domingo, 28 de setembro de 2008

Esta vida termina aqui

Um obrigado a todos os que me ajudaram a iniciar e a continuar este espaço. Um obrigado a todos os que por aqui passaram e comentaram. E um obrigado a todos os que insistiram para que eu o continuasse agora.

Um obrigado a todos os que me visitaram ou me acompanharam em Deli. Foram quatro anos de experiências inesquecíveis, incluindo viagens magníficas por todo o subcontinente, novas amizades e contactos para muitas mais vidas, estudo e investigação profunda sobre um país fascinante, trabalho dedicado como tradutor, correspondente e, já no último ano, na Embaixada, entre muitas outras aventuras e experiências.

Quatro anos depois de chegar à capital indiana, a minha vida em Deli terminou em Agosto passado (regressei a Lisboa) e não faz assim sentido continuar este projecto, pelo menos neste formato, que foi sempre muito pessoal, na primeira pessoa, registando as minhas observações e impressões sobre a Índia.

Deixa também de fazer sentido porque as relações entre Portugal e a Índia atingiram (finalmente) uma nova fase - já há agora um número razoável de portugueses a residir em Nova Deli e noutras cidades indianas (alguns com blogues muito bons), e longe vão os tempos em que, exceptuando os (poucos) diplomatas e um leitor, eu era o único residente português na capital.

Ficam aqui disponíveis os arquivos com mais de mil entradas. E, para terminar, uma mensagem que escrevi ao meu amigo João, em Dezembro de 2003, quando me desloquei, pela primeira vez, a Nova Deli, para avaliar a possibilidade de para lá me mudar definitivamente.

Não pude deixar de sorrir, de forma bastante condescendente, ao lê-la, depois de a descobrir, por acaso, num arquivo electrónico qualquer: é testemunho de quanto estes quatro anos em Deli me desestabilizaram, me mudaram, me enriqueceram.

Até breve,
Constantino


Uma das minhas primeiras fotos, de visita à Nizamuddin Dargah, Nova Deli.

(Dezembro 2003):

"Meu caro,

Sinto-me terrivelmente. Nao sei como explicar. Estou com medo, saudades, triste, inseguro… estou a 11 000 km daquilo que poderia eventualmente chamar CASA, se eh que existe algo assim. Mas, admito, este eh um daqueles momentos em que acredito mesmo haver CASA (home).

Cheguei ontem, depois de 24 horas de comboio. Depois da euphoria de Goa, o desalento em Deli, pelo menos parcial. Vou por pontos

- eh uma cidade enorme, sentes-te muito pequenino pensando que vais ter de sobreviver 2 anos aqui
- uma outra civilizacao: pessoas, arquitectura, lingua, tudo eh diferente, nao ha saidas ah noite, nao ha alcool, nao ha carne…
- professors: todos bastante arrogantes, e, mesmo alguns simpaticos, quase todos anti-ocidente. Tenho de repensar todo o meu discurso e o meu raciocinio. Tudo o que tinha construido como certezas ate agora na vida (poucas, eh certo) esta a ser posto em causa (nacionalismo, esquerda/direita, multiculturalismo etc etc)
- estudantes: todos simpaticos, mas ESTRANHOS, la esta, simplesmente, eles vivem com um orcamento de uns 10 Euros por mes (a serio), e estudam mesmo, porque ser estudante na INDIA eh um PRIVILEGIO. Eles aqui levam a vida de estudo mesmo a serio, tentam todos ser os melhores e passam os dias, principalmente, a estudar.
- Condicoes: o campus eh um monte de ruinas enorme. Estou com um amigo meu, muito boa pessoa, que eh PHD em RI, investigador num grande e moderno instituto, vai para a china na Segunda para uma conferencia, sabe de tudo e mais do que eu e tu. Sabes onde vive (e onde estou alojado esta semana): numa espelunca, um quarto com um pequeno balcao, casas de banho comuns iguais ahs piores que vimos na India, temperatures aqui: entre 2 e 49 graus., agua corrente (fria, claro: 2 horas por dia)
- Orientacao: o mesmo problema anterior: indianos sao pessoas muito estranhas, todos muito nacionalistas, embora a JNU seja um bastiao de esquerda: por todo o lado cartazes apelar ao comunismo, o meu amigo eh ferrenho comunista. Meu dilemma: esquerda comunista e ou socialista vs. fundamentalismo+nacionalismo indiano anti-estrangeiros. Compreendes a minha dificuldade posicional?? Quando o meu amigo me apresenta como half-indian e portuguese citizen “by convenience” ja sao geralmente dois temas de conversa muito delicados que vem logo ah baila…
- Isolamento: ha muitos estrangeiros que ainda vou conhecer, mas, de facto, por 2 anos, vou estar bem isolado de tudo o que me tem rodeado na minha breve vida… mas.. o que sao 2 anos numa longa vida?

Ok, isso sao as primeiras impressoes . mas ainda me vou aclimatizar etc.
Boas coisas:
- os estudantes sao gente BOA. SIMPATICOS e acessiveis. Fazem-se amizades facilmente, toda a gente vive no campus. Ajudam-te em tudo. Aqui, ser estudante, eh aquilo que eu sempre defendi em Lisboa na cartilha (mais ou menos).
- Estou na capital duma futura potencia mundial, muito possivelmente. Ha aqui centros de investigacao, embaixadas, etc uma cidade cosmopolita. Nao vou estar tao isolado
- Vou encontrar-me ainda com muitos outros professors, alguns que me parecem ser muito mais acessiveis dos que encontrei ate agora (por via do meu amigo comunista)
- Embora estudantes digam que eu tenho que viver no campus para viver o espirito, estou disposto a correr um minimo risco de isolamento e viver num apartamento com condicoes perto do campus. Precos bons abaixo dos 75 Euros por mes!
- Tenho uma boa rede de contactos com redes de investigacao, embaixadas e todo o mundo occidental aqui em Deli o que me permite circular nessa rede e manter contactos com ocidente e um certo estilo de vida occidental (concertos, recepcoes, conferencias etc). Avisaram-me que o MA eh muito dificil (you have to study very veriiiii much) mas como ha gente licenciada em jornalismo e gestao a fazer o MA penso que com os meus 4 anos de CPRI ja tenha um bom avanco. So espero que os profs nao me discriminem por ser estrangeiro (nem os estudantes). (...)"

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