terça-feira, 28 de novembro de 2006

O balde do lixo e a casta

A nossa empregada de limpeza, que anda a substituir a Sayida afectada por tuberculose, disse-me hoje que não pode limpar o nosso balde do lixo porque isso vai contra os princípios da casta dela. Desconfiado, porque ela é uma grande preguiçosa desde o primeiro dia em que começou a trabalhar para nós, e um pouco surpreendido e fingindo não perceber, fu pedir auxílio e interpretação cultural à minha colega de apartamento indiana, a Arunita, que é hindu, do estado de Assão. O curioso, no entanto, é que até ela ficou supreendida e insegura. Esvaziar e limpar o balde de lixo é algo que todas as empregadas de casa fazem aqui em Deli. Era essa, pelo menos, a nossa crença até esta manhã. Casta ou não, preguiça ou não, falta de interpretação e centenas de castas e sub-castas à parte, decidimos passar a executar nós mesmo a impura tarefa.

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Imagens de Deli: Camião

Um típico camião de transporte de longa distância, estacionado a norte de Srinagar, Caxemira. São autênticos monstros rodoviários. Especialmente nos Himalaias, galgam rios, montanhas e vales. Às vezes, muito raramente, os seus titânicos (e, por vezes, bêbados) condutores calculam mal os milímetros e a viagem termina abruptamente, no fundo da ravina, nas gélidas e turbulentas águas de um glaciar em derretimento. São decorados com grande dedicação, cheio de inscrições divinas, nomes de sítios "conquistados" em jeito de troféus e mensagens intimidantes para outros condutores. Da única vez que andei de boleia num deles, fiquei com as costas esmigalhadas: para evitar desequilíbrios, quase que não têm suspensão. Mas não deixa de ser uma aventura partilhar passas e amêndoas com a sua tripulação, ouvindo as suas fantasiadas aventuras ("e então, surgindo sozinha e toda nua por trás de um rochedo, a americana fez-nos sinal a pedir boleia"...).

Classe baixa: suicídios de agricultores

At the height of the paddy harvesting season in September 2000, hundreds of thousands of farmers in the frontline agricultural states of Punjab, Haryana and western Uttar Pradesh, in northwest India, had waited for over three weeks before the government agencies were forced to purchase the excess stocks. For three weeks, farmers sat patiently over heaps of paddy in the grain markets. At least a hundred farmers, unable to bear the economic burden that comes with crop cultivation, preferred to commit suicide by drinking pesticides. (Da Zmag)

Eleições JNU

Um excelente sítio da Comissão Eleitoral sobre as últimas eleições na Jawaharlal Nehru University (JNU), com várias fotografias, recortes de imprensa e os resultados finais.

Pizza boy?

É dos momentos que menos gosto de enfrentar aqui na Índia. Quando encomendamos das cadeias de restaurante ocidentais, como o McDonald's e a Pizza Hut, e nos toca à campainha um senhor que teria idade para ser o meu avô. Aqui estou eu, menino mimado ocidental, a paparicar pizzas no valor de cinco refeições indianas cozinhadas em casa. É ainda pior quando estamos numa tórrida tarde de verão ou numa gélida noite de inverno deliense, em que só mesmo por urgência alguém sai de casa. Passa a terrível, quando eles se comportam de uma forma tão subserviente e educada que eu me sinto forçado a convidá-los a comer connosco dentro de casa ou pegar na motoreta dele e ocupar-me das restantes entregas. Infelizmente, isso não passa pela cabeça de ninguém aqui. Resta-me, então, sorrir amavelmente e dar-lhes uma generosa gorjeta. O que, posteriormente, nunca me faz sentir melhor - pelo contrário.

Classe média: Maruti Suzuki Alto

O Alto é o carro mais vendido na Índia. É também um dos símbolos da tão falada (e receada) classe média indiana.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Portugal (re)descobre a Índia

Esteve cá esta semana, por pouco mais de dois dias, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, o Prof. João Gomes Cravinho (filho do Eng. João Cravinho, deputado). Por sinal, doutorado em Oxford e logo na minha especialidade: Relações Internacionais.

