes uma generosa gorjeta. O que, posteriormente, nunca me faz sentir melhor - pelo contrário.
sexta-feira, 24 de novembro de 2006
Portugal (re)descobre a Índia
Esteve cá esta semana, por pouco mais de dois dias, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, o Prof. João Gomes Cravinho (filho do Eng. João Cravinho, deputado). Por sinal, doutorado em Oxford e logo na minha especialidade: Relações Internacionais.
Falou na minha faculdade, num encontro que eu ajudei a organizar no Departamento de Estudos Europeus, sobre "Portuguese Foreign Policy: Present and Future" e correu bastante bem. De modo a que eu aposte que para o ano já haverá um ou outro mestrando ou doutorando a trabalhar sobre Portugal para a sua tese. Foi um momento particularmente importante para mim: dois anos depois de eu ter chegado a Nova Deli, Portugal marcou, finalmente, presença oficial na universidade que me acolhe.
A quem interessar, a entrevista que lhe fiz para o Expresso Online:
João Gomes Cravinho, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, em visita oficial
Portugal (re)descobre a Índia
Falou na minha faculdade, num encontro que eu ajudei a organizar no Departamento de Estudos Europeus, sobre "Portuguese Foreign Policy: Present and Future" e correu bastante bem. De modo a que eu aposte que para o ano já haverá um ou outro mestrando ou doutorando a trabalhar sobre Portugal para a sua tese. Foi um momento particularmente importante para mim: dois anos depois de eu ter chegado a Nova Deli, Portugal marcou, finalmente, presença oficial na universidade que me acolhe.
A quem interessar, a entrevista que lhe fiz para o Expresso Online:
João Gomes Cravinho, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, em visita oficial
Portugal (re)descobre a Índia
Bandeirantes II
Já que estamos numa de bandeirantes, encontro, por acaso, ontem, no meu departamento, a Rosa Maria Perez, do ISCTE, bem como, salvo erro, o Presidente do ISCTE, Luís Antero Reto. A Prof. Rosa Perez é das poucas pessoas que tem, de forma consistente (e excelente), abordado a Índia de um ponto de vista histórico, sociológico e, acima de tudo, antropológico. Está à frente de uma instituição de investigação que prima por uma qualidade só raramente vista no meio académico português, o Centro de Estudos de Antropologia Social do ISCTE, que edita revista Etnográfica. Estão cá para representar o ISCTE na European Higher Education Fair, que começa hoje.
Redescobrindo: Bombaim
Mumbai, Mumbay, Bombay ou Bombaim? Os pós-colonialistas têm muito de revisionismo histórico e - fruto da variante indiana, de tons nacionalistas também - por isso Bombay é hoje Mumbai. Em inglês e em hindi. Para nós (isto é, para mim), permanece Bombaim, em honra ao passado português da cidade e a todo o rico trabalho e memória que já se encontram associados a essa variante há muito tempo no espaço lusófono. Bombaim não é Mumbai. Aliás, mesmo em inglês, Mumbai é outra cidade que Bombay. Coisas diferentes, não só em termos temporais. Os nacionalistas hindus podem brincar aos nomes, mas para a língua portuguesa fica tudo na mesma: Bombaim.
Há, claro, o chico-espertismo do costume em Portugal que leva a monstruosidades híbridas que só, e mais uma vez, demonstram a submissão a enorme facilitismo. Já vi por aí um nojento Mumbaim (não me lembro onde) e subsiste, claro, a ignorância: no caso, a RTP (ou Lusa), todo um texto refere-se a Bombaim, mas os ricos conhecimentos geográficos do autor levam-no a falar repetidamente de... Mombaça, do outro lado do Índico. Mas não sejamos tão pessimistas. Foi perto, quase que acertava!
Há, claro, o chico-espertismo do costume em Portugal que leva a monstruosidades híbridas que só, e mais uma vez, demonstram a submissão a enorme facilitismo. Já vi por aí um nojento Mumbaim (não me lembro onde) e subsiste, claro, a ignorância: no caso, a RTP (ou Lusa), todo um texto refere-se a Bombaim, mas os ricos conhecimentos geográficos do autor levam-no a falar repetidamente de... Mombaça, do outro lado do Índico. Mas não sejamos tão pessimistas. Foi perto, quase que acertava!
Interlúdio pictórico
Uma imagem curiosa, enviada pela visitante desta vida Joana Pinto que me pede para comentar. Mas como uma imagem vale por mil palavras, fico-me pela imagem.
segunda-feira, 20 de novembro de 2006
Bandeirantes
Para moderar um pouco o meu ressabiamento em relação à ausência portuguesa na feira do ensino superior europeu no próximo fim-de-semana, umas notícias melhores sobre o nosso Portugal na Índia. Sim, porque, nem que de vez em quando, há uns corajosos bandeirantes que vêm cá pôr os pés na selva.
De 6 a 8 de Novembro passado realizou-se a V International Conference of Structural Analysis of Historical Constructions, aqui em Deli, no Habitat Centre. A organização esteve a cabo de uma troupe de engenheiros da Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil (Guimarães), liderada pelo Prof. Paulo Lourenço. Um mega-evento, patrocinado pela União Europeia, (EU-India Economic Cross Cultural Programme) e resultado de uma rede de investigação conjunta entre europeus e indianos sobre a preservação estrutural de edifícios históricos. Um dos casos estudados e executados é o do Qutub Minar, essa maravilha que é património da Humanidade (que, aliás, consigo ver do meu terraço).
Portanto, já sabem: quando vierem a Deli e estiverem a olhar pasmados para aquela colossal torre, obra dos Sultanatos de Deli há mais de setecentos anos, já sabem a quem agradecer. Vivam os engenheiros portugueses, de volta ao sub-continente indiano!
De 6 a 8 de Novembro passado realizou-se a V International Conference of Structural Analysis of Historical Constructions, aqui em Deli, no Habitat Centre. A organização esteve a cabo de uma troupe de engenheiros da Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil (Guimarães), liderada pelo Prof. Paulo Lourenço. Um mega-evento, patrocinado pela União Europeia, (EU-India Economic Cross Cultural Programme) e resultado de uma rede de investigação conjunta entre europeus e indianos sobre a preservação estrutural de edifícios históricos. Um dos casos estudados e executados é o do Qutub Minar, essa maravilha que é património da Humanidade (que, aliás, consigo ver do meu terraço).
Portanto, já sabem: quando vierem a Deli e estiverem a olhar pasmados para aquela colossal torre, obra dos Sultanatos de Deli há mais de setecentos anos, já sabem a quem agradecer. Vivam os engenheiros portugueses, de volta ao sub-continente indiano!
domingo, 19 de novembro de 2006
Umas ideias no DN
Publicada na edição de hoje do Diário de Notícias, secção internacional, uma entrevista comigo sobre a Índia no contexto internacional, com um título grandioso em que faltam, no entanto, duas maiúsculas: "Há uma guerra fria na Ásia do Sul". São excertos de respostas bem mais alongadas que lhes enviei por escrito mas que, fruto das condicionantes tradicionais da comunicação social portuguesa, foram abreviadas para o que podem agora ler. Mesmo assim, é bom saber que a imprensa lusa começa a olhar para estes lados com outros olhos.
quinta-feira, 16 de novembro de 2006
A Cochichina sai-nos cara
European Higher Education Fair, em Nova Deli, de 24 a 26 de Novembro. É um sinal dos tempos. As universidades e instituições de investigação europeias já perceberam que para evitarem males piores (a crise de natalidade e consequências económicas, entre outros), só têm uma alternativa: cativar, importar e mesmo "comprar" estudantes da América Latina, de África e especialmente da Ásia.
Os jornais indianos estão cheios de anúncios de universidades inglesas, alemãs, americanas e australianas que tentam cativar o "boom" educacional indiano. Nos Estados Unidos, por exemplo, os indianos já são mais de 70 000. Também há quase tantos chineses.
Aqui em Deli, quase todos os meses, há grandes sessões de apresentação de universidades estrangeiras, procurando cativar o saber e o capital dos jovens indianos à procura de educação de excelência no estrangeiro, sendo que o sistema educacional indiano está a abarrotar. Por exemplo, mais de 200 000 jovens candidatam-se anualmente ao Indian Institute of Managment de Bangalore. Apenas 250 são aceites. Por outro lado buscam, obviamente, qualidade de ensino e perspectivas de emprego melhores do que na Índia.
A iniciativa da União Europeia, da próxima semana, é, portanto, bem-vinda. Mesmo que atrasados, os europeus perceberam a ideia e juntaram esforços para estarem cá todos em conjunto, certamente com uns saborosos subsídios comunitários. Mas, alto aí... todos?
Não, há um povo resistente. Entre as mais de vinte estruturas (ministérios, departamentos, institutos e comissões) nacionais representadas há de tudo, da Alemanha e França à Lituânia, Letónia e Polónia. O nosso Portugal marca a sua presença pela... ausência.
Mas também há boas notícias. Entre as quase cem universidades e instituições de ensino superior com representações, está uma (1) portuguesa! A proeza cabe ao ISCTE. O meus sinceros parabéns para Entrecampos. No entanto, voltemos às más notícias. 16 alemãs, quatro cipriotas, três irlandesas, duas lituanas e... uma portuguesa?
Posso estar enganado, mas a minha experiência dita que eu adivinhe que a UE paga tudo, ou pelo menos comparticipa fortemente nos custos: viagem, alojamento, barraquinha, impressão de material e panfletos, e se calhar até cafés e alimentação. Bastava pegar num dos muitos estudantes ociosos a deambularem pelas esplanadas e dizer: vais para a Índia, de borla, e só tens que sorrir e trazer de volta uns quantos candidatos indianos aos nossos cursos.
Mas não. É que somos mesmo bons. Tão tão bons, que, adivinho novamente, seremos os primeiros a afundar-nos nesse mundo pós-ocidental que nos aguarda em Deli, em Pequim, em Jacarta e na tão gozada Cochichina. Mas esse gozo e a ilusão cochichinesa vão-nos sair muito caro.
Os jornais indianos estão cheios de anúncios de universidades inglesas, alemãs, americanas e australianas que tentam cativar o "boom" educacional indiano. Nos Estados Unidos, por exemplo, os indianos já são mais de 70 000. Também há quase tantos chineses.
Aqui em Deli, quase todos os meses, há grandes sessões de apresentação de universidades estrangeiras, procurando cativar o saber e o capital dos jovens indianos à procura de educação de excelência no estrangeiro, sendo que o sistema educacional indiano está a abarrotar. Por exemplo, mais de 200 000 jovens candidatam-se anualmente ao Indian Institute of Managment de Bangalore. Apenas 250 são aceites. Por outro lado buscam, obviamente, qualidade de ensino e perspectivas de emprego melhores do que na Índia.
A iniciativa da União Europeia, da próxima semana, é, portanto, bem-vinda. Mesmo que atrasados, os europeus perceberam a ideia e juntaram esforços para estarem cá todos em conjunto, certamente com uns saborosos subsídios comunitários. Mas, alto aí... todos?
Não, há um povo resistente. Entre as mais de vinte estruturas (ministérios, departamentos, institutos e comissões) nacionais representadas há de tudo, da Alemanha e França à Lituânia, Letónia e Polónia. O nosso Portugal marca a sua presença pela... ausência.
