quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Estive em Lisboa

Por um momento, um breve momento, estive hoje em Lisboa. Sentado num restaurante tipo ocidental, com saladas, sanduíches e massas, na companhia integralmente portuguesa da Rosa Maria Perez, do Gustavo Cardoso, da Cláudia e da Inês, bem como do João Pedro Faustino, decorria a conversa em bom português quando, distraidamente olho para o meu lado direito e reparo num casal indiano. Por um momento, tinha regressado a Lisboa, suscitando o meu interesse o facto de estarem indianos no mesmo restaurante do que eu. "Olha, indianos", pensei.

Dilúvio

Se uns pingos de chuva são já uma raridade no Fevereiro deliense, então imaginem um dilúvio. A tromba de água que este início de noite se abateu sobre a cidade capital veio adiar, um pouco mais, o tórrido Verão que se avizinha. À luz dos relâmpagos, o ar urbano nunca esteve tão límpido. Mas se para mim foram momentos estéticos, para muitos outros, foram certamente momentos de aflição, as esburacadas lonas de plástico cedendo água fria para cima das poucas posses e dos muitos queridos.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Goa Bachao (Expresso)

Ora cá está um dos resultados da minha ida-relâmpago a Goa, por dois dias, aquando da visita do Presidente da República a Goa. Acompanhando a Luisa Meireles e o Luiz Carvalho (fotografia), dei-lhes a conhecer uma Goa diferente daquela dos nostálgicos velhinhos goeses lusófonos de olhos azuis em lágrima, ou daquela dos cafés e restaurantes com nomes portugueses. A Goa de hoje, portanto.

Esta reportagem, publicada na Única, é por isso, de certa forma, uma resposta minha às críticas que tenho lançado sobre a forma (displicente, simplista ou superficial e emocional) com que a imprensa portuguesa tem, na maioria dos casos, olhado para Goa e a Índia, em geral. Há excepções, é claro (ver a minha Passagem para a Índia na revista Atlântico de Março). Mas, regra geral, a grande distância que ainda separa Portugal de Goa, deve-se em grande medida a esta incapacidade mediática portuguesa em apreender a Goa de hoje, tal como ela é, para além de todas as saudades e lágrimas.

Expresso, Revista Única, 27 Jan. 07, edição 1787
GOA BACHAO

O pequeno paraíso perdido e frágil de Goa está em perigo. Um movimento, Salvar Goa (Goa Bachao), quer preservá-lo

IGREJA da Nossa Senhora da Imaculada Conceição, um ícone da velha Goa

É quase um grito de desespero: «Goa Bachao», Salvar Goa! Desde há dois meses, é isto que se ouve em Goa, é disto que se fala neste minúsculo paraíso cada vez menos perdido de 3.700 quilómetros quadrados, uma área só um pouco maior do que o distrito de Leiria. «Devolvam-nos a nossa verde Goa» - «Aamchem goem amka parat zai» - assim apela em concani, a língua local, o médico Óscar Rebelo, um goês que fala um português perfeito e que lidera o movimento: «Que este grito de guerra ressoe em cada aldeia do estado de Goa.»

Num domingo à tarde, faz agora 15 dias, era também isto que se ouvia num comício realizado na praça municipal de Quepem, uma pequena vila do interior. Um sol ainda abrasador apesar do adiantado da tarde, mas que não afastava os participantes do pequeno comício: mulheres gastas, idosas, sentadas nas cadeiras com os seus panos na cabeça a protegerem do sol, os homens de pé, junto aos muros. No palco, tudo preparado para receber o estado-maior do movimento Salvar Goa (Goa Bachao Abhiyan), que tarda. São cinco horas e o comício anterior, na cidade de Margão, ainda não acabou.

Bela Hortênsia Matilde Fernandes, de seu nome completo apesar de não falar uma palavra de português, é uma goesa de 53 anos que veio ao comício porque quer protestar: «Estão a vender Goa aos nossos inimigos.» Inimigos? «A gente de fora, estrangeiros e de outros estados.» Junto dela, Ajay Pereira, que se apresenta como um empresário-agricultor de 35 anos e parece ser o elemento de ligação local do movimento, acrescenta que ali, em Goa, «a cultura é diferente do resto da Índia». «É ocidental por causa da herança portuguesa», diz ele, mas não tem ilusões de que são todos indianos. «Acreditamos na Índia, mas não acreditamos nas pessoas que trazem para cá imigrantes, que constroem casas e nos tiram as terras. Como é que depois nos vamos alimentar?», pergunta.