Falou na minha faculdade, num encontro que eu ajudei a organizar no Departamento de Estudos Europeus, sobre "Portuguese Foreign Policy: Present and Future" e correu bastante bem. De modo a que eu aposte que para o ano já haverá um ou outro mestrando ou doutorando a trabalhar sobre Portugal para a sua tese. Foi um momento particularmente importante para mim: dois anos depois de eu ter chegado a Nova Deli, Portugal marcou, finalmente, presença oficial na universidade que me acolhe.

A quem interessar, a entrevista que lhe fiz para o Expresso Online:
João Gomes Cravinho, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, em visita oficial
Portugal (re)descobre a Índia

Bandeirantes II

Já que estamos numa de bandeirantes, encontro, por acaso, ontem, no meu departamento, a Rosa Maria Perez, do ISCTE, bem como, salvo erro, o Presidente do ISCTE, Luís Antero Reto. A Prof. Rosa Perez é das poucas pessoas que tem, de forma consistente (e excelente), abordado a Índia de um ponto de vista histórico, sociológico e, acima de tudo, antropológico. Está à frente de uma instituição de investigação que prima por uma qualidade só raramente vista no meio académico português, o Centro de Estudos de Antropologia Social do ISCTE, que edita revista Etnográfica. Estão cá para representar o ISCTE na European Higher Education Fair, que começa hoje.

Imagens de Deli: Autocarro no Ladaque

Redescobrindo: Bombaim

Mumbai, Mumbay, Bombay ou Bombaim? Os pós-colonialistas têm muito de revisionismo histórico e - fruto da variante indiana, de tons nacionalistas também - por isso Bombay é hoje Mumbai. Em inglês e em hindi. Para nós (isto é, para mim), permanece Bombaim, em honra ao passado português da cidade e a todo o rico trabalho e memória que já se encontram associados a essa variante há muito tempo no espaço lusófono. Bombaim não é Mumbai. Aliás, mesmo em inglês, Mumbai é outra cidade que Bombay. Coisas diferentes, não só em termos temporais. Os nacionalistas hindus podem brincar aos nomes, mas para a língua portuguesa fica tudo na mesma: Bombaim.

Há, claro, o chico-espertismo do costume em Portugal que leva a monstruosidades híbridas que só, e mais uma vez, demonstram a submissão a enorme facilitismo. Já vi por aí um nojento Mumbaim (não me lembro onde) e subsiste, claro, a ignorância: no caso, a RTP (ou Lusa), todo um texto refere-se a Bombaim, mas os ricos conhecimentos geográficos do autor levam-no a falar repetidamente de... Mombaça, do outro lado do Índico. Mas não sejamos tão pessimistas. Foi perto, quase que acertava!

Interlúdio pictórico

Uma imagem curiosa, enviada pela visitante desta vida Joana Pinto que me pede para comentar. Mas como uma imagem vale por mil palavras, fico-me pela imagem.

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Bandeirantes

Para moderar um pouco o meu ressabiamento em relação à ausência portuguesa na feira do ensino superior europeu no próximo fim-de-semana, umas notícias melhores sobre o nosso Portugal na Índia. Sim, porque, nem que de vez em quando, há uns corajosos bandeirantes que vêm cá pôr os pés na selva.

De 6 a 8 de Novembro passado realizou-se a V International Conference of Structural Analysis of Historical Constructions, aqui em Deli, no Habitat Centre. A organização esteve a cabo de uma troupe de engenheiros da Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil (Guimarães), liderada pelo Prof. Paulo Lourenço. Um mega-evento, patrocinado pela União Europeia, (EU-India Economic Cross Cultural Programme) e resultado de uma rede de investigação conjunta entre europeus e indianos sobre a preservação estrutural de edifícios históricos. Um dos casos estudados e executados é o do Qutub Minar, essa maravilha que é património da Humanidade (que, aliás, consigo ver do meu terraço).