Mas também há boas notícias. Entre as quase cem universidades e instituições de ensino superior com representações, está uma (1) portuguesa! A proeza cabe ao ISCTE. O meus sinceros parabéns para Entrecampos. No entanto, voltemos às más notícias. 16 alemãs, quatro cipriotas, três irlandesas, duas lituanas e... uma portuguesa?
Posso estar enganado, mas a minha experiência dita que eu adivinhe que a UE paga tudo, ou pelo menos comparticipa fortemente nos custos: viagem, alojamento, barraquinha, impressão de material e panfletos, e se calhar até cafés e alimentação. Bastava pegar num dos muitos estudantes ociosos a deambularem pelas esplanadas e dizer: vais para a Índia, de borla, e só tens que sorrir e trazer de volta uns quantos candidatos indianos aos nossos cursos.
Mas não. É que somos mesmo bons. Tão tão bons, que, adivinho novamente, seremos os primeiros a afundar-nos nesse mundo pós-ocidental que nos aguarda em Deli, em Pequim, em Jacarta e na tão gozada Cochichina. Mas esse gozo e a ilusão cochichinesa vão-nos sair muito caro.
Lusofonia, sessão 7
Sábado passado, mais uma sessão do nosso curso sobre a política, economia e cultura do mundo lusófono, na Universidade de Deli. Desta vez o tema foi "Brazil beyond 'Carnaval e Futebol': a diverse and emerging giant" e contou com mais de 30 estudantes que me vieram ouvir falar sobre o maior país do mundo latino-americano. O João Pedro, leitor do Instituto Camões e coordeneador do curso, também cobriu duas temáticas. Mas a contratação de luxo foi mesmo a Priscila Troia, a nossa convidada.
Está na Índia há 13 anos e vive perto de Okhla, num bairro muçulmano no Sul de Deli (Jamia Nagar), onde gere um Instituto de Línguas e Cultura Latina e ensina mulheres locais a fazerem bordados e artesanato típico brasileiro. Também é professora de português na Jamia Islamia University. É casada com o argentino Juan Marcos Troia, trenador acreditado pela FIFA e que gere o International Sports Academy Trust, onde ensina miúdos indianos a serem futuros Ronaldinhos e envia os mais telantados para o Brasil.
Excelente, a intervenção dela na sessão. Sem sucumbir a relativismos e exotismos, deu um excelente testemunho acerca da sua experiência intercultural, conquistou a audiência indiana e explorou as imensas oportunidades que se apresentam no emergente eixo indo-brasileiro.
Está na Índia há 13 anos e vive perto de Okhla, num bairro muçulmano no Sul de Deli (Jamia Nagar), onde gere um Instituto de Línguas e Cultura Latina e ensina mulheres locais a fazerem bordados e artesanato típico brasileiro. Também é professora de português na Jamia Islamia University. É casada com o argentino Juan Marcos Troia, trenador acreditado pela FIFA e que gere o International Sports Academy Trust, onde ensina miúdos indianos a serem futuros Ronaldinhos e envia os mais telantados para o Brasil.
Excelente, a intervenção dela na sessão. Sem sucumbir a relativismos e exotismos, deu um excelente testemunho acerca da sua experiência intercultural, conquistou a audiência indiana e explorou as imensas oportunidades que se apresentam no emergente eixo indo-brasileiro.
Carnaval diplomático
terça-feira, 14 de novembro de 2006
Economia das palavras e esta vida
Já que estou numa onda de coleccionar referências a esta vida em Deli, um texto do Paulo Barbosa, jornalista freelancer, sobre este cantinho e o meu outro. "Português em vias de extinção" (título de uma reportagem dele em Goa), no sempre interessante e indo-atento Economia de Palavras.
Ainda os dálitas
No muito recomendável blogue Assim mesmo, uma referência interessante ao meu artigo sobre os dálitas no Expresso (Léxico: xátria ou chátria), discutindo o meu aportuguesamento dos conceitos indostânicos - que tantas dores de cabeça me dão. Ainda bem que pelo menos alguém repara nestas coisas em Portugal e se dá a um pouco de trabalho a pensar e a escrever a língua portuguesa. O mesmo blogue tem ainda um texto interessante intitulado «Topikar» e «paklé», sobre os portugueses em Goa.
domingo, 12 de novembro de 2006
Aconteceu!
Desde ontem à noite, já não partilho o meu apartamento somente com uma figura conhecida em todo o campus universitário, mas também com uma celebridade na Índia inteira. O Tyler ganhou as eleições e passa a ser Vice-Presidente da Jawaharlal Nehru University Students' Union, o primeiro estrangeiro de sempre em todo o país. Um branco, ainda por cima norte-americano, a conquistar um dos postos mais difíceis, ambicionados e influentes no panorama político estudantil indiano? Deu alarido mediático instantâneo.
Ainda eu não sabia do resultado oficial (a contagem demorou três dias!), já estacionava o primeiro carro de exterior à frente de nossa casa. Começou, então, uma autêntica orgia mediática à volta do Tyler. Na universidade passou três horas a fio a dar entrevistas para rádios e televisões, incluindo a BBC e a CNN. Depois disso procurou refugiar-se aqu em casa "com a família". Sem dormir, sem tomar banho e sem comer mais do que bolachas e fruta há dias, fizemos-lhe uma comida caseira, mas a pressão continuava e o telemóvel entrevistador não cessava de tocar.
Foi então raptado por um canal de televisão, para depois entrar em directo, horário nobre de Sábado à noite, às oito em ponto, numa entrevista de mais de vinte minutos, na Sahara TV. Antes disso tinha passado pela Zee News e, há já uma hora, estava cá à nossa porta o carro de exterior do Aaj Tak e os jornalistas a pergunterem-nos por ele e a pressionarem. Foi assim a noite toda. As televisões indianas não passavam outra face, a não ser a do Tyler, sempre a falar num hindi fluente (afinal, para além de ensinar os estrangeiros, como eu, até dá explicações a crianças indianas!).
Passava já da uma da manhã quando ele entrou, exausto, casa adentro. Bebericando um chá quente interrogámo-lo sobre 1001 assuntos, fazendo uso do direito de, afina, sermos o seu círculo mais íntimo e que o apoiou completando emocionalmente a sua racional estrutura partidária da AISA. Andava eu já empenhado em criticá-lo por achar que a JNU continua a ser um feudo da esquerda, adormeceu. E ainda dorme (13:10) enquanto escrevo isto. Ainda nem viu os vários jornais do dia em cima da mesa, na sala, onde está em todas as capas (incluindo fotografias suas).
Da cobertura mediática, destaco estes seguintes, mas basta procurarem por "Tyler" e "JNU" no Google News para darem com mais resultados.
International Herald Tribune
Washington Post
Times of India
Mumbai Mirror (com foto)
New Asia Times
Ainda eu não sabia do resultado oficial (a contagem demorou três dias!), já estacionava o primeiro carro de exterior à frente de nossa casa. Começou, então, uma autêntica orgia mediática à volta do Tyler. Na universidade passou três horas a fio a dar entrevistas para rádios e televisões, incluindo a BBC e a CNN. Depois disso procurou refugiar-se aqu em casa "com a família". Sem dormir, sem tomar banho e sem comer mais do que bolachas e fruta há dias, fizemos-lhe uma comida caseira, mas a pressão continuava e o telemóvel entrevistador não cessava de tocar.
Foi então raptado por um canal de televisão, para depois entrar em directo, horário nobre de Sábado à noite, às oito em ponto, numa entrevista de mais de vinte minutos, na Sahara TV. Antes disso tinha passado pela Zee News e, há já uma hora, estava cá à nossa porta o carro de exterior do Aaj Tak e os jornalistas a pergunterem-nos por ele e a pressionarem. Foi assim a noite toda. As televisões indianas não passavam outra face, a não ser a do Tyler, sempre a falar num hindi fluente (afinal, para além de ensinar os estrangeiros, como eu, até dá explicações a crianças indianas!).
Passava já da uma da manhã quando ele entrou, exausto, casa adentro. Bebericando um chá quente interrogámo-lo sobre 1001 assuntos, fazendo uso do direito de, afina, sermos o seu círculo mais íntimo e que o apoiou completando emocionalmente a sua racional estrutura partidária da AISA. Andava eu já empenhado em criticá-lo por achar que a JNU continua a ser um feudo da esquerda, adormeceu. E ainda dorme (13:10) enquanto escrevo isto. Ainda nem viu os vários jornais do dia em cima da mesa, na sala, onde está em todas as capas (incluindo fotografias suas).
Da cobertura mediática, destaco estes seguintes, mas basta procurarem por "Tyler" e "JNU" no Google News para darem com mais resultados.
International Herald Tribune
Washington Post
Times of India
Mumbai Mirror (com foto)
New Asia Times
quinta-feira, 9 de novembro de 2006
Emigrante 2
Ao terceiro ano, o desgaste linguístico. Especialmente desde que, em Junho passado, o meu saudoso amigo, colega e companheiro de apartamento Chacate voltou para Moçambique. Assim, a minha prática do idioma de Camões ficou reduzida às regulares conversas com estudantes indianos de língua portuguesa lá no campus ("eu gosta do Portugal"), a ocasionais interacções telefónicas e jantares com o corpo diplomático luso na Índia e aos raros encontros com os dois outros jovens tugas delienses (o João Pedro, na Universidade de Deli, e o Miguel, na longínqua Gurgaon). Tudo, obviamente, com consequências desastrosas +ara a minha prática oral e escrita, como até por aqui deverão ter testemunhado. Talvez chegará ao ponto de eu, um dia, cumprimentar o professor de português indiano com um "Boa dia, sir, a qual horas és seus aula, ji?".
Emigrante 1
De cada vez que eu sei de alguém que vem de Lisboa para Deli, faço imediatamente uma nota mental para pedir que me traga uma extensa listagem de produtos demonstrativos da minha crescente identidade de emigrante. Comida: atum, azeite de oliveira, queijo flamengo (bacalhau ainda não, mas deve faltar pouco). Também o correio que chega para mim e se avoluma em cima da minha mesa lá em casa. Essencial: jornais do dia/da semana, especialmente para inspirar o saudoso cheiro a tinta e a papel e para analisar os novos grafismos, porque, de resto, pouco de novo há no panorama jornalístico português. Como dizia um amigo meu, também radicado na Índia: se Portugal mudou tão pouco em novecentos anos, porque é que há-de mudar tanto, de repente, nos poucos anos em que eu não estou por lá?
O impacto de Bombaim (O Mundo em Português)
O número deste mês (nº 63, Outubro/Novembro 2006) da revista O Mundo em Português, publicada pelo Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, publica o meu artigo "O impacto de Bombaim". Nele, faço uma análise alargada de cinco dimensões em que os atentados bombistas de Julho, em Bombaim, influirão de forma determinante na política interna e externa da Índia. Em casa, para os assinantes, e nos quiosques e nas livrarias, para os restantes.
terça-feira, 7 de novembro de 2006
Lx-Deli-Catmandu-Lasa-Pequim
Sim, é possível. Há dez dias, tal e qual um furação, passou por cá o meu (mas especialmente do meu irmão Leonardo) amigo de tempo escolares, Luís Guimarães, agora no Gabinete de Análise da EDP. Via Deli, onde lhe dei guarida e um tour apressado matinal pela cidade, seguiu para Catmandu. Depois de algum montanhismo nepalês, planeava seguir por terra para Lasa, capital tibetana, mas motivos de força maior forçaram-no a fazer o percurso por via aérea. Não interessa, porque o ponto alto da viagem dele é a ligação posterior Lasa-Pequim no nova e estonteante ligação ferroviária inaugurada recentemente. Podem acompanhar tudo, de forma soberba, no blogue dele, Mais de 1000 vozes.