PROGRESSO Goa tornou-se uma mistura de novos e velhos goeses e muitos imigrantes. Está na encruzilhada entre o progresso e a necessidade de preservar a sua identidade

As pessoas vão chegando, juntando-se rente aos muros onde estão expostos vários mapas, fotografias e recortes de jornais. Falam do Plano Regional de Desenvolvimento 2011, uma espécie de plano de ordenamento territorial, e que está na origem de toda esta confusão. Aprovado pelo Governo goês em Agosto de 2006, nos bastidores políticos, prevê a urbanização acelerada do estado, principalmente junto à costa, o alargamento das zonas mineiras, a transformação de muitas zonas florestais em zonas de habitação, tudo para dar lugar a um turismo maciço. Pelo menos cinco megaprojectos estão previstos com os seus condomínios exclusivos, campos de golfe e «resorts».

Num portefólio, estilo antes e depois, pregado no muro, mostra-se um desses sítios, uma idílica vila piscatória no Sul do estado que foi vendida a um consórcio estrangeiro. O Plano prevê a construção de um «resort» com um hotel de cinco estrelas, 800 «villas», cinemas, casino, restaurantes, bares, «boutiques», sala de conferências e de banquetes, uma marina. Para os habitantes de Quepem, por cujas ruas ainda circulam as vacas e onde só raramente se avista um turista, nada disto faz sentido.



Goa, que no fundo é uma sucessão de pequenas aldeias, tem uma linha de costa de 105 km e um máximo de comprimento para o interior de 65 km. Entre o mar e a fértil terra irrigada por dois grandes rios, o Zuari e o Mandovi, Goa tem um ecossistema frágil e delicado, santuário de muitas espécies protegidas. Para Patrícia Pinto, número dois do movimento Goa Bachao, o pequeno estado está em perigo. Mulher bonita e morena, vereadora municipal na capital Pangim, circula pelo recinto do comício, falando com as pessoas, enquanto no palanque discursa Óscar Rebelo. Em concani, pergunta se eles conhecem o plano e o que ele vai provocar e, numa verdadeira lição de política, diz-lhes que eles «é que elegem os políticos e estes têm de fazer o que eles querem, não o contrário.»

LUTA O Salvar Goa/Goa Bachao percorre todas as aldeias do Estado em sessões de esclarecimento popular, explicando as razões por que estão contra um novo plano regional

É este o método do Goa Bachao/Save Goa. Criado em Novembro e formado em Dezembro depois de um enorme comício realizado em Pangim, percorre cada aldeia das 12 talukas (concelhos) de Goa e realiza sessões de esclarecimento popular. A ideia, conta ela ao EXPRESSO, é acabar com o plano, «porque é ilegal e errado»: não cumpre as leis que protegem a floresta, nem as que regulam a costa, é contra as Comunidades (gaunkari, a histórica organização rural de Goa) e estrutura mal as cidades.

«Queremos um novo plano que tenha em conta as necessidades das pessoas, que não esteja só focado no imobiliário, que respeite os campos de cultivo e crie infra-estruturas, que não existem. Os políticos não têm visão para o futuro», acusa. «Nós não temos nada contra o facto de Goa ser um destino turístico, mas a terra e as pessoas têm de ser respeitadas.» E pergunta: «Já imaginou meter um pescador ou um agricultor dentro dum apartamento? Que vida vai ser a dele?» Afinal, ao destruírem a beleza de Goa, transformando o território numa selva de betão, acabam precisamente com aquilo que querem promover, conclui Patrícia Pinto.