Portanto, já sabem: quando vierem a Deli e estiverem a olhar pasmados para aquela colossal torre, obra dos Sultanatos de Deli há mais de setecentos anos, já sabem a quem agradecer. Vivam os engenheiros portugueses, de volta ao sub-continente indiano!

domingo, 19 de novembro de 2006

Umas ideias no DN

Publicada na edição de hoje do Diário de Notícias, secção internacional, uma entrevista comigo sobre a Índia no contexto internacional, com um título grandioso em que faltam, no entanto, duas maiúsculas: "Há uma guerra fria na Ásia do Sul". São excertos de respostas bem mais alongadas que lhes enviei por escrito mas que, fruto das condicionantes tradicionais da comunicação social portuguesa, foram abreviadas para o que podem agora ler. Mesmo assim, é bom saber que a imprensa lusa começa a olhar para estes lados com outros olhos.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

A Cochichina sai-nos cara

European Higher Education Fair, em Nova Deli, de 24 a 26 de Novembro. É um sinal dos tempos. As universidades e instituições de investigação europeias já perceberam que para evitarem males piores (a crise de natalidade e consequências económicas, entre outros), só têm uma alternativa: cativar, importar e mesmo "comprar" estudantes da América Latina, de África e especialmente da Ásia.

Os jornais indianos estão cheios de anúncios de universidades inglesas, alemãs, americanas e australianas que tentam cativar o "boom" educacional indiano. Nos Estados Unidos, por exemplo, os indianos já são mais de 70 000. Também há quase tantos chineses.

Aqui em Deli, quase todos os meses, há grandes sessões de apresentação de universidades estrangeiras, procurando cativar o saber e o capital dos jovens indianos à procura de educação de excelência no estrangeiro, sendo que o sistema educacional indiano está a abarrotar. Por exemplo, mais de 200 000 jovens candidatam-se anualmente ao Indian Institute of Managment de Bangalore. Apenas 250 são aceites. Por outro lado buscam, obviamente, qualidade de ensino e perspectivas de emprego melhores do que na Índia.

A iniciativa da União Europeia, da próxima semana, é, portanto, bem-vinda. Mesmo que atrasados, os europeus perceberam a ideia e juntaram esforços para estarem cá todos em conjunto, certamente com uns saborosos subsídios comunitários. Mas, alto aí... todos?

Não, há um povo resistente. Entre as mais de vinte estruturas (ministérios, departamentos, institutos e comissões) nacionais representadas há de tudo, da Alemanha e França à Lituânia, Letónia e Polónia. O nosso Portugal marca a sua presença pela... ausência.

Mas também há boas notícias. Entre as quase cem universidades e instituições de ensino superior com representações, está uma (1) portuguesa! A proeza cabe ao ISCTE. O meus sinceros parabéns para Entrecampos. No entanto, voltemos às más notícias. 16 alemãs, quatro cipriotas, três irlandesas, duas lituanas e... uma portuguesa?

Posso estar enganado, mas a minha experiência dita que eu adivinhe que a UE paga tudo, ou pelo menos comparticipa fortemente nos custos: viagem, alojamento, barraquinha, impressão de material e panfletos, e se calhar até cafés e alimentação. Bastava pegar num dos muitos estudantes ociosos a deambularem pelas esplanadas e dizer: vais para a Índia, de borla, e só tens que sorrir e trazer de volta uns quantos candidatos indianos aos nossos cursos.

Mas não. É que somos mesmo bons. Tão tão bons, que, adivinho novamente, seremos os primeiros a afundar-nos nesse mundo pós-ocidental que nos aguarda em Deli, em Pequim, em Jacarta e na tão gozada Cochichina. Mas esse gozo e a ilusão cochichinesa vão-nos sair muito caro.

Lusofonia, sessão 7

Sábado passado, mais uma sessão do nosso curso sobre a política, economia e cultura do mundo lusófono, na Universidade de Deli. Desta vez o tema foi "Brazil beyond 'Carnaval e Futebol': a diverse and emerging giant" e contou com mais de 30 estudantes que me vieram ouvir falar sobre o maior país do mundo latino-americano. O João Pedro, leitor do Instituto Camões e coordeneador do curso, também cobriu duas temáticas. Mas a contratação de luxo foi mesmo a Priscila Troia, a nossa convidada.