Imagens de Deli: Mosteiro de Tabo
Mosteiro de Tabo, de fundação novecentista, no vale de Spiti, no estado de Himaxal Pradexe. Um local com uma rica história, no cruzamento de vários trilhos de caravanas entre os planaltos indostânicos, o planalto tibetanto, Caxemira e a Ásia Central. Os fantásticos murais interiores das gompas representam de forma exemplar o cruzamento entre a arte budista tibetana e subcontinental indiana, de influência hindu. É supostamente aqui que o actual Dalai Lama pretende passar a última fase da sua vida.
domingo, 5 de novembro de 2006
Mais Índia na Atlântico
Para além da minha coluna habitual, a "Passagem para a Índia", e para além do conteúdo e dos debates de excelência que a marcam, como sempre, o número de Novembro da revista Atlântico tem mais Índia: um artigo do Vítor Cunha, na página 41, intitulado "O exemplo".
Tive, aliás, o imenso prazer de estar com ele, num autêntico "encontro atlântico asiático", aqui em Deli, aquando da vinda da delegação da Fundação Champalimaud à Índia. Como me dizia então, vítima do jet-lag e inspirado pelo que observou por cá, escreveu de noite, no quarto do hotel, "uma coisinha" que depois enviou para o director Paulo Pinto Mascarenhas.
Fica um saboroso excerto do resultado dessa insónia indiana do Vítor, na linha do que já analisei nas minhas primeiras crónicas: "Na Índia as pessoas movem-se com a pressa de quem percebe que o seu tempo está a chegar. Têm pressa, mas não perderam a serenidade própria dos que sabem o que querem, como querem, e quando querem”. Mais, só mesmo na revista.
Tive, aliás, o imenso prazer de estar com ele, num autêntico "encontro atlântico asiático", aqui em Deli, aquando da vinda da delegação da Fundação Champalimaud à Índia. Como me dizia então, vítima do jet-lag e inspirado pelo que observou por cá, escreveu de noite, no quarto do hotel, "uma coisinha" que depois enviou para o director Paulo Pinto Mascarenhas.
Fica um saboroso excerto do resultado dessa insónia indiana do Vítor, na linha do que já analisei nas minhas primeiras crónicas: "Na Índia as pessoas movem-se com a pressa de quem percebe que o seu tempo está a chegar. Têm pressa, mas não perderam a serenidade própria dos que sabem o que querem, como querem, e quando querem”. Mais, só mesmo na revista.
Atlântico: Pontos quentes
Passagem para a Índia (nº 8)
PONTOS QUENTES
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI
"Permitam-me uma sugestão revolucionária: os geólogos estão errados. Há mais de meio século que tudo aponta para um afastamento entre as duas placas, ou seja, usando a terminologia científica, para uma divergência. Em especial desde Agosto que se observam sinais ainda mais claros, com as fissuras nas relações indo-paquistanesas a alargarem-se de forma alarmante. Os cientistas chamam-lhes de “pontos quentes”. Ora, num subcontinente em ebulição, como o é a Ásia do Sul, qualquer fissura menor pode provocar gigantescas movimentações tectónicas. É portanto de esperar algo de novo nos próximos tempos."
Excerto da coluna "Passagem para a Índia", do número de Novembro da Revista Atlântico (p. 39). Nas bancas desde finais de Outubro.
PONTOS QUENTES
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI
"Permitam-me uma sugestão revolucionária: os geólogos estão errados. Há mais de meio século que tudo aponta para um afastamento entre as duas placas, ou seja, usando a terminologia científica, para uma divergência. Em especial desde Agosto que se observam sinais ainda mais claros, com as fissuras nas relações indo-paquistanesas a alargarem-se de forma alarmante. Os cientistas chamam-lhes de “pontos quentes”. Ora, num subcontinente em ebulição, como o é a Ásia do Sul, qualquer fissura menor pode provocar gigantescas movimentações tectónicas. É portanto de esperar algo de novo nos próximos tempos."
Excerto da coluna "Passagem para a Índia", do número de Novembro da Revista Atlântico (p. 39). Nas bancas desde finais de Outubro.
sábado, 4 de novembro de 2006
Carlos Páscoa na Índia
Numa iniciativa inédita, o deputado social-democrata Carlos Páscoa (eleito pelo círculo eleitoral Fora da Europa) está estes dias de visita oficial à Índia, passando por Deli, Goa, Damão e Diu. Vem no contexto da sua promessa eleitoral de dar atenção especial às comunidades portuguesas e lusófonas tradicionalmente esquecidas pelo poder político luso. Vem atraído pelos supostos seis ou sete mil portugueses que por cá andam, na Índia. O problema será, no entanto, encontrá-los. Andam tão bem escondidos que nem o Governo indiano os encontra.
Mesmo assim, é toda uma questão (a nacionalidade portuguesa na Índia) que mereçe muita atenção e conhecimento por parte dos nossos representantes políticos. E por mais que se quebre a cabeça sobre o assunto, à distância de S. Bento e sem vir conhecer e apalpar e as complexidades rugosas do terreno social, económico e político goês e indiano, nada mudará. A vinda do "senhor deputado" é, poratanto e acima de tudo, uma iniciativa extremamente louvável. Esperemos que resulte em algo de substancial.
Mesmo assim, é toda uma questão (a nacionalidade portuguesa na Índia) que mereçe muita atenção e conhecimento por parte dos nossos representantes políticos. E por mais que se quebre a cabeça sobre o assunto, à distância de S. Bento e sem vir conhecer e apalpar e as complexidades rugosas do terreno social, económico e político goês e indiano, nada mudará. A vinda do "senhor deputado" é, poratanto e acima de tudo, uma iniciativa extremamente louvável. Esperemos que resulte em algo de substancial.
Lusofonia, sessão 6
Hoje de manhá, na Universidade de Deli, mais uma sessão do curso que o João Pedro Faustino (Instituto Camões) e eu coordenamos (ver descrição e programa aqui). Foi sobre "The Lusophone World yesterday and today: countries, communities and institutions (CPLP)" e teve como convidado o Dr. Filipe Honrado, conselheiro económico da Embaixada de Portugal na Índia. A segunda sessão, sobre "Portuguese contemporary society: youth, multiculturalism, culture and values, European integration" tinha contado com o Miguel Costa, o português exilado em Gurgaon, o subúrbio supostamente high-tech de Deli, a trabalhar como analista na Evalueserve.
Hoje foi uma sessão, como sempre, muito concorrida, com mais de quarenta alunos presentes. Como sempre, logo que se abriu a possibilidade, começaram todos a falar em português. Ao contrário do que se poderá achar (ou do que se quer acreditar) no Marquês do Pombal e nas Necessidades, o português está bem vivo por estas bandas. Só não morreu, ainda, porque há um país chamado Brasil.
Hoje foi uma sessão, como sempre, muito concorrida, com mais de quarenta alunos presentes. Como sempre, logo que se abriu a possibilidade, começaram todos a falar em português. Ao contrário do que se poderá achar (ou do que se quer acreditar) no Marquês do Pombal e nas Necessidades, o português está bem vivo por estas bandas. Só não morreu, ainda, porque há um país chamado Brasil.
quinta-feira, 2 de novembro de 2006
Made in Índia
Ainda não me chegou às mãos. Mas, a julgar pelo autor, pelo índice e excertos e pelas críticas e recensões, só posso recomendar vivamente aos que, em Portugal, pretendem saber um pouco mais sobre a Índia. Publicado pelo Centro Atlântico, e traduzido pelo Jorge Nascimento Rodrigues, é uma adaptação da obra "Rising Elephant" para o público europeu - português, neste caso.
É um sinal claro. Finalmente, mesmo que tardiamente, parece haver interesse suficiente sobre a Índia, entre a sociedade, o mundo universitário e os decisores (políticos e económicos) portugueses, para rentabilizar a tradução e o lançamento de uma obra destas. Esperemos que consiga contribuir para um ainda maior alargamento dos nossos limitados horizontes contemporâneos.
Ashutosh Sheshabalaya, o autor, é uma daquelas caras conhecidas no meio indiano globalizado, globetrotter entre os EUA e a Índia, passando pela Europa. Nem que seja por isso (mas também pelo preço - muito acessível para as suculentas 388 páginas), vale a pena ler. À venda nas principais livrarias. Mais informações (excertos, índice, autor etc.).
É um sinal claro. Finalmente, mesmo que tardiamente, parece haver interesse suficiente sobre a Índia, entre a sociedade, o mundo universitário e os decisores (políticos e económicos) portugueses, para rentabilizar a tradução e o lançamento de uma obra destas. Esperemos que consiga contribuir para um ainda maior alargamento dos nossos limitados horizontes contemporâneos.
Ashutosh Sheshabalaya, o autor, é uma daquelas caras conhecidas no meio indiano globalizado, globetrotter entre os EUA e a Índia, passando pela Europa. Nem que seja por isso (mas também pelo preço - muito acessível para as suculentas 388 páginas), vale a pena ler. À venda nas principais livrarias. Mais informações (excertos, índice, autor etc.).
Cuidado com a vaca?
Um texto interessante do Alexandre Coutinho (que por cá andou recentemente), jornalista do Economia do Expresso, no blog Geoscópio de outro colaborador do jornal e amigo (visionário) da China e da Índia (Jorge Nascimento Rodrigues). Exageros à parte (como o "não há condutor de «rickshaw» ... que não tenha um telemóvel"), vale em especial por ser uma pedrada no charco dos que, do conforto da distância, acham que já "perceberam" a Índia.
"Existe, efectivamente, uma Índia que quer voar, alimentada por uma iniciativa privada dinâmica e ambiciosa (ou não fossem os indianos os melhores comerciantes do mundo), confrontada com uma sociedade que funciona a diversas velocidades e onde o conservadorismo, os tabus, o sistema de castas (oficialmente abolido, mas que teima persistir) que impede a progressão social, a resistência a aprendizagem e o baixo nível de educação ainda actuam como fortes travões ao progresso."
"Existe, efectivamente, uma Índia que quer voar, alimentada por uma iniciativa privada dinâmica e ambiciosa (ou não fossem os indianos os melhores comerciantes do mundo), confrontada com uma sociedade que funciona a diversas velocidades e onde o conservadorismo, os tabus, o sistema de castas (oficialmente abolido, mas que teima persistir) que impede a progressão social, a resistência a aprendizagem e o baixo nível de educação ainda actuam como fortes travões ao progresso."