O dinamismo do movimento, criado a partir de forças espontâneas, gente com influência na sociedade mas sem representação política, e muito ajudado pela Igreja católica, acabou por alarmar o Governo. A 18 de Janeiro, perante o «ultimato» que lhe foi dado pelo movimento, retirou o Plano, mas apenas «com efeitos prospectivos». Os líderes do Goa Bachao querem agora saber o que se vai passar com as obras que estão em andamento e prometem intensificar a pressão se a retirada não for «completa e retroactiva». A decisão, seguramente, será difícil. Se, por um lado, com eleições à vista para Maio, se compreende a destreza do Governo em se ver livre dum problema, melhor se entende que muitos negócios já foram realizados e muito dinheiro passado de mão para mão, conforme dizia um observador.

Mas o problema persiste e ilustra a encruzilhada em que se encontra o minúsculo estado de Goa, confrontado por um lado com as necessidades do progresso e, por outro, com o tremendo impacto da abertura.

Desde logo, é notório o descontentamento face aos imigrantes que foram chegando desde a entrada de Goa na União Indiana, em 1961, primeiro como território da União, depois como 25.º estado da República, em 1987. Ninguém sabe quantos são ao todo, mas pensa-se que, dos 1,3 milhão de habitantes que conta Goa, 500 mil serão oriundos de outros estados indianos. «Tenho medo de perder a Goa que conheço, de sermos exterminados», dizia o jovem jornalista Andrew Pereira, que já não fala o português, é católico, mas não deixa de conhecer a sua divindade hindu, Kamakshi, nesse sincretismo religioso tão próprio dos goeses. «Cada vez são menos os que falam concani. Goa está a ser explorada e nós temos de acordar», dizia.

Sentimentos como o de Andrew não são raros e inúmeros novos movimentos procuram dar-lhe voz, como o Save Dabolim Committee, que se opõe à construção de um novo aeroporto internacional e defende a ampliação do actual (ocupado pela Marinha indiana desde 1961) ou promove o reconhecimento oficial da língua concani em escrita romana (e não só no devanagárico indiano).

Há quem comece a defender opiniões mais radicais, a falar de autonomia e até de separatismo. Tudo efeitos do fatídico dia 18 de Dezembro de 1961 que alguns goeses não parecem ter digerido bem. Se para o discurso oficial foi o dia da «libertação», outros preferem o termo «invasão», vendo no pós-1961 um novo tipo de colonialismo, a partir da longínqua Nova Deli. Há quem se queixe de que nem o hino nacional indiano percebe, porque é cantado em bengali, língua desconhecida em Goa. E quem se afirme cada vez mais como «anti-indiano»: «Goa é diferente», afirma peremptório Anthony Fernandes, um outro jovem, trabalhador numa empresa de telecomunicações.

Mas diferente em quê? A ouvir Nagesh Karmali, poeta e escritor hindu, membro dos chamados Combatentes pela Liberdade, um movimento que lutou contra o regime português, Goa não é diferente em nada do resto da Índia. «Somos social, étnica, cultural e racialmente os mesmos», dizia ele ao EXPRESSO, sentado na cadeira de baloiço da sua casa. Anti-português que fala português perfeitamente, Karmali tem no escritório da sua casa a colecção completa das obras de Fernando Pessoa em português - «porque a sua poesia é universal». Mas o legado português, resume, «não foi nenhum e limita-se às casas e à arquitectura».


AMEAÇA As antigas várzeas onde desde sempre se cultiva o arroz estão agora em perigo de se transformarem em condomínios de luxo para fins turísticos


Narana Coissoró, goês de origem há muito radicado em Portugal, diz o contrário: «Existe uma goanidade, uma identidade goesa forte.» Na sua opinião, ela baseia-se no facto de desde cedo ter tido uma estrutura ocidental de Estado moderno, completamente diferente do que acontecia no resto da Índia e de o Código Civil ser aplicado no território desde finais do século XIX a toda a população, mesmo a hindu. «A 18 de Dezembro de 1961, Goa era administrada totalmente por goeses», afirma ainda, enquanto acrescenta a rir que, em Goa, «até os brâmanes comem carne».