Está na Índia há 13 anos e vive perto de Okhla, num bairro muçulmano no Sul de Deli (Jamia Nagar), onde gere um Instituto de Línguas e Cultura Latina e ensina mulheres locais a fazerem bordados e artesanato típico brasileiro. Também é professora de português na Jamia Islamia University. É casada com o argentino Juan Marcos Troia, trenador acreditado pela FIFA e que gere o International Sports Academy Trust, onde ensina miúdos indianos a serem futuros Ronaldinhos e envia os mais telantados para o Brasil.

Excelente, a intervenção dela na sessão. Sem sucumbir a relativismos e exotismos, deu um excelente testemunho acerca da sua experiência intercultural, conquistou a audiência indiana e explorou as imensas oportunidades que se apresentam no emergente eixo indo-brasileiro.

Carnaval diplomático

Volta um (Paquistão), chega outro (Irão) e está para chegar um terceiro (China). É o Carnaval da diplomacia global. Não é em Paris, e muito menos em Lisboa. É em Nova Deli.

Imagens de Deli: Chatarpur Mandir

Templo dedicado a Hanuman, no complexo de templos hindus Chatarpur Mandir, no Sul de Deli.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Economia das palavras e esta vida

Já que estou numa onda de coleccionar referências a esta vida em Deli, um texto do Paulo Barbosa, jornalista freelancer, sobre este cantinho e o meu outro. "Português em vias de extinção" (título de uma reportagem dele em Goa), no sempre interessante e indo-atento Economia de Palavras.

Ainda os dálitas

No muito recomendável blogue Assim mesmo, uma referência interessante ao meu artigo sobre os dálitas no Expresso (Léxico: xátria ou chátria), discutindo o meu aportuguesamento dos conceitos indostânicos - que tantas dores de cabeça me dão. Ainda bem que pelo menos alguém repara nestas coisas em Portugal e se dá a um pouco de trabalho a pensar e a escrever a língua portuguesa. O mesmo blogue tem ainda um texto interessante intitulado «Topikar» e «paklé», sobre os portugueses em Goa.

domingo, 12 de novembro de 2006

Aconteceu!

Desde ontem à noite, já não partilho o meu apartamento somente com uma figura conhecida em todo o campus universitário, mas também com uma celebridade na Índia inteira. O Tyler ganhou as eleições e passa a ser Vice-Presidente da Jawaharlal Nehru University Students' Union, o primeiro estrangeiro de sempre em todo o país. Um branco, ainda por cima norte-americano, a conquistar um dos postos mais difíceis, ambicionados e influentes no panorama político estudantil indiano? Deu alarido mediático instantâneo.

Ainda eu não sabia do resultado oficial (a contagem demorou três dias!), já estacionava o primeiro carro de exterior à frente de nossa casa. Começou, então, uma autêntica orgia mediática à volta do Tyler. Na universidade passou três horas a fio a dar entrevistas para rádios e televisões, incluindo a BBC e a CNN. Depois disso procurou refugiar-se aqu em casa "com a família". Sem dormir, sem tomar banho e sem comer mais do que bolachas e fruta há dias, fizemos-lhe uma comida caseira, mas a pressão continuava e o telemóvel entrevistador não cessava de tocar.

Foi então raptado por um canal de televisão, para depois entrar em directo, horário nobre de Sábado à noite, às oito em ponto, numa entrevista de mais de vinte minutos, na Sahara TV. Antes disso tinha passado pela Zee News e, há já uma hora, estava cá à nossa porta o carro de exterior do Aaj Tak e os jornalistas a pergunterem-nos por ele e a pressionarem. Foi assim a noite toda. As televisões indianas não passavam outra face, a não ser a do Tyler, sempre a falar num hindi fluente (afinal, para além de ensinar os estrangeiros, como eu, até dá explicações a crianças indianas!).

Passava já da uma da manhã quando ele entrou, exausto, casa adentro. Bebericando um chá quente interrogámo-lo sobre 1001 assuntos, fazendo uso do direito de, afina, sermos o seu círculo mais íntimo e que o apoiou completando emocionalmente a sua racional estrutura partidária da AISA. Andava eu já empenhado em criticá-lo por achar que a JNU continua a ser um feudo da esquerda, adormeceu. E ainda dorme (13:10) enquanto escrevo isto. Ainda nem viu os vários jornais do dia em cima da mesa, na sala, onde está em todas as capas (incluindo fotografias suas).

