quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Cultura climática

É algo que observo novamente na Índia. A cultura vestuária de um povo nunca é estritamente proporcional às condições climáticas do respectivo contexto geográfico em que vive. Aqui o inverno, embora seja mais frio do que em Portugal, é negiligenciado.

Os acabementos das casas são hostis à conservação do calor e abrem-se e deixam-se abertas inúmeras brechas pelas quais entre o gélido vento dos Himalaias. As janelas, como que querendo servir somente o calor veranesco, teimam em não fechar completamente. As portas, mesmo fechadas, são um convite à circulação aérea. Do chão - de pedra - irradia um gelo mármore. Os riquexós têm só uma capinha lateral mínima, para baixar e cortar o vento gélido logo que se esteja em movimento.

As pessoas também não se vestem de forma apropriada. Um cachecol ou outro, talvez uma camisola fininha ou - raramente - um blusão de cabedal, mas é sempre uma cultura vestuária deficitária tendo em conta as temperaturas e os ventos exteriores. Anda tudo de chinelos e estão 6º.

É símbolo da pobreza, claro, dirão. Também, mas não só. Falo da classe média que vive aqui na minha vizinhança. Têm carrões à porta, mas escolhem viver assim o inverno, de havaianas no pé. Porquê? Por que é a sua própria cultura climática - esta sim, pobre. Pode ser um sinal de desenvolvimento. Qual é a percentagem que um agregado familiar adjudica para fazer face ao clima? Mínima, no caso indiano, e máxima, provavelmente, nos países mais desenvolvidos da Escandinávia. Há portanto uma correlação, embora, na minha opinião, fraca e condicionada a contextos climáticos, hábitos e práticas culturais específicas.

É como em Portugal. Naquelas duas ou três semanas do ano em que faz mais frio, anda tudo à rasca, desenrascando-se com umas camisolas extra e tal. Anda tudo a tremelicar e à espera que a temperatura volte a subir. Não há investimento nums bons e quentes cascacões forrados de lã, num impermeável, num cachecol quente. O mesmo aplica-se à Índia, no meu entender.

E quando feito, em ocasiões raras, o investimento é mal aplicado ou mal gerido. Cinemas e estabelecimentos comerciais melhores instalam sistemas de ar-condicionado, mas deixam portas abertas e fica tudo na mesma (menos a contabilidade), ou põem aquilo a uma temperatura tão excessiva que faz todos os clientes suar.

De forma geral, os indianos não têm uma cultura climática muito desenvolvida. Aqui as pessoas aguentam-se e adapatam-se ao clima. Não o pretendem domar, ainda. Muito por causa da falta de condições materiais, é certo, mas também como filosofia de vida: quem somos nós para querermos domar o clima e a natureza?

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