Goa testemunha agora um consenso alargado de que está em perigo. Dos saudosistas lusonostálgicos aos nacionalistas hindus que vandalizam património português de picareta na mão, e até entre as gerações mais novas, há um sentimento geral de pessimismo, de receio perante os novos desafios. Para Vivek Menezes, escritor goês formado nos Estados Unidos, Inglaterra e França mas que optou por ir viver na sua terra-natal, o futuro não se afigura tão mau assim. «Goa foi o epicentro da primeira vaga de globalização, versão 1.0», afirma, comendo um bife no arejado primeiro andar do Clube Vasco da Gama, em Pangim. «500 anos depois, estamos do lado dos perdedores nesta globalização 2.0, mas temos excelentes condições para criarmos a versão 3.0», diz, sublinhando o facto de um movimento local, como o Goa Bachao, estar a provocar repercussões e atenção a nível nacional e mesmo mundial.

Reportagem de Luísa Meireles (textos) e Luiz Carvalho (fotografias), enviados à Índia, com Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli


A autonomia goesa através dos tempos

Século XI
A dinastia goesa dos Kadamba separa-se de outros reinos e governa Goa, com grande autonomia


1629
Entre a saída e a chegada de um novo Vice-Rei, a administração da Índia Portuguesa passa a caber a Conselhos de Governo locais, que incluem goeses

1787
A Revolta dos Pintos, engendrada por padres goeses de ideais republicanos, é abortada pelas autoridades coloniais


1821
Caso único no Ultramar, a Índia Portuguesa passa a ser representada por deputados goeses em Lisboa


1835
Bernardo Peres da Silva é proclamado governador, sendo o primeiro e único goês a ocupar essa posição


1866
O deputado Francisco Luís Gomes publica a sua obra «Os Brahamanes», em que se reflecte um emergente sentimento nacionalista


1928
Com a fundação do Goa Congress Committee, por Tristão de Bragança Cunha, inicia-se o movimento anticolonial a favor da integração na Índia


1945-61
Alfredo de Mello, deputado em Lisboa, e os intelectuais do Círculo de Margão, liderados por António Bruto da Costa, defendem a autonomia ou independência de Goa


1967
Em referendo, a maioria dos goeses vota contra a integração de Goa no estado vizinho do Marástra


1987
Após maciças campanhas de protesto, o Parlamento da Índia reconhece oficialmente a língua concani e Goa como estado

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Aldrabando: Jornais em segunda mão

Consta que na papelaria central de Connaught Place, onde se acede à maior oferta de imprensa internacional, há jornais em segunda (ou terceira e quarta) mão a serem vendidos como novos. Prova: num Nouvel Observateur o Sudoku vem preenchido e alguns artigos vêm anotados. Cortesia, provavelmente, de um qualquer entediado passageiro francês, de um empreendedor empregado de limpeza aeroportuário e de um pouco escrupuloso dono de papelaria.

Imagens de Deli: Trânsito

O mundo lusófono em Nova Deli

Alunos durante uma das sessões

Como terão acompanhado por aqui, coordenei em conjunto com o João Pedro Faustino (leitor do Instituto Camões) um curso sobre "The Lusophone World: Social, Cultural and Political Aspects" na Universidade de Deli.

Durante quinze sessões, entre Setembro e Fevereiro, demos a conhecer a mais de cinquenta estudantes e investigadores indianos, a realidade social, cultural e política do mundo lusófono, cobrindo não só os sete países de expressão oficial portuguesa, mas também assuntos como a CPLP, as comunidades portuguesas, as comunidades lusófonas não-soberanas e as relações entre a Índia e o mundo lusófono.



O grupo de alunos, comigo e o João Pedro ao meio

Na maioria das sessões contámos com a presença de convidados de vários países lusófonos. Foi o caso da Priscila Tróia, uma brasileira directora de um centro de cultura latina, do Filipe Honrado, conselheiro económico na Embaixada de Portugal, da Elisa, estudante moçambicana na Universidade de Deli, do Miguel Costa, jovem profissional português em Gurgaon, da Marilda Batista, professora brasileira na Universidade Jawaharal Nehru, entre outros.

Na sessão de encerramento, há uma semana, entregámos mais de vinte certificados a todos os alunos que assistiram a dois terços das sessões e que entregaram um ensaio final sobre um tema relacionado com a lusofonia. Para nos falar brilhantemente sobre "India, Portugal and the Lusophone World: Past, Present and Future", esteve presente a ex-embaixadora indiana em Portugal, Madhu Bhaduri. No final, foi exibido um documentário sobre Timor-Leste.