Da cobertura mediática, destaco estes seguintes, mas basta procurarem por "Tyler" e "JNU" no Google News para darem com mais resultados.

International Herald Tribune
Washington Post
Times of India
Mumbai Mirror (com foto)
New Asia Times

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Emigrante 2

Ao terceiro ano, o desgaste linguístico. Especialmente desde que, em Junho passado, o meu saudoso amigo, colega e companheiro de apartamento Chacate voltou para Moçambique. Assim, a minha prática do idioma de Camões ficou reduzida às regulares conversas com estudantes indianos de língua portuguesa lá no campus ("eu gosta do Portugal"), a ocasionais interacções telefónicas e jantares com o corpo diplomático luso na Índia e aos raros encontros com os dois outros jovens tugas delienses (o João Pedro, na Universidade de Deli, e o Miguel, na longínqua Gurgaon). Tudo, obviamente, com consequências desastrosas +ara a minha prática oral e escrita, como até por aqui deverão ter testemunhado. Talvez chegará ao ponto de eu, um dia, cumprimentar o professor de português indiano com um "Boa dia, sir, a qual horas és seus aula, ji?".

Emigrante 1

De cada vez que eu sei de alguém que vem de Lisboa para Deli, faço imediatamente uma nota mental para pedir que me traga uma extensa listagem de produtos demonstrativos da minha crescente identidade de emigrante. Comida: atum, azeite de oliveira, queijo flamengo (bacalhau ainda não, mas deve faltar pouco). Também o correio que chega para mim e se avoluma em cima da minha mesa lá em casa. Essencial: jornais do dia/da semana, especialmente para inspirar o saudoso cheiro a tinta e a papel e para analisar os novos grafismos, porque, de resto, pouco de novo há no panorama jornalístico português. Como dizia um amigo meu, também radicado na Índia: se Portugal mudou tão pouco em novecentos anos, porque é que há-de mudar tanto, de repente, nos poucos anos em que eu não estou por lá?

O impacto de Bombaim (O Mundo em Português)

O número deste mês (nº 63, Outubro/Novembro 2006) da revista O Mundo em Português, publicada pelo Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, publica o meu artigo "O impacto de Bombaim". Nele, faço uma análise alargada de cinco dimensões em que os atentados bombistas de Julho, em Bombaim, influirão de forma determinante na política interna e externa da Índia. Em casa, para os assinantes, e nos quiosques e nas livrarias, para os restantes.

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Lx-Deli-Catmandu-Lasa-Pequim

Sim, é possível. Há dez dias, tal e qual um furação, passou por cá o meu (mas especialmente do meu irmão Leonardo) amigo de tempo escolares, Luís Guimarães, agora no Gabinete de Análise da EDP. Via Deli, onde lhe dei guarida e um tour apressado matinal pela cidade, seguiu para Catmandu. Depois de algum montanhismo nepalês, planeava seguir por terra para Lasa, capital tibetana, mas motivos de força maior forçaram-no a fazer o percurso por via aérea. Não interessa, porque o ponto alto da viagem dele é a ligação posterior Lasa-Pequim no nova e estonteante ligação ferroviária inaugurada recentemente. Podem acompanhar tudo, de forma soberba, no blogue dele, Mais de 1000 vozes.

Imagens de Deli: Mosteiro de Tabo

Mosteiro de Tabo, de fundação novecentista, no vale de Spiti, no estado de Himaxal Pradexe. Um local com uma rica história, no cruzamento de vários trilhos de caravanas entre os planaltos indostânicos, o planalto tibetanto, Caxemira e a Ásia Central. Os fantásticos murais interiores das gompas representam de forma exemplar o cruzamento entre a arte budista tibetana e subcontinental indiana, de influência hindu. É supostamente aqui que o actual Dalai Lama pretende passar a última fase da sua vida.

domingo, 5 de novembro de 2006

Mais Índia na Atlântico

Para além da minha coluna habitual, a "Passagem para a Índia", e para além do conteúdo e dos debates de excelência que a marcam, como sempre, o número de Novembro da revista Atlântico tem mais Índia: um artigo do Vítor Cunha, na página 41, intitulado "O exemplo".