Aldrabando: Bagageira de táxi
É um clássico raro, mas não deixa de acontecer, pelo que ainda oiço de relatos de outros turistas (indianos incluídos). Chega-se ao aeroporto ou à estação de comboio e apanha-se um táxi. Põem-se as malas na bagageira e senta-se, exausto, no banco de trás do carro. A viagem decorre normalmente. Normalmente de mais, começa-se a desconfiar. Então, já à chegada, resolve-se o mistério: como que por milagre, depois de pagar o devido ao taxista, abre-se a bagageira e, tal e qual Houdini, ela está vazia! Nada de malas, nada de nada. E o taxista só abana a cabeça, o seu parco inglês desaparece e passa a fluente hindi surpreendido e o assunto está, muitas vezes, arrumado. Como provar? E, afinal, o quê provar?
A chave está em duas estratégias. Logo à partida, enquanto que já se encontra sentado no carro e o motorista finge tentar fechar a bagageira, o carro é aliviado da sua luxuosa mercadoria, passada para as mãos de um compincha. Sem o perceber, portanto, as malas nunca viajaram consigo. Uma segunda opção é mais sofisticada, mais rara ainda, mas executada com sucesso, pelo menos algumas vezes, em Bombaim: tudo previamente combinado, o compincha aproxima-se por detrás do táxi, enquanto que este aguarda num cruzamento ermo pelo sinal verde, e, o mais silenciosamente possível, retira a mercadoria para a beira da estrada ou para um outro veículo.
A chave está em duas estratégias. Logo à partida, enquanto que já se encontra sentado no carro e o motorista finge tentar fechar a bagageira, o carro é aliviado da sua luxuosa mercadoria, passada para as mãos de um compincha. Sem o perceber, portanto, as malas nunca viajaram consigo. Uma segunda opção é mais sofisticada, mais rara ainda, mas executada com sucesso, pelo menos algumas vezes, em Bombaim: tudo previamente combinado, o compincha aproxima-se por detrás do táxi, enquanto que este aguarda num cruzamento ermo pelo sinal verde, e, o mais silenciosamente possível, retira a mercadoria para a beira da estrada ou para um outro veículo.
quarta-feira, 1 de novembro de 2006
Tyler strikes back
Já vos aqui tinha falado do Tyler Walker Williams, o marxista norte-americano com que partilho o apartamento. Da sua candidatura de sucesso, o ano passado, para representante na sua faculdade (School of Languages), eleito pelo movimento de extrema-esquerda AISA (All India Students' Association).
Ora bem, o homem voltou ao ataque. É este ano candidato a um dos quatro postos principais na Associação de Estudantes (Students' Union), novamente pela AISA. Como já notei anteriormente, são os postos mais concorridos e reputados no meio político-estudantil em toda a Índia. E, tal como as coisas se estão a desenvolver, está tudo encaminhado para que ele ganhe, mesmo contra os partidos maiores como a SFI (Students Federation of India), a NSUI (National Students Union of India) e o ABVP (nacionalistas hindus).
A decisão não foi fácil. Candidatar-se a um posto destes, ainda por cima com o risco de ganhar, é um risco enorme e significa dedicar um ano inteiro à política estudantil, deixando a vida pessoal e os estudos para segundo plano (se é que chega aí) e comprometer seriamente a saúde, física e mental. Depois deste primeiro ano de experiência nessas lides, o Tyler prometia em alta avoz, a nós cá em casa e talvez mesmo a Nossa Senhora, que nunca mais se iria meter nisto. Ora, de repente, as coisas mudaram.
O Tyler tentou tudo. Explicou ao partido que também tem uma vida pessoal, objectivos académicos e profissionais (afinal, está a fazer o mestrado... em hindi, na Índia!) e que não estava disposto a concorrer. Mas partidos como a AISA sabem melhor. Enquanto que ele se refugiava cá em casa, já passava da meia-noite e já o telemóvel dele tinha tocado incessantemente por dezenas de vezes (e ele limitava-se a escondê-lo por debaixo da almofada), tocam-nos à campainha. À porta, três sujeitos do "comité central". Como que prontos para levar o Tyler para a Sibéria, para o Gulag. Fechavam-se depois no quarto dele, com ele, e saíam de lá sorridentes e o Tyler exausto, desiludido.
Finalmente, no último dia de candidaturas, lá o convenceram. Como ele próprio, antevendo a pressão, tinha entregue o seu cartão de estudante aos serviços administrativos (é documento necessário para a candidatura), foram, ainda não eram sete da manhã de Sábado, bater à porta da casa de um dos funcionários da universidade, pedindo-o de volta. às 13:00 Tyler era candidato oficial para o posto de Vice-Presidente. Às 02:30 voltava a casa, mais exausto do que nunca.
Mas, com o início da campanha, lentamente, o estado febril da política começa a correr-lhe pelas veias. Hoje já voltou mais animado para casa. De repente, esqueceu-se da investigação para o mestrado, das dificuldades financeiras que irá ter (por deixar de poder dar aulas de explicações) e mesmo da namorada, doutoranda em Harvard. Amanhá deixaremos de o ver. Durante os dez dias de campanha, pega numa pequena mochila, sai aqui de casa e vai viver para o quartel-general da AISA, um pequeno quarto numa das residenciais em que deverá dormir pouco mais do que duas ou três horas por dia, em média.
É curioso, abrir, ao pequeno-almoço, os jornais do dia e ver lá títulos como "American contests in JNU", textos e fotografias de quartos- e oitavos-de-página de quem ainda está a dormir, no quarto ao lado, de ressaca de mais uma noite de campanha eleitoral. A questão é polémica, claro: afinal, a liderança do Partido do Congresso por Sonia Gandhi, "a italiana", deixou marcas. Para além do Hindustan Times e do Times of India (artigos sem ligação), recomendo estes excertos, para terem uma ideia do que se passa nesta casa.
Apart from new parties on campus, these elections will also see a foreign student in the race for the post of vice-president. Tyler Walker Williams will be the candidate of the AISA. While it is not his first elections on campus, he is contesting for a place on the central panel for the first time. (The Hindu)
"Student factions need to be more autonomous, they should not receive funding, but can share ideology. At the end of the day they should be able to question their party, otherwise they would end up as agents," offers Tyler Walker Williams, a US national who is a counsellor at the School of Languages, Literature and Cultural Studies at Jawaharlal Nehru University (JNU). (Tribune India)
Ora bem, o homem voltou ao ataque. É este ano candidato a um dos quatro postos principais na Associação de Estudantes (Students' Union), novamente pela AISA. Como já notei anteriormente, são os postos mais concorridos e reputados no meio político-estudantil em toda a Índia. E, tal como as coisas se estão a desenvolver, está tudo encaminhado para que ele ganhe, mesmo contra os partidos maiores como a SFI (Students Federation of India), a NSUI (National Students Union of India) e o ABVP (nacionalistas hindus).
A decisão não foi fácil. Candidatar-se a um posto destes, ainda por cima com o risco de ganhar, é um risco enorme e significa dedicar um ano inteiro à política estudantil, deixando a vida pessoal e os estudos para segundo plano (se é que chega aí) e comprometer seriamente a saúde, física e mental. Depois deste primeiro ano de experiência nessas lides, o Tyler prometia em alta avoz, a nós cá em casa e talvez mesmo a Nossa Senhora, que nunca mais se iria meter nisto. Ora, de repente, as coisas mudaram.
O Tyler tentou tudo. Explicou ao partido que também tem uma vida pessoal, objectivos académicos e profissionais (afinal, está a fazer o mestrado... em hindi, na Índia!) e que não estava disposto a concorrer. Mas partidos como a AISA sabem melhor. Enquanto que ele se refugiava cá em casa, já passava da meia-noite e já o telemóvel dele tinha tocado incessantemente por dezenas de vezes (e ele limitava-se a escondê-lo por debaixo da almofada), tocam-nos à campainha. À porta, três sujeitos do "comité central". Como que prontos para levar o Tyler para a Sibéria, para o Gulag. Fechavam-se depois no quarto dele, com ele, e saíam de lá sorridentes e o Tyler exausto, desiludido.
Finalmente, no último dia de candidaturas, lá o convenceram. Como ele próprio, antevendo a pressão, tinha entregue o seu cartão de estudante aos serviços administrativos (é documento necessário para a candidatura), foram, ainda não eram sete da manhã de Sábado, bater à porta da casa de um dos funcionários da universidade, pedindo-o de volta. às 13:00 Tyler era candidato oficial para o posto de Vice-Presidente. Às 02:30 voltava a casa, mais exausto do que nunca.
Mas, com o início da campanha, lentamente, o estado febril da política começa a correr-lhe pelas veias. Hoje já voltou mais animado para casa. De repente, esqueceu-se da investigação para o mestrado, das dificuldades financeiras que irá ter (por deixar de poder dar aulas de explicações) e mesmo da namorada, doutoranda em Harvard. Amanhá deixaremos de o ver. Durante os dez dias de campanha, pega numa pequena mochila, sai aqui de casa e vai viver para o quartel-general da AISA, um pequeno quarto numa das residenciais em que deverá dormir pouco mais do que duas ou três horas por dia, em média.
É curioso, abrir, ao pequeno-almoço, os jornais do dia e ver lá títulos como "American contests in JNU", textos e fotografias de quartos- e oitavos-de-página de quem ainda está a dormir, no quarto ao lado, de ressaca de mais uma noite de campanha eleitoral. A questão é polémica, claro: afinal, a liderança do Partido do Congresso por Sonia Gandhi, "a italiana", deixou marcas. Para além do Hindustan Times e do Times of India (artigos sem ligação), recomendo estes excertos, para terem uma ideia do que se passa nesta casa.
Apart from new parties on campus, these elections will also see a foreign student in the race for the post of vice-president. Tyler Walker Williams will be the candidate of the AISA. While it is not his first elections on campus, he is contesting for a place on the central panel for the first time. (The Hindu)
"Student factions need to be more autonomous, they should not receive funding, but can share ideology. At the end of the day they should be able to question their party, otherwise they would end up as agents," offers Tyler Walker Williams, a US national who is a counsellor at the School of Languages, Literature and Cultural Studies at Jawaharlal Nehru University (JNU). (Tribune India)
Demissões suecas e indianas
Sobre a demissão de duas ministras suecas, este mês (ênfase minha):
Tolgfors, 40, replaces Maria Borelius, who stepped down on Oct. 14 after media reported that she had paid a nanny under the table during the 1990s. Adelsohn Liljeroth, 50, takes over from Cecilia Stego Chilo, who resigned Oct. 16 as culture minister amid intense media pressure over her failure to pay a mandatory TV license fee for 16 years.
Parece-me muito provável que, aplicando hoje estes critérios ao Governo de Nova Deli, amanhã de manhã o Cabinet meeting (Conselho de Ministros) realizar-se-ia sem um único ministro presente.
Tolgfors, 40, replaces Maria Borelius, who stepped down on Oct. 14 after media reported that she had paid a nanny under the table during the 1990s. Adelsohn Liljeroth, 50, takes over from Cecilia Stego Chilo, who resigned Oct. 16 as culture minister amid intense media pressure over her failure to pay a mandatory TV license fee for 16 years.
Parece-me muito provável que, aplicando hoje estes critérios ao Governo de Nova Deli, amanhã de manhã o Cabinet meeting (Conselho de Ministros) realizar-se-ia sem um único ministro presente.
domingo, 29 de outubro de 2006
Chhath
Há três dias que acordo antes das seis da manhã, sempre que passa uma procissão hindu por debaixo da minha janela. Hoje, Domingo, foi ainda mais barulhento, mas um pouco mais tarde, pelas sete da manhã, com trombones, trompetes e tambores: é o culminar do festival "Chhath", em que, especialmente no Norte da Índia em estados como o de Biar e de Utar Pradexe, os crentes celebram o Sol como divindade. Já agora: Aceitam-se sugestões para a transcrição de "Chhath" para o português, na série "Redescobrindo". Chato, não é?
