sábado, 23 de dezembro de 2006

Natal em Nova Deli

É sui generis, mas também não é o fim do mundo. Natal em Deli, sem família, sem espírito natalício qualquer, sem chuva (mas pelo menos está frio). Opção A. Ignorar completamente a festividade que sempe me fez companhia a 24 e 25 de Dezembro. Opção B. Inovar e inventar alguma coisa... sui generis. A escolha, tradition compelling, foi a B.

Sexta-feira, na companhia de amigos (nenhum cristão) programa "Musical Journey through Christmas", num centro cultural alternativo chamado The Attic, no centro da cidade. Um professor indiano de língua alemã, aposentado, que viveu por muitos anos na Europa e se apaixonou pela música clássica, guia-nos de forma soberba pela história musical do Natal, incluindo os carols mais modernos e as sátiras musicais norte-americanos à explosiva comercialização do (agora pouco) santo dia. No fim, um punch quente caseiro com rum e uns belos bolos ingleses. Embora a companhia na sala me fosse pouco familiar, e mesmo um tanto desagradável (a pequena burguesia intelectual urbana e uns diplomatas com crianças berrantes à mistura), foi uma boa abertura das hostilidades... natalícias.

Tudo seguido de um jantar no pouco cristão Andhra Pradesh Bhawan, com um thali picantérrimo de gastronomia típica do estado de Andra Predexo, no Sul da Índia. Passeio pelo India Gate e regresso - muito negociado - de riquexó.

Esta manhã: início das decorações exteriores = abertura das hostilidades na vizinhança. Estou-me nas tintas. Ando eu sem dormir várias noites só porque hoje casa a filha, e a prima e o filho e tal, porque o calendário hindu está polvilhado de feriados religiosos que são autênticas orgias sonoras até de madrugada, para o quê? Deixem-me pendurar, pelo menos, uma estrela de papel iluminada em frente à minha porta. Agora sorriem, mas assim meio incomodados. Especialmente porque os filhos acham um espectáculo e se juntam na entrada do prédio ao fim do dia para verem a estrela do cristão.

Hoje, durante o dia: compras. Se aí a dificuldade é escapar ao consumismo e não faltam opções, aqui o panorama é de um deserto de opções. Há já uns mercados que vendem algumas peças de decoração, a maioria das quais de má qualidade e de mau gosto, mas, no cômputo geral, é preciso procurar. Comida, especialmente. Se o perú está excluído por questões financeiras, ainda cá tenho umas postas de bacalhau e compram-se no mercado uns camarões e uns bifes de frango e tal. E presentes, claro. Basicamente, para mim mesmo.

Amanhã à noite: para quem está habituado aos históricos sons e odores da Basília de Mafra, nem pensar meter os pés na missa de Natal da irlandesa e dominicana Igreja de St. Dominic's aqui das redondezas, um cru bloco de betão da década de setenta. O melhor que se arranja: Sacred Hearth Cathedral, a igreja que serve de epicentro da comunidade católica indiana, com a Conferência Episcopal logo ao lado. Mas, dizem-me ao telefone, a missa do Galo, à meia-noite, é "open-air". Estão dois graus e meio à noite. Mas pronto. Lá pelas dez e meia vou junto com vários amigos e colegas. Curiosamente, a maioria são hindus, muçulmanos e budistas: acompanham-me para observar. Observadores, portanto. Pelo menos não vou sozinho. Mas talvez seja acusado de andar a converter a nova geração. Mas eles já estão mais convertidos do que eu.

Segunda de manhã: pequeno-almoço no círculo privado aqui em casa (embora o Tyler se tenha escapado para a Califórnia natal) e depois o tal banquete natalício com os mesmos amigos da véspera. Vai ser difícil, mas o objectivo é empaturrá-los e, assim, dar-lhes a entender o fundamento essencial do Natal. E troca de presentes, é claro. Cada participante foi intimidado a trazer um presente no valor máximo de 50 Rupias, isto é, 95 cêntimos.

Pessoalmente eu testemunho, é certo, uma degeneração natalícia. Depois de ter passado todos os Natais da minha vida no seio da família, e quase sempre na mesma casa, no Rogel, passei os dois últimos Natais em Goa, mas, pelo menos, na companhia de parentes próximos e num ambiente natalício goês que tão convidativo é. Este ano não tem precedentes: Natal em Nova Deli, sozinho. Mas é também uma espécie de iniciação, criando experiência futura para inovar, adaptando a tradição às circunstâncias do presente.

3 comentários:

  1. Tino... Imagino que seja chato não ter com quem partilhar a tradição do Natal num país não-católico. Mas admiro-te pela preserverança de manter certos hábitos, que são ao mesmo tempo princípios... e mais, que os dissemines pelos leigos que te cercam.

    Este é o Tino que eu conheço.

    Feliz Natal. E um 2007 cheio de posts!

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  2. Olá Constantino,

    Acreditas que ao ler o teu relato tive uma enorme saudade desse espaço que esse lugar paradoxal deixa, para que cada um siga o seu próprio ritual e contemple cada momento com procurando nele um verdadeiro significado? Uma iniciação, de facto!

    Bom penso que ainda não é tarde para te desejar um Feliz Natal - pois afinal este pode ser sempre e desejar-te que alcances tudo o que mais queiras e acima de tudo com muita saúde e felicidade.

    Até breve (espero),

    Sónia

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  3. nice ....

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