Tive, aliás, o imenso prazer de estar com ele, num autêntico "encontro atlântico asiático", aqui em Deli, aquando da vinda da delegação da Fundação Champalimaud à Índia. Como me dizia então, vítima do jet-lag e inspirado pelo que observou por cá, escreveu de noite, no quarto do hotel, "uma coisinha" que depois enviou para o director Paulo Pinto Mascarenhas.

Fica um saboroso excerto do resultado dessa insónia indiana do Vítor, na linha do que já analisei nas minhas primeiras crónicas: "Na Índia as pessoas movem-se com a pressa de quem percebe que o seu tempo está a chegar. Têm pressa, mas não perderam a serenidade própria dos que sabem o que querem, como querem, e quando querem”. Mais, só mesmo na revista.

Atlântico: Pontos quentes

Passagem para a Índia (nº 8)

PONTOS QUENTES
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI

"Permitam-me uma sugestão revolucionária: os geólogos estão errados. Há mais de meio século que tudo aponta para um afastamento entre as duas placas, ou seja, usando a terminologia científica, para uma divergência. Em especial desde Agosto que se observam sinais ainda mais claros, com as fissuras nas relações indo-paquistanesas a alargarem-se de forma alarmante. Os cientistas chamam-lhes de “pontos quentes”. Ora, num subcontinente em ebulição, como o é a Ásia do Sul, qualquer fissura menor pode provocar gigantescas movimentações tectónicas. É portanto de esperar algo de novo nos próximos tempos."

Excerto da coluna "Passagem para a Índia", do número de Novembro da Revista Atlântico (p. 39). Nas bancas desde finais de Outubro.

sábado, 4 de novembro de 2006

Carlos Páscoa na Índia

Numa iniciativa inédita, o deputado social-democrata Carlos Páscoa (eleito pelo círculo eleitoral Fora da Europa) está estes dias de visita oficial à Índia, passando por Deli, Goa, Damão e Diu. Vem no contexto da sua promessa eleitoral de dar atenção especial às comunidades portuguesas e lusófonas tradicionalmente esquecidas pelo poder político luso. Vem atraído pelos supostos seis ou sete mil portugueses que por cá andam, na Índia. O problema será, no entanto, encontrá-los. Andam tão bem escondidos que nem o Governo indiano os encontra.

Mesmo assim, é toda uma questão (a nacionalidade portuguesa na Índia) que mereçe muita atenção e conhecimento por parte dos nossos representantes políticos. E por mais que se quebre a cabeça sobre o assunto, à distância de S. Bento e sem vir conhecer e apalpar e as complexidades rugosas do terreno social, económico e político goês e indiano, nada mudará. A vinda do "senhor deputado" é, poratanto e acima de tudo, uma iniciativa extremamente louvável. Esperemos que resulte em algo de substancial.

Lusofonia, sessão 6

Hoje de manhá, na Universidade de Deli, mais uma sessão do curso que o João Pedro Faustino (Instituto Camões) e eu coordenamos (ver descrição e programa aqui). Foi sobre "The Lusophone World yesterday and today: countries, communities and institutions (CPLP)" e teve como convidado o Dr. Filipe Honrado, conselheiro económico da Embaixada de Portugal na Índia. A segunda sessão, sobre "Portuguese contemporary society: youth, multiculturalism, culture and values, European integration" tinha contado com o Miguel Costa, o português exilado em Gurgaon, o subúrbio supostamente high-tech de Deli, a trabalhar como analista na Evalueserve.

Hoje foi uma sessão, como sempre, muito concorrida, com mais de quarenta alunos presentes. Como sempre, logo que se abriu a possibilidade, começaram todos a falar em português. Ao contrário do que se poderá achar (ou do que se quer acreditar) no Marquês do Pombal e nas Necessidades, o português está bem vivo por estas bandas. Só não morreu, ainda, porque há um país chamado Brasil.