Redescobrindo: Dálitas
Ora cá me enfrentei com mais uma dificuldade ao escrever um artigo para o Expresso sobre o fenómeno da "intocabilidade" na Índia. Dúvida: como é que me vou referir aos excluídos do sistema de castas indiano? Chamados pelos britânicos de “intocáveis”, por Gandhi de “harijans” (filhos de Deus) e por Ambedkar de “dalits” (oprimidos), a designação oficial é “scheduled castes” (castas recenseadas).
Nem o Livro de Estilo do Público, nem as pesquisas do Google me puderam ajudar. Por duas razões, mais uma vez demonstradoras da falta de conhecimento português sobre a Índia. Primeiro, há pouca coisa escrita sobre a sociedade indiana. Há a Rosa Maria Perez, do ISCTE, mas que se tem concentrado mais sobre as populações tribais. Os poucos novos investigadores portugueses que por cá andam tendem a limitar-se a Goa, onde os "dalits" não fazem parte da agenda política e, quando presentes na sociedade, são conhecidos por outros nomes. Segundo, nas raras ocasiões em que algum jornal noticia o assunto, limita-se a descrevê-los como "intocáveis" ou, num facilitismo primário que já tantas vezes critiquei aqui, transcreve o "dalits" do inglês e utiliza-o assim, com ou sem aspas!
O conceito de "intocável" estava fora de questão, porque os próprios recusam esse termo e acham-no derrogatório. Ninguém o usa, aliás, na Índia. Nem a imprensa estrangeira de qualidade. Portanto, não querendo polvilhar o meu texto com aspas, nem querendo enclausurar o conceito central do texto numas ambíguas aspas, restou-me inovar e trasncrever o "dalit/s" para um português "dálitas".
"Ah e tal, mas nós sempre usamos intocáveis e se usares dálitas ninguém compreende" diz-me um amigo. "Ah e tal não", respondo. Estou farto desses "Ahs e táis". Se a história não nos apresenta termos adequados, então há que inovar, e não sucumbir ao facilitismo das aspas e a estrangeirismos não-esclarecidos. Arrisquei e inovei, transcrevendo, de acordo com a fonética do vernacular indiano e uso anglófono: o dálita, os dálitas (e.g.: o movimento dálita, a mulher dálita, os movimentos dálitas, as dálitas convertidas).
Para quem acompanha esta série já foi avisado: estes são exercícios de redescoberta de nomenclatura e conceitos indianos. Servem, portanto, para um debate alargado em que espero ler mais (e, se justificado, outras) opiniões.
Nem o Livro de Estilo do Público, nem as pesquisas do Google me puderam ajudar. Por duas razões, mais uma vez demonstradoras da falta de conhecimento português sobre a Índia. Primeiro, há pouca coisa escrita sobre a sociedade indiana. Há a Rosa Maria Perez, do ISCTE, mas que se tem concentrado mais sobre as populações tribais. Os poucos novos investigadores portugueses que por cá andam tendem a limitar-se a Goa, onde os "dalits" não fazem parte da agenda política e, quando presentes na sociedade, são conhecidos por outros nomes. Segundo, nas raras ocasiões em que algum jornal noticia o assunto, limita-se a descrevê-los como "intocáveis" ou, num facilitismo primário que já tantas vezes critiquei aqui, transcreve o "dalits" do inglês e utiliza-o assim, com ou sem aspas!
O conceito de "intocável" estava fora de questão, porque os próprios recusam esse termo e acham-no derrogatório. Ninguém o usa, aliás, na Índia. Nem a imprensa estrangeira de qualidade. Portanto, não querendo polvilhar o meu texto com aspas, nem querendo enclausurar o conceito central do texto numas ambíguas aspas, restou-me inovar e trasncrever o "dalit/s" para um português "dálitas".
"Ah e tal, mas nós sempre usamos intocáveis e se usares dálitas ninguém compreende" diz-me um amigo. "Ah e tal não", respondo. Estou farto desses "Ahs e táis". Se a história não nos apresenta termos adequados, então há que inovar, e não sucumbir ao facilitismo das aspas e a estrangeirismos não-esclarecidos. Arrisquei e inovei, transcrevendo, de acordo com a fonética do vernacular indiano e uso anglófono: o dálita, os dálitas (e.g.: o movimento dálita, a mulher dálita, os movimentos dálitas, as dálitas convertidas).
Para quem acompanha esta série já foi avisado: estes são exercícios de redescoberta de nomenclatura e conceitos indianos. Servem, portanto, para um debate alargado em que espero ler mais (e, se justificado, outras) opiniões.
Conversões em massa entre os ‘intocáveis’ (Expresso)
Como resumir em menos de uma página uma questão tão complexa como o sistema de castas hindu, o martírio dos seus excluídos dálitas ("intocáveis") e a actual polémica das coversões na Índia? E tudo isto, para leitores de um semanário no país com a mais baixa taxa de leitura de jornais na Europa e em que a maioria confunde a religião (hindu) com a língua (hindi) é terá dificuldades em apontar a capital do país em questão. Mas, afinal, o que interessa é trazer a Índia e a sua actualidade para a agenda portuguesa. Nota: a frase introdutória (de autoria editorial) afirma obviamente uma inverdade: os dálitas não são a "mais baixa das castas indianas", porque estão *fora* do sistema de castas.
Expresso, 22 de Outubro 2006
Conversões em massa entre os ‘intocáveis’
Os dálitas, ou ‘intocáveis’, a mais baixa das castas indianas, estão a abandonar o hinduísmo para se converterem ao cristianismo e ao budismo
Por toda a Índia, milhões de ‘intocáveis’ celebram este mês o 50º aniversário da conversão do seu falecido líder histórico, o jurista B. R. Ambedkar, ao budismo. Marginalizados há séculos pela hierarquia hindu, procuram afirmação política e social convertendo-se em massa a outras religiões - cristianismo e budismo - provocando a ira dos nacionalistas hindus.
Especialmente no mundo rural, são frequentes os casos em que os dálitas (como preferem ser chamados) são impedidos de aceder a poços de água comuns, proibidos de entrar em espaços públicos e assassinados por casarem com parceiros de castas superiores. Segundo a tradição hindu, as castas evoluíram a partir do corpo divino - os sacerdotes brâmanes da cabeça, os guerreiros xátrias dos braços, os comerciantes vaixás das coxas e, finalmente, os trabalhadores sudras dos pés. Só os ‘intocáveis’ ficaram de fora, impedidos de aspirar à reincarnação.
Mas com a independência e a adopção de um sistema democrático, em 1947, centenas de milhares de dálitas optaram pela conversão. O movimento ganhou novo vigor nos últimos anos e, no sábado passado, converteram-se mais de dois mil ao budismo e ao cristianismo na cidade de Nagpur, no centro do país.
O encontro realizou-se sob fortes medidas de segurança, porque as conversões são condenadas pelos nacionalistas hindus, cujas organizações mais radicais acusam os líderes dálitas, missionários cristãos e monges budistas de interesses dúbios. Nos Estados onde o partido nacionalista do Bharatiya Janata Party forma governo (Rajastão, Guzerate e Madia Pradexe), já foram adoptadas leis que proíbem ou limitam as conversões, impondo, por exemplo, autorização policial prévia.
A Igreja Católica, com uma extensa rede de educação e de apoio social no país, já fez ouvir o seu protesto. Para Henry D’Souza, da Conferência Episcopal Católica da Índia, as conversões são “um sinal positivo de que os dálitas se estão a afirmar, abraçando o direito fundamental da liberdade religiosa num país laico e democrático”. Ao Expresso, o padre recordou que religiosos católicos têm sido alvo de diversos ataques e perseguições, mas afirmam que “nada nos poderá demover de realizar a nossa responsabilidade para com os dálitas”.
correspondente em Nova Deli
Constantino Xavier
OS FACTOS
- Os dálitas (ou intocáveis) são 167 milhões, cerca de 16% da população indiana
- A maioria (60%) vive em cinco dos 29 Estados da Índia
- Vivem de actividades consideradas ‘impuras’, como a recolha do lixo, limpeza de latrinas, abate de animais e transporte de cadáveres
- O seu líder histórico, B.R. Ambedkar, doutorou-se em 1916 pela Universidade de Columbia (EUA) e é considerado o ‘arquitecto’ da Constituição Indiana
- A Constituição concede-lhes uma quota de 15% na administração pública, educação e em todas as eleições
TRÊS PERGUNTAS A
Udit Raj, presidente do Partido Indiano da Justiça
P Por que é que os dálitas se estão a converter?
R Queremos libertar-nos da discriminação imposta pelo sistema de castas. Abandonar o hinduísmo representa a libertação de um sistema que nos sufoca. A conversão é a via mais importante para atingirmos o desenvolvimento sócio-económico.
P Quais as vantagens do budismo e do cristianismo?
R Os dálitas são livres de escolher e exprimir as suas preferências religiosas. Mas o objectivo final é escapar ao estigma da intocabilidade e ser aceite numa comunidade que não nos discrimina por causa do nosso estatuto social e profissional. Ao contrário do hinduísmo, o budismo e o cristianismo oferecem-nos condições de afirmação e libertação.
P Há possibilidade de reforma interna ao hinduísmo?
R Ambedkar, o líder histórico dos dálitas, acreditou em reformas pela via constitucional e legal, mas sem sucesso. Hoje, é óbvio que a maioria dos hindus nunca soube respeitar e compreender as reivindicações das secções mais desfavorecidas e exploradas. Não aprenderam a lição e estão a pagar um preço por isso. O nosso movimento é sobretudo social e, por isso, é natural que tenha impacto político e afecte os principais partidos.
Expresso, 22 de Outubro 2006
Conversões em massa entre os ‘intocáveis’
Os dálitas, ou ‘intocáveis’, a mais baixa das castas indianas, estão a abandonar o hinduísmo para se converterem ao cristianismo e ao budismo
Por toda a Índia, milhões de ‘intocáveis’ celebram este mês o 50º aniversário da conversão do seu falecido líder histórico, o jurista B. R. Ambedkar, ao budismo. Marginalizados há séculos pela hierarquia hindu, procuram afirmação política e social convertendo-se em massa a outras religiões - cristianismo e budismo - provocando a ira dos nacionalistas hindus.
Especialmente no mundo rural, são frequentes os casos em que os dálitas (como preferem ser chamados) são impedidos de aceder a poços de água comuns, proibidos de entrar em espaços públicos e assassinados por casarem com parceiros de castas superiores. Segundo a tradição hindu, as castas evoluíram a partir do corpo divino - os sacerdotes brâmanes da cabeça, os guerreiros xátrias dos braços, os comerciantes vaixás das coxas e, finalmente, os trabalhadores sudras dos pés. Só os ‘intocáveis’ ficaram de fora, impedidos de aspirar à reincarnação.