A Embaixadora Madhu Bhaduri, durante a entrega de certificados

Foi um curso organizado praticamente a custo zero e que partiu da nossa iniciativa voluntária (e não-remunerada). Foi um curso, ouso dizer agora, em balanço, que promoveu a imagem de Portugal de uma forma inestimável.

Um guineense em Nova Deli

Liga-me ontem alguém da Foreign Students' Association: "ligou alguém a perguntar pelo teu contacto, mas não fala inglês".

24 horas depois, encontro-me com o Juvenal Cabral, jornalista da Televisão Pública da Guiné-Bissau, frequentando um curso livre sobre jornalismo no Indian Institute of Mass Communication (vizinho à minha universidade). Na Embaixada da Índia, em Dakar, tinham-lhe prometido que iria ter tradutor à disposição, mas, uma vez chegado a Nova Deli, deparou-se com uma terrível barreira linguística: o curso inteiro ministrado em inglês e ele reduzido à língua de Camões. E quatro longos meses indianos e anglófonos à sua frente, longe da mulher e dos filhos.

Sem representação diplomática guineense em Deli, soube pela nossa Embaixada da minha presença e, por via de mais duas ou três coincidências, conseguiu ligar-me. Estava a passar um mau bocado, disse-me. Um passeio pela minha universidade, um chá, umas apresentações a demais estudantes estrangeiros e, acima de tudo, uma bela conversa lusófona e benfiquista, fizeram toda a diferença. Para mim também, foi um prazer redescobrir a África lusófona aqui em Deli, depois dos dois fraternais anos passados em coabitação com o Chacate, de Moçambique.

Entre um "sinto saudades da minha terra" e um "obrigado, hoje já me sinto mais desanuviado", despedi-me e ficou combinado um almoço (bacalhau, é claro) em minha casa. Já iniciava eu a aceleração da minha vespa quando o Juvenal exclama, mãos no ar: "avisa o nosso resultado amanhã, ok?".

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Do Porto para Wall Street, via Índia (Expresso)

Aqui vai mais uma peça minha, no contexto da orgia indiana que assolou a imprensa portuguesa em Janeiro passado, sobre um dos poucos portugueses que por aqui se aventuram, o meu amigo Miguel.
Expresso, Revista Única, 20 Jan. 07, edição 1786

Do Porto para Wall Street, via Índia

Levou na mochila Vinho do Porto, latas de sardinha e computador portátil. A 12 mil quilómetros do sítio onde nasceu, Miguel Costa ganha menos do que colegas seus em Portugal mas viu isso como um investimento

‘CASUAL DAY’. Às sextas, Miguel troca o fato e gravata por algo mais informal. Vai sempre de riquexó para o escritório


Miguel Costa engole a chamuça e lambe os dedos. Balbucia algo em hindi para o vendedor ambulante e entrega-lhe duas rupias (quatro cêntimos), enquanto, ao seu lado, num baldio, uma vaca remexe no lixo. Ao fundo, emergem três brilhantes torres, sedes de multinacionais. Estamos em Gurgaon, um subúrbio da capital indiana, Nova Deli. Este é um dos centros do milagre económico que é a Índia desde 1991. Há um ano que o portuense Miguel Costa, de 23 anos, também faz parte desse milagre.

«Isto há dez anos era só uma aldeia», nota, observando as torres que parecem ter emergido do nada, rodeadas por arruamentos inacabados e alguns campos trabalhados por agricultores resistentes aos ventos da globalização. Tal como Gurgaon, também Miguel vive uma fase turbulenta da sua vida.

Em Fevereiro de 2006, Miguel era só mais um recém-licenciado pela Faculdade de Economia do Porto, com «uma média baixa, 12». Agora está a 12 mil quilómetros, na Índia, a preparar-se para viajar para Nova Iorque. É lá, longe das vacas e das torres indianas, mas também da sua casa na Maia, que irá aconselhar um gestor de um dos dez maiores bancos de investimento do mundo. «É mesmo em Wall Street, já confirmei o código postal», sorri orgulhosamente.