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Made in Índia

Ainda não me chegou às mãos. Mas, a julgar pelo autor, pelo índice e excertos e pelas críticas e recensões, só posso recomendar vivamente aos que, em Portugal, pretendem saber um pouco mais sobre a Índia. Publicado pelo Centro Atlântico, e traduzido pelo Jorge Nascimento Rodrigues, é uma adaptação da obra "Rising Elephant" para o público europeu - português, neste caso.

É um sinal claro. Finalmente, mesmo que tardiamente, parece haver interesse suficiente sobre a Índia, entre a sociedade, o mundo universitário e os decisores (políticos e económicos) portugueses, para rentabilizar a tradução e o lançamento de uma obra destas. Esperemos que consiga contribuir para um ainda maior alargamento dos nossos limitados horizontes contemporâneos.

Ashutosh Sheshabalaya, o autor, é uma daquelas caras conhecidas no meio indiano globalizado, globetrotter entre os EUA e a Índia, passando pela Europa. Nem que seja por isso (mas também pelo preço - muito acessível para as suculentas 388 páginas), vale a pena ler. À venda nas principais livrarias. Mais informações (excertos, índice, autor etc.).

Cuidado com a vaca?

Um texto interessante do Alexandre Coutinho (que por cá andou recentemente), jornalista do Economia do Expresso, no blog Geoscópio de outro colaborador do jornal e amigo (visionário) da China e da Índia (Jorge Nascimento Rodrigues). Exageros à parte (como o "não há condutor de «rickshaw» ... que não tenha um telemóvel"), vale em especial por ser uma pedrada no charco dos que, do conforto da distância, acham que já "perceberam" a Índia.

"Existe, efectivamente, uma Índia que quer voar, alimentada por uma iniciativa privada dinâmica e ambiciosa (ou não fossem os indianos os melhores comerciantes do mundo), confrontada com uma sociedade que funciona a diversas velocidades e onde o conservadorismo, os tabus, o sistema de castas (oficialmente abolido, mas que teima persistir) que impede a progressão social, a resistência a aprendizagem e o baixo nível de educação ainda actuam como fortes travões ao progresso."

Aldrabando: Bagageira de táxi

É um clássico raro, mas não deixa de acontecer, pelo que ainda oiço de relatos de outros turistas (indianos incluídos). Chega-se ao aeroporto ou à estação de comboio e apanha-se um táxi. Põem-se as malas na bagageira e senta-se, exausto, no banco de trás do carro. A viagem decorre normalmente. Normalmente de mais, começa-se a desconfiar. Então, já à chegada, resolve-se o mistério: como que por milagre, depois de pagar o devido ao taxista, abre-se a bagageira e, tal e qual Houdini, ela está vazia! Nada de malas, nada de nada. E o taxista só abana a cabeça, o seu parco inglês desaparece e passa a fluente hindi surpreendido e o assunto está, muitas vezes, arrumado. Como provar? E, afinal, o quê provar?

A chave está em duas estratégias. Logo à partida, enquanto que já se encontra sentado no carro e o motorista finge tentar fechar a bagageira, o carro é aliviado da sua luxuosa mercadoria, passada para as mãos de um compincha. Sem o perceber, portanto, as malas nunca viajaram consigo. Uma segunda opção é mais sofisticada, mais rara ainda, mas executada com sucesso, pelo menos algumas vezes, em Bombaim: tudo previamente combinado, o compincha aproxima-se por detrás do táxi, enquanto que este aguarda num cruzamento ermo pelo sinal verde, e, o mais silenciosamente possível, retira a mercadoria para a beira da estrada ou para um outro veículo.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Tyler strikes back

Já vos aqui tinha falado do Tyler Walker Williams, o marxista norte-americano com que partilho o apartamento. Da sua candidatura de sucesso, o ano passado, para representante na sua faculdade (School of Languages), eleito pelo movimento de extrema-esquerda AISA (All India Students' Association).

Ora bem, o homem voltou ao ataque. É este ano candidato a um dos quatro postos principais na Associação de Estudantes (Students' Union), novamente pela AISA. Como já notei anteriormente, são os postos mais concorridos e reputados no meio político-estudantil em toda a Índia. E, tal como as coisas se estão a desenvolver, está tudo encaminhado para que ele ganhe, mesmo contra os partidos maiores como a SFI (Students Federation of India), a NSUI (National Students Union of India) e o ABVP (nacionalistas hindus).

A decisão não foi fácil. Candidatar-se a um posto destes, ainda por cima com o risco de ganhar, é um risco enorme e significa dedicar um ano inteiro à política estudantil, deixando a vida pessoal e os estudos para segundo plano (se é que chega aí) e comprometer seriamente a saúde, física e mental. Depois deste primeiro ano de experiência nessas lides, o Tyler prometia em alta avoz, a nós cá em casa e talvez mesmo a Nossa Senhora, que nunca mais se iria meter nisto. Ora, de repente, as coisas mudaram.

O Tyler tentou tudo. Explicou ao partido que também tem uma vida pessoal, objectivos académicos e profissionais (afinal, está a fazer o mestrado... em hindi, na Índia!) e que não estava disposto a concorrer. Mas partidos como a AISA sabem melhor. Enquanto que ele se refugiava cá em casa, já passava da meia-noite e já o telemóvel dele tinha tocado incessantemente por dezenas de vezes (e ele limitava-se a escondê-lo por debaixo da almofada), tocam-nos à campainha. À porta, três sujeitos do "comité central". Como que prontos para levar o Tyler para a Sibéria, para o Gulag. Fechavam-se depois no quarto dele, com ele, e saíam de lá sorridentes e o Tyler exausto, desiludido.

Finalmente, no último dia de candidaturas, lá o convenceram. Como ele próprio, antevendo a pressão, tinha entregue o seu cartão de estudante aos serviços administrativos (é documento necessário para a candidatura), foram, ainda não eram sete da manhã de Sábado, bater à porta da casa de um dos funcionários da universidade, pedindo-o de volta. às 13:00 Tyler era candidato oficial para o posto de Vice-Presidente. Às 02:30 voltava a casa, mais exausto do que nunca.

Mas, com o início da campanha, lentamente, o estado febril da política começa a correr-lhe pelas veias. Hoje já voltou mais animado para casa. De repente, esqueceu-se da investigação para o mestrado, das dificuldades financeiras que irá ter (por deixar de poder dar aulas de explicações) e mesmo da namorada, doutoranda em Harvard. Amanhá deixaremos de o ver. Durante os dez dias de campanha, pega numa pequena mochila, sai aqui de casa e vai viver para o quartel-general da AISA, um pequeno quarto numa das residenciais em que deverá dormir pouco mais do que duas ou três horas por dia, em média.

É curioso, abrir, ao pequeno-almoço, os jornais do dia e ver lá títulos como "American contests in JNU", textos e fotografias de quartos- e oitavos-de-página de quem ainda está a dormir, no quarto ao lado, de ressaca de mais uma noite de campanha eleitoral. A questão é polémica, claro: afinal, a liderança do Partido do Congresso por Sonia Gandhi, "a italiana", deixou marcas. Para além do Hindustan Times e do Times of India (artigos sem ligação), recomendo estes excertos, para terem uma ideia do que se passa nesta casa.

Apart from new parties on campus, these elections will also see a foreign student in the race for the post of vice-president. Tyler Walker Williams will be the candidate of the AISA. While it is not his first elections on campus, he is contesting for a place on the central panel for the first time. (The Hindu)

"Student factions need to be more autonomous, they should not receive funding, but can share ideology. At the end of the day they should be able to question their party, otherwise they would end up as agents," offers Tyler Walker Williams, a US national who is a counsellor at the School of Languages, Literature and Cultural Studies at Jawaharlal Nehru University (JNU). (Tribune India)

Demissões suecas e indianas

Sobre a demissão de duas ministras suecas, este mês (ênfase minha):
Tolgfors, 40, replaces Maria Borelius, who stepped down on Oct. 14 after media reported that she had paid a nanny under the table during the 1990s. Adelsohn Liljeroth, 50, takes over from Cecilia Stego Chilo, who resigned Oct. 16 as culture minister amid intense media pressure over her failure to pay a mandatory TV license fee for 16 years.

Parece-me muito provável que, aplicando hoje estes critérios ao Governo de Nova Deli, amanhã de manhã o Cabinet meeting (Conselho de Ministros) realizar-se-ia sem um único ministro presente.