Mas com a independência e a adopção de um sistema democrático, em 1947, centenas de milhares de dálitas optaram pela conversão. O movimento ganhou novo vigor nos últimos anos e, no sábado passado, converteram-se mais de dois mil ao budismo e ao cristianismo na cidade de Nagpur, no centro do país.
O encontro realizou-se sob fortes medidas de segurança, porque as conversões são condenadas pelos nacionalistas hindus, cujas organizações mais radicais acusam os líderes dálitas, missionários cristãos e monges budistas de interesses dúbios. Nos Estados onde o partido nacionalista do Bharatiya Janata Party forma governo (Rajastão, Guzerate e Madia Pradexe), já foram adoptadas leis que proíbem ou limitam as conversões, impondo, por exemplo, autorização policial prévia.
A Igreja Católica, com uma extensa rede de educação e de apoio social no país, já fez ouvir o seu protesto. Para Henry D’Souza, da Conferência Episcopal Católica da Índia, as conversões são “um sinal positivo de que os dálitas se estão a afirmar, abraçando o direito fundamental da liberdade religiosa num país laico e democrático”. Ao Expresso, o padre recordou que religiosos católicos têm sido alvo de diversos ataques e perseguições, mas afirmam que “nada nos poderá demover de realizar a nossa responsabilidade para com os dálitas”.
correspondente em Nova Deli
Constantino Xavier
OS FACTOS
- Os dálitas (ou intocáveis) são 167 milhões, cerca de 16% da população indiana
- A maioria (60%) vive em cinco dos 29 Estados da Índia
- Vivem de actividades consideradas ‘impuras’, como a recolha do lixo, limpeza de latrinas, abate de animais e transporte de cadáveres
- O seu líder histórico, B.R. Ambedkar, doutorou-se em 1916 pela Universidade de Columbia (EUA) e é considerado o ‘arquitecto’ da Constituição Indiana
- A Constituição concede-lhes uma quota de 15% na administração pública, educação e em todas as eleições
TRÊS PERGUNTAS A
Udit Raj, presidente do Partido Indiano da Justiça
P Por que é que os dálitas se estão a converter?
R Queremos libertar-nos da discriminação imposta pelo sistema de castas. Abandonar o hinduísmo representa a libertação de um sistema que nos sufoca. A conversão é a via mais importante para atingirmos o desenvolvimento sócio-económico.
P Quais as vantagens do budismo e do cristianismo?
R Os dálitas são livres de escolher e exprimir as suas preferências religiosas. Mas o objectivo final é escapar ao estigma da intocabilidade e ser aceite numa comunidade que não nos discrimina por causa do nosso estatuto social e profissional. Ao contrário do hinduísmo, o budismo e o cristianismo oferecem-nos condições de afirmação e libertação.
P Há possibilidade de reforma interna ao hinduísmo?
R Ambedkar, o líder histórico dos dálitas, acreditou em reformas pela via constitucional e legal, mas sem sucesso. Hoje, é óbvio que a maioria dos hindus nunca soube respeitar e compreender as reivindicações das secções mais desfavorecidas e exploradas. Não aprenderam a lição e estão a pagar um preço por isso. O nosso movimento é sobretudo social e, por isso, é natural que tenha impacto político e afecte os principais partidos.
terça-feira, 24 de outubro de 2006
Fila indiana
Festa de anos, ontem, de uma amiga, numa sala algures no campus. Uma dezena e meia de amigos, a maioria dos quais íntimos, um pouco de música e bebida. Alguns dançam, outros conversam. Ligo a televisão e vejo um pouco de O Senhor dos Anéis.
Um primo de um amigo qualquer aproxima-se e lança, sarcasticamente, sorrindo: "Então, estás a querer dar cabo da festa?". Aliado aos insistentes, coercivos e mesmo fisicamente violentos pedidos para os não-dançantes se juntarem aos dançantes, é um típico sintoma do comunitarismo indiano: a individualidade, a liberdade de escolha e a singularidade pessoal são simplesmente inexistentes.
Não é novidade para mim. Nos serões festivos nos palacetes indo-portugueses de Goa não era muito diferente. Menor ainda, envergonhado pela minha ignorância dançante tão típica de um diaspórico desenraízado, era alvo dos piores arrastões para o meio da pista dançante, seja pela avó ou por uma prima qualquer. "Mas eu não sei dançar!", exclamava, desconhecendo ainda estratégias retóricas mais sofisticadas a que recorro hoje ("não me apetece"). Não interessava. O que interessava era forçar a ovelha preta para dentro do rebanho.
Resumo da discussão que depois se prolongou, noite dentro, cá por casa: por um lado, é um aspecto positivo. Em vez de excluir e discriminar o "outro", os esforços são dirigidos á sua inclusão e assimilação. É também uma medida de compaixão: estender a mão ao que tem dificuldades em se integrar na corrente maioritária.
Mas, por outro lado, o espírito de inclusão e de compaixão transformam-se rapidamente em manobras comunitaristas visando a homogenização e rendição forçada do outro. É a recusa da diferença e da liberdade individual de escolha. Nela, a maioria vê uma dissidência e uma afronta à sua base de legitimação: quem está a ver televisão está conscientemente a provocar a erosão da legitimidade da comunidade homogénea dos dançantes.
É um sentimento intrínseco à maioria dos indianos. Muitos argumentam o contrário e celebram a pluralidade e a liberdade individual, bem como cultura de argumentação, que permeiam a sociedade indiana. Talvez haja elementos que o justifiquem. Mas nada de absolutos, por favor. Para quem anda por cá, nem que por uns poucos dias, observa imediatamente que esta é, acima de tudo, uma sociedade organizada à volta de princípios axiomáticos de tons extremamente dogmáticos, em que as verdades são para ser seguidas e executadas em... fila indiana.
Um primo de um amigo qualquer aproxima-se e lança, sarcasticamente, sorrindo: "Então, estás a querer dar cabo da festa?". Aliado aos insistentes, coercivos e mesmo fisicamente violentos pedidos para os não-dançantes se juntarem aos dançantes, é um típico sintoma do comunitarismo indiano: a individualidade, a liberdade de escolha e a singularidade pessoal são simplesmente inexistentes.
Não é novidade para mim. Nos serões festivos nos palacetes indo-portugueses de Goa não era muito diferente. Menor ainda, envergonhado pela minha ignorância dançante tão típica de um diaspórico desenraízado, era alvo dos piores arrastões para o meio da pista dançante, seja pela avó ou por uma prima qualquer. "Mas eu não sei dançar!", exclamava, desconhecendo ainda estratégias retóricas mais sofisticadas a que recorro hoje ("não me apetece"). Não interessava. O que interessava era forçar a ovelha preta para dentro do rebanho.
Resumo da discussão que depois se prolongou, noite dentro, cá por casa: por um lado, é um aspecto positivo. Em vez de excluir e discriminar o "outro", os esforços são dirigidos á sua inclusão e assimilação. É também uma medida de compaixão: estender a mão ao que tem dificuldades em se integrar na corrente maioritária.
Mas, por outro lado, o espírito de inclusão e de compaixão transformam-se rapidamente em manobras comunitaristas visando a homogenização e rendição forçada do outro. É a recusa da diferença e da liberdade individual de escolha. Nela, a maioria vê uma dissidência e uma afronta à sua base de legitimação: quem está a ver televisão está conscientemente a provocar a erosão da legitimidade da comunidade homogénea dos dançantes.
É um sentimento intrínseco à maioria dos indianos. Muitos argumentam o contrário e celebram a pluralidade e a liberdade individual, bem como cultura de argumentação, que permeiam a sociedade indiana. Talvez haja elementos que o justifiquem. Mas nada de absolutos, por favor. Para quem anda por cá, nem que por uns poucos dias, observa imediatamente que esta é, acima de tudo, uma sociedade organizada à volta de princípios axiomáticos de tons extremamente dogmáticos, em que as verdades são para ser seguidas e executadas em... fila indiana.
segunda-feira, 23 de outubro de 2006
sábado, 21 de outubro de 2006
Divali na Casa Branca
Um gesto simpático e pluralista, ou mais um passo em direcção ao meramente estético e politicamente correcto, agora do outro lado do Atlântico? Para mim, a perspectiva mais interessante é a diaspórica: é provável que os indianos estejam mais enraízados na Casa Branca do que qualquer outra comunidade imigrante, judeus à parte. Ainda por cima, o artigo não refere nenhuma celebração do Ano Novo Chinês, ou outra data auspiciosa para os chineses.
WASHINGTON: The White House celebrated Diwali, the Indian festival of lights, with more than 150 guests attending, among them many prominent members of the Indian American community. In his special message to the Indian community, President George W. Bush said: "Every year during Diwali, Hindus remember their many blessings and celebrate their hope for a brighter future. The festival of lights demonstrates the rich history and traditions of the Hindu faith as friends and family come together in a spirit of love and joy. "This celebration unites people around the world in goodwill and reminds us of the many cultures that enrich our nation."
WASHINGTON: The White House celebrated Diwali, the Indian festival of lights, with more than 150 guests attending, among them many prominent members of the Indian American community. In his special message to the Indian community, President George W. Bush said: "Every year during Diwali, Hindus remember their many blessings and celebrate their hope for a brighter future. The festival of lights demonstrates the rich history and traditions of the Hindu faith as friends and family come together in a spirit of love and joy. "This celebration unites people around the world in goodwill and reminds us of the many cultures that enrich our nation."
Divali
É o meu terceiro Divali em terras indianas. O festival hindu das luzes, como é conhecido, celebra a mitologia do regresso do príncipe (e deus) Rama à cidade de Aiôdia (Ayodhya), hoje no Utar Pradexe, depois de derrotar o demónio Ravana e libertar a princesa Sita das suas garras. A longa batalha realiza-se no Sri Lanka, e Rama conta com a ajuda de Hanuman e o seu exército de macacos. Astuto, Rama anunciou que o Mal só poderia voltar à superfície no dia em que se celebra o Divali. Nunca, portanto. É que o feriado é símbolo religioso de luz e barulho, com muitas velas à volta de cada casa, não vá o demónio entrar por uma janela ou porta mais escura. Muito barulho, aliás. O Divali tornou-se, acima de tudo, numa orgia pirotécnica. Começa dias antes e prolonga-se por toda a próxima semana, mas o pico é esta noite. Do mais pequeno aos gigantescos e ensurdecedores petardos e foguetes, vale tudo, a qualquer hora do dia ou da noite.
Se o barulho me põe um pouco nervoso, já o espírito do Divali é, simplesmente, avassalador. Conquista tudo e todos. Para quem está tanto tempo longe de terras cristãs, não há comparação melhor do que o espírito natalício. Para bem, com as famílias em reunião e a troca de presentes, para além do êxtase de cores, sons e movimentos que conquistam e transformam a cidade. Para mal, com o trânsito mais caótico do que nunca, os estabelecimentos comerciais inundados e um consumismo em massa (Deli tem doze milhões de habitantes!) tão desenfreado que assustaria e surpeenderia até o mais liberal economista ocidental.
Se o barulho me põe um pouco nervoso, já o espírito do Divali é, simplesmente, avassalador. Conquista tudo e todos. Para quem está tanto tempo longe de terras cristãs, não há comparação melhor do que o espírito natalício. Para bem, com as famílias em reunião e a troca de presentes, para além do êxtase de cores, sons e movimentos que conquistam e transformam a cidade. Para mal, com o trânsito mais caótico do que nunca, os estabelecimentos comerciais inundados e um consumismo em massa (Deli tem doze milhões de habitantes!) tão desenfreado que assustaria e surpeenderia até o mais liberal economista ocidental.