Miguel trabalha na Evalueserve, a empresa pioneira no «outsourcing» de processos empresariais baseados no conhecimento, com 1400 empregados. «Há médicos, economistas, advogados e engenheiros, de todo o mundo. Recolhemos e analisamos dados de vários segmentos de mercados para clientes de todo o mundo», explica. Miguel entra antes do meio-dia e sai depois das dez da noite. Deu-se bem - e o cliente pediu à empresa para que lhe renovasse o contrato e o enviasse para os seus escritórios.


ALMOÇO. Miguel começa a trabalhar ao meio-dia e sai depois das dez da noite

Choque cultural

Tudo começou quando uma oferta de emprego da Evalueserve cativou o interesse de Miguel na Internet. «Queria mudar de ares. Estava farto da minha vidinha. E a Índia, como potência emergente, oferecia-me boas garantias para o meu futuro», explica.

Ao receber uma resposta positiva da Evalueserve, a comida picante, o choque cultural, o tórrido Verão de Deli e os potenciais riscos associados a uma vida na Índia não o impressionaram. Nem a oposição da mãe. Poucos dias depois, descolava do Aeroporto Sá Carneiro em direcção à Índia. Na sua mochila iam alguma roupa, o computador portátil, umas latas de sardinhas e duas garrafas de vinho do Porto.

«Estou a viver num país complicado e estranho e ganho menos do que muitos dos meus colegas que estão em Portugal. O choque da chegada também foi assustador», admite. «Mas é tudo uma questão de hábito», acrescenta logo. Não houve tempo para ter medo. Menos de vinte e quatro horas depois de ter aterrado no Aeroporto Internacional Indira Gandhi, já tinha ido às compras com novos amigos, conhecido a sua futura namorada, a francesa Marguerite, e sido apresentado na empresa. «Mergulhei e comecei logo a trabalhar», lembra.

Desde então, Miguel embarca todas as manhãs, de fato e gravata, num riquexó verde e amarelo, em direcção ao seu escritório. Às sextas-feiras a empresa autoriza uma vestimenta mais informal - é o «casual day» - o que tem o benefício de atrair menos pedintes nos semáforos.

«Se eu quisesse viver melhor agora teria ficado no Porto», sublinha. É talvez por isso que repete várias vezes que não lhe interessa o dinheiro e se recusa a dizer quanto ganha. Miguel partilha um quarto com a namorada. O que resta do salário no fim do mês é gasto em pequenos fins-de-semana nos Himalaias. Sempre em autocarros e nos hotéis mais baratos, como um indiano da classe média ou baixa.

Para Miguel, esta é «uma estratégia racional e calculada». «Estou a construir uma carreira para chegar aos 30 e ser dono do meu destino. Quero ser eu a dizer onde e como quero trabalhar e quanto quero ganhar. Os meus colegas saem da faculdade e querem ganhar logo 200 ou 300 contos. Mas a maioria fica-se por aí e nunca chega a dar o salto com que tanto sonha» - para Wall Street, entenda-se. «Estar cá é um investimento», sublinha, no seu sotaque nortenho.

Reportagem de Constantino Xavier (correspondente) e Luiz Carvalho (fotografias), enviado à Índia

Como é a vida na Índia

Antes de ir para a Índia é conveniente documentar-se sobre o país, para não sofrer um choque cultural à chegada. No que diz respeito ao emprego, podem ser encontradas ofertas em portais da Internet como os http://www.iagora.com/ , http://www.emploi-international.org/ ou http://www.monsterindia.com/. A fluência em inglês é obrigatória. Em projectos com um país específico, valoriza-se o conhecimento da sua língua e cultura empresarial. Noutras áreas privilegia-se a formação em gestão, finanças e «marketing». A empresa faz uma série de entrevistas telefónicas para testar os conhecimentos do candidato, que, a ser aceite, receberá uma carta de aceitação e um contrato, que deve assinar, para requerer o visto de trabalho na Embaixada da Índia em Lisboa (cerca de 80 euros).


Como se vive

O salário médio situa-se entre os 400 e os 1.000 euros mensais, consoante a actividade. Em Gurgaon, o aluguer de um quarto custa 100 euros (em Bangalore ou Chenai chega a ser metade). A alimentação não passa dos 10 euros/dia. Um bilhete de cinema custa