Alívio climático
Chegou o dia mais apreciado do ano, para quem vive em Deli. O calor abandonou a cidade e chegou o frio. Parece simplista, mas não é. Há um momento x, claramente definível, em que os dois parecem chegar a acordo. De repente, de um dia para o outro, as ventoínhas páram, as janelas permanecem fechadas, os mosquitos desaparecem e passa-se a dormir melhor.
Ao terceiro ano na cidade, passou a ser um momento de celebração ritual para mim também: retirar as camisolas e os cobertores que, envegonhados e poeirentos, permanecem escondidos na profundidade dos armários. A tremenda amplitude e choque que marcam o clime de Deli ficam, aliás, melhor expressos pelo minha própria reacção, quando, no pico do verão, me deparo com as lãs e luvas amontoadas: incrédulo e anestesiado pelo ardente calor e humidade, recuso-me a aceitar que jamais o clima desta cidade poderá exigir de mim o uso daquelas pesadas peças vestuárias. Poucos meses depois, passa-se o oposto: tremendo de frio e agachado à frente do aquecedor, deparo-me com a enorme quantidade de t-shirts, sandálias e calções avolumados no mesmo armário e recuso aceitar que jamais o clima desta cidade poderá exigir de mim tanta leveza e frescura de vestimentos.
Ao terceiro ano na cidade, passou a ser um momento de celebração ritual para mim também: retirar as camisolas e os cobertores que, envegonhados e poeirentos, permanecem escondidos na profundidade dos armários. A tremenda amplitude e choque que marcam o clime de Deli ficam, aliás, melhor expressos pelo minha própria reacção, quando, no pico do verão, me deparo com as lãs e luvas amontoadas: incrédulo e anestesiado pelo ardente calor e humidade, recuso-me a aceitar que jamais o clima desta cidade poderá exigir de mim o uso daquelas pesadas peças vestuárias. Poucos meses depois, passa-se o oposto: tremendo de frio e agachado à frente do aquecedor, deparo-me com a enorme quantidade de t-shirts, sandálias e calções avolumados no mesmo armário e recuso aceitar que jamais o clima desta cidade poderá exigir de mim tanta leveza e frescura de vestimentos.
Imagens de Deli: Coronation Memorial
Jovens jogadores de críquete em frente ao Coronation Memorial, que marca o local da cerimónia de coroação do rei Jorge V e da raínha Maria, em Dezembro de 1911, perante uma gigantesca audiência da nobreza indiana. Ficou conhecido como Delhi Durbar e não é por acaso que a inscrição no monumento só está em inglês e urdu (escrita árabe): procurando nova legitimação perante os autóctones colonizados, a coroa britânica passou a simbolizar o poder real dos móguis também, construindo o seu poder e a sua legitimidade sobre as ruínas das dinastias islâmicas da Índia que derrotaram em finais do século XIX. O fenómeno também teve expressão geográfica, sendo que durante a cerimónia foi também anunciada a transferência da capital da Índia Britânica de Calcutá para Deli.
segunda-feira, 16 de outubro de 2006
Aldrabando: Notas velhas
É a estratégia primária da aldrabagem na Índia: tentar ver-se livre de notas velhas, cortadas, rasuradas, pintadas e desfeitas. A táctica é simples: fazer de conta que nos estão a fazer um favor, dando muitas notas pequenas para nos munirem de troco, mas, escondida no meio, está a tal ovelha negra, toda esburacada por agrafos, com um canto cortado ou tão velha que nem Akbar ou D. Francisco de Almeida a aceitariam. Solução: um zoom óptico a todas as notas e depois virá-las a contrário e repetir o zoom. Caso seja tarde de mais, e já se esteja longe de mais para a devolver, ir a um banco e pedir que a troquem (insistir!).
Vamos a um estudo de caso, que não é necessariamente uma aldraagem, mas uma variante interessante: A conta no restaurante é de 90 Rupias. Entrego uma nota de cem. O que é que o empregado faz: nos bastidores, pede ao patrão que lhe dê a nota de 10 Rupias mais velha e ranhosa que está na caixa. Entrega-me o troco (a tal nota de 10) e o recibo com um respeitoso 'obrigado' e um sorriso. Ele sabe: não quero ter aquela nota, mas, caso tenha planeado não lhe dar gorjeta, agora também não terei coragem para lhe pedir que a substitua. Portanto, acaba de fazer 10 Rupias que, por mais esburacadas que sejam, se juntarão às centenas que deve guardar na sua meia, por debaixo da cama, à espera do dia D em que vão de excursão ao banco.
Vamos a um estudo de caso, que não é necessariamente uma aldraagem, mas uma variante interessante: A conta no restaurante é de 90 Rupias. Entrego uma nota de cem. O que é que o empregado faz: nos bastidores, pede ao patrão que lhe dê a nota de 10 Rupias mais velha e ranhosa que está na caixa. Entrega-me o troco (a tal nota de 10) e o recibo com um respeitoso 'obrigado' e um sorriso. Ele sabe: não quero ter aquela nota, mas, caso tenha planeado não lhe dar gorjeta, agora também não terei coragem para lhe pedir que a substitua. Portanto, acaba de fazer 10 Rupias que, por mais esburacadas que sejam, se juntarão às centenas que deve guardar na sua meia, por debaixo da cama, à espera do dia D em que vão de excursão ao banco.
Aldrabando (intro)
Depois da série "Redescobrindo" em que procuro discutir criticamente a transcrição de localidades e de conceitos indianos para o português (embora me tenha ficado pelo "Nova Deli") e depois da série "Imagens de Deli" em que partilho fotografias da Índia e redondezas, vem aí uma nova série, dedicada ao tema preferido dos turistas na Índia: as 1001 formas de ser aldrabado, enganado e intrujado por estas bandas, "Aldrabando". Serve de curiosidade, mas também de pedagogia a quem por aqui anda ou vier a andar.
Vêm aí as eleições
É o momento alto do ano universitário: as eleições para a Associação de Estudantes (Students' Union, JNUSU) da minha universidade. É também, por mais incrível que possa parecer para ocidentais, um dos momentos altos da "maior democracia do mundo", um dos momentos políticos anuais mais relevantes da Índia.
Já aqui muito escrevi sobre o fenómeno, um dos mais emocionantes e fascinantes que eu jamais testemunhei. Talvez o exemplo mais simbólico é o facto de um ex-presidente da JNUSU (1994-95), Chandrashekhar Prasad, ter sido assassinado em campanha política no estado de Bihar. Tenho sempre a sensação que as eleições (e a vida política na universidade, em geral) são um proceso simplesmente indescritível e que é preciso estar cá para o viver e compreender. Mas esta reportagem, de um ex-colega meu norte-americano, é uma excelente descrição para quem quer ter uma ideia mais próxima, mesmo que distante.
On election day, the maroon tent from the presidential debate reappears on the School of International Studies lawn. In the evening, inside the building, the election committee counts votes while, outside, close to 1000 students gather after hostel messes close at nine to feast on snacks from ‘transplanted’ dhabas. They congregate as ABVP, AISA, SFI and NSUI supporters. Election results will be released in stages over the next 24 hours...
Já aqui muito escrevi sobre o fenómeno, um dos mais emocionantes e fascinantes que eu jamais testemunhei. Talvez o exemplo mais simbólico é o facto de um ex-presidente da JNUSU (1994-95), Chandrashekhar Prasad, ter sido assassinado em campanha política no estado de Bihar. Tenho sempre a sensação que as eleições (e a vida política na universidade, em geral) são um proceso simplesmente indescritível e que é preciso estar cá para o viver e compreender. Mas esta reportagem, de um ex-colega meu norte-americano, é uma excelente descrição para quem quer ter uma ideia mais próxima, mesmo que distante.
On election day, the maroon tent from the presidential debate reappears on the School of International Studies lawn. In the evening, inside the building, the election committee counts votes while, outside, close to 1000 students gather after hostel messes close at nine to feast on snacks from ‘transplanted’ dhabas. They congregate as ABVP, AISA, SFI and NSUI supporters. Election results will be released in stages over the next 24 hours...
Imagens de Deli: Macacos
domingo, 15 de outubro de 2006
Homi Bhabha
No blog da Revista Atlântico, um apontamento meu sobre a palestra de Homi Bhabha na Fundação Gulbenkian.
Infantilidades (ou Wachstumskraempfe)
India spotted Yunus before Nobel panel
"NEW DELHI: Long before the Nobel committee, India recognised Mohammad Yunus and the pioneering work of his Grameen Bank in popularising the concept of micro credit in Bangladesh. This year's Nobel Peace Prize winner was the recipient of the Indira Gandhi Award for Peace, Disarmament and Development in 1998."
"NEW DELHI: Long before the Nobel committee, India recognised Mohammad Yunus and the pioneering work of his Grameen Bank in popularising the concept of micro credit in Bangladesh. This year's Nobel Peace Prize winner was the recipient of the Indira Gandhi Award for Peace, Disarmament and Development in 1998."
Está tudo na imagem
Shashi Tharoor, brilhante diplomata indiano, perdeu a corrida para o posto de Secretário-Geral das Nações Unidas. Embora não ferida, a Índia interroga-se: porquê um pequeno sul-coreano, em vez do nosso gigante? Para além de todas as geopolíticas dos bastidores da diplomacia, há duas razões principais: primeiro, a Índia já é muito crescidinha para aspirar a um posto daqueles que só é entregue a mãos periféricas e pouco perigosas como as são as norueguesas, birmanesas ou ganesas. Deve, portanto, ver a derrota com bons olhos. O resto do mundo, e a China e os Estados Unidos em particular, já a vêem com outros olhos. Segundo, está tudo na imagem. Por mais genial que o homem seja (bom escritor, por sinal), como é que ele sonha liderar as Nações Unidas com a peculiar estética que espelha na suas fotografias? A cara diz tudo. É um homem que nunca teria sido um bom Secretário-Geral.
Conversões
Thousands of people have been attending mass ceremonies in India at which hundreds of low-caste Hindus (Dalits) converted to Buddhism and Christianity.
Para compreender uma das razões que levam estes "intocáveis" a converterem-se, ver esta excelente reportagem, da revista Frontline, sobre os limpadores de latrinas ("manual scavangers").
Para compreender uma das razões que levam estes "intocáveis" a converterem-se, ver esta excelente reportagem, da revista Frontline, sobre os limpadores de latrinas ("manual scavangers").
sexta-feira, 13 de outubro de 2006
Leonor Beleza e Fundação Champalimaud em Deli
Na residência do Embaixador português na Índia, Dr. Joaquim Ferreira Marques, em Nova Deli, tive na segunda-feira oportunidade de me encontrar com a delegação da Fundação Champalimaud que por cá esteve para lançar o "Prémio António Champalimaud" para a saúde, no Palácio Presidencial, na presença do carismático presidente indiano Dr. Abdul Kalam. O artigo e a entrevista integral que fiz a Leonor Beleza podem ser lidos no Expresso Online.
"Em Nova Deli para o lançamento do “Prémio António Champalimaud” para a ciência, a presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza, defende que, em termos de investigação científica, a Índia está a par da Europa e dos Estados Unidos e recorda a sua importância na luta global contra a cegueira.
Apresentado pelo Presidente da Índia, Abdul Kalam, esta segunda-feira, em Nova Deli, o prémio, no valor de um milhão de Euros, visa promover projectos de combate à cegueira no terreno e projectos de investigação relacionados com os problemas de visão.
O prémio, a atribuir anualmente a partir de 2007, é promovido em parceria com a Organização Mundial da Saúde e Gullapalli Rao, médico e cientista indiano que fundou o Prasad Eye Institute em Hiderabad. O júri inclui o nobel Amartya Sen, bem como António Guterres e o ex-comissário europeu, Jacques Delors.
Para além da ex-ministra, a delegação da Fundação Champalimaud incluiu também António Borges e João Silveira Botelho, do conselho de administração, bem como António Coutinho, António Travassos, Daniel Proença de Carvalho, João Raposo Magalhães e Pedro d’Abreu Loureiro, todos membros do conselho de curadores."
Ver entrevista com Leonor Beleza.
"Em Nova Deli para o lançamento do “Prémio António Champalimaud” para a ciência, a presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza, defende que, em termos de investigação científica, a Índia está a par da Europa e dos Estados Unidos e recorda a sua importância na luta global contra a cegueira.
Apresentado pelo Presidente da Índia, Abdul Kalam, esta segunda-feira, em Nova Deli, o prémio, no valor de um milhão de Euros, visa promover projectos de combate à cegueira no terreno e projectos de investigação relacionados com os problemas de visão.
O prémio, a atribuir anualmente a partir de 2007, é promovido em parceria com a Organização Mundial da Saúde e Gullapalli Rao, médico e cientista indiano que fundou o Prasad Eye Institute em Hiderabad. O júri inclui o nobel Amartya Sen, bem como António Guterres e o ex-comissário europeu, Jacques Delors.
Para além da ex-ministra, a delegação da Fundação Champalimaud incluiu também António Borges e João Silveira Botelho, do conselho de administração, bem como António Coutinho, António Travassos, Daniel Proença de Carvalho, João Raposo Magalhães e Pedro d’Abreu Loureiro, todos membros do conselho de curadores."
Ver entrevista com Leonor Beleza.
Ele sabe (2)
Por ocasião de mais uma cimeira União Europeia-Índia, a realizar-se na capital finlandesa, hoje, publico aqui o artigo no Expresso, de 10 de Setembro do ano passado, relativo à entrevista que conduzi a José Manuel Durão Barroso, por ocasião da sua visita a Deli para uma igual cimeira.
EXPRESSO, Suplemento Economia & Internacional
Edição 1715, 10.09.2005
A prioridade está no Oriente
O presidente da Comissão Europeia diz que China e Índia passaram a ser tema de política interna da Europa
José Manuel Durão Barroso: «Não podemos simplesmente dizer às pessoas: adaptem-se à competição e arrisquem o vosso bem-estar. Temos de lhes dar uma clara perspectiva de futuro. Não podemos tratar os indivíduos como coisas. Esse é o principal desafio. Nós, dentro da União Europeia, queremos uma reforma económica que seja sensível, com preocupações sociais. Temos de explicar aos cidadãos que têm de se adaptar à globalização, mas que, ao mesmo tempo, há um futuro com emprego e repleto de grandes oportunidades»
O ORIENTE é uma das grandes prioridades da União Europeia e, se alguém tinha dúvidas, as duas cimeiras que esta semana se realizaram, em Pequim e Nova Deli, provam-no amplamente. «Do ponto de vista económico e comercial, a China e a Índia estão a tornar ainda mais urgente a necessidade de adaptação da UE à globalização», disse Durão Barroso ao EXPRESSO, numa entrevista conjunta com os dois principais diários indianos, o «Hindu» e o «Hindustan Times».
O prato-forte das negociações - lideradas, pela parte europeia, pelo presidente da Comissão e o primeiro-ministro Tony Blair, presidente em exercício da UE - foi precisamente a galopante emergência económica dos dois gigantes asiáticos, a par dos direitos humanos e da cooperação ambiental, no caso chinês, e da abolição da pena de morte e do controlo da emigração ilegal, no caso indiano.
Segundo Durão Barroso, existe actualmente «o risco do extraordinário crescimento económico da China e da Índia ser visto, na Europa, como umaameaça», sendo certo que «existem alguns países e sectores europeus com dificuldades na adaptação às novas regras da competição internacional».
Mas, afirma, a globalização não deve ser encarada de forma negativa. «Estamos num novo contexto». As preocupações actuais dos europeus podem ser legítimas, mas dissipar-se-ão no futuro: «A globalização é um desafio, mas não uma ameaça. É esta a abordagem que temos no nosso relacionamento com os dois países, torná-los numa oportunidade».
A Índia e a China têm crescido anualmente entre 6% e 10% pelo que, segundo o dirigente europeu, a abertura da UE é inevitável. «Seria um erro trágico se os europeus pensassem que poderiam manter o seu nível de vida fechando-se sobre si mesmos», defende o presidente da Comissão, justificando a necessidade de abertura pela dependência da UE das exportações: «Se a UE quiser que outros se abram, também terá que se abrir mais. Temos de nos adaptar, mas há que lidar com o novo contexto de uma forma construtiva e estabelecer um período de transição para diminuir o impacto.
O texto e o contexto
A questão é tão importante que, segundo Barroso, está no cerne da recente rejeição do Tratado Constitucional europeu por franceses e holandeses. Diz ele que «num referendo, existe sempre o risco de as pessoas votarem no contexto e não no texto, e o contexto é de crescimento lento e de desemprego». É por isso que «o comércio internacional e as relações com a China e a Índia passaram a ser assuntos de política interna europeia».
Embora Javier Solana tenha afirmado em Pequim que «para a UE, a Índia ainda não atingiu a importância da China», Barroso explicou ao EXPRESSO que não gosta de fazer comparações entre os dois gigantes, adiantando que «o sistema político da Índia é diferente do da China» e que «a Índia e a UE partilham fortes valores democráticos».
Referindo-se às recentes renegociações das quotas de importação de têxteis chineses e aludindo à diplomacia norte-americana, Barroso salientou, por outro lado, a estratégia da UE para enfrentar os dois gigantes: «As quotas são uma medida transitória acordada em parceria com a China, enquanto outros preferem impor o unilateralismo».
Entretanto, em Pequim foi tornada pública a resolução do contencioso quanto à importação de têxteis chineses e reiterado o interesse numa maior cooperação económica sino-europeia, Nova Deli assinou pela primeira vez uma declaração política conjunta com Bruxelas.
A Índia e a UE também anunciaram uma nova plataforma de cooperação contra o terrorismo, a entrada da Índia no projecto de navegação por satélite Galileo e a possibilidade dos indianos participarem na construção do novo reactor de fusão nuclear (ITER), a instalar no Sul de França.
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
EXPRESSO, Suplemento Economia & Internacional
Edição 1715, 10.09.2005
A prioridade está no Oriente
O presidente da Comissão Europeia diz que China e Índia passaram a ser tema de política interna da Europa
José Manuel Durão Barroso: «Não podemos simplesmente dizer às pessoas: adaptem-se à competição e arrisquem o vosso bem-estar. Temos de lhes dar uma clara perspectiva de futuro. Não podemos tratar os indivíduos como coisas. Esse é o principal desafio. Nós, dentro da União Europeia, queremos uma reforma económica que seja sensível, com preocupações sociais. Temos de explicar aos cidadãos que têm de se adaptar à globalização, mas que, ao mesmo tempo, há um futuro com emprego e repleto de grandes oportunidades»
O ORIENTE é uma das grandes prioridades da União Europeia e, se alguém tinha dúvidas, as duas cimeiras que esta semana se realizaram, em Pequim e Nova Deli, provam-no amplamente. «Do ponto de vista económico e comercial, a China e a Índia estão a tornar ainda mais urgente a necessidade de adaptação da UE à globalização», disse Durão Barroso ao EXPRESSO, numa entrevista conjunta com os dois principais diários indianos, o «Hindu» e o «Hindustan Times».
O prato-forte das negociações - lideradas, pela parte europeia, pelo presidente da Comissão e o primeiro-ministro Tony Blair, presidente em exercício da UE - foi precisamente a galopante emergência económica dos dois gigantes asiáticos, a par dos direitos humanos e da cooperação ambiental, no caso chinês, e da abolição da pena de morte e do controlo da emigração ilegal, no caso indiano.
Segundo Durão Barroso, existe actualmente «o risco do extraordinário crescimento económico da China e da Índia ser visto, na Europa, como umaameaça», sendo certo que «existem alguns países e sectores europeus com dificuldades na adaptação às novas regras da competição internacional».
Mas, afirma, a globalização não deve ser encarada de forma negativa. «Estamos num novo contexto». As preocupações actuais dos europeus podem ser legítimas, mas dissipar-se-ão no futuro: «A globalização é um desafio, mas não uma ameaça. É esta a abordagem que temos no nosso relacionamento com os dois países, torná-los numa oportunidade».
A Índia e a China têm crescido anualmente entre 6% e 10% pelo que, segundo o dirigente europeu, a abertura da UE é inevitável. «Seria um erro trágico se os europeus pensassem que poderiam manter o seu nível de vida fechando-se sobre si mesmos», defende o presidente da Comissão, justificando a necessidade de abertura pela dependência da UE das exportações: «Se a UE quiser que outros se abram, também terá que se abrir mais. Temos de nos adaptar, mas há que lidar com o novo contexto de uma forma construtiva e estabelecer um período de transição para diminuir o impacto.
O texto e o contexto
A questão é tão importante que, segundo Barroso, está no cerne da recente rejeição do Tratado Constitucional europeu por franceses e holandeses. Diz ele que «num referendo, existe sempre o risco de as pessoas votarem no contexto e não no texto, e o contexto é de crescimento lento e de desemprego». É por isso que «o comércio internacional e as relações com a China e a Índia passaram a ser assuntos de política interna europeia».
Embora Javier Solana tenha afirmado em Pequim que «para a UE, a Índia ainda não atingiu a importância da China», Barroso explicou ao EXPRESSO que não gosta de fazer comparações entre os dois gigantes, adiantando que «o sistema político da Índia é diferente do da China» e que «a Índia e a UE partilham fortes valores democráticos».
Referindo-se às recentes renegociações das quotas de importação de têxteis chineses e aludindo à diplomacia norte-americana, Barroso salientou, por outro lado, a estratégia da UE para enfrentar os dois gigantes: «As quotas são uma medida transitória acordada em parceria com a China, enquanto outros preferem impor o unilateralismo».
Entretanto, em Pequim foi tornada pública a resolução do contencioso quanto à importação de têxteis chineses e reiterado o interesse numa maior cooperação económica sino-europeia, Nova Deli assinou pela primeira vez uma declaração política conjunta com Bruxelas.
A Índia e a UE também anunciaram uma nova plataforma de cooperação contra o terrorismo, a entrada da Índia no projecto de navegação por satélite Galileo e a possibilidade dos indianos participarem na construção do novo reactor de fusão nuclear (ITER), a instalar no Sul de França.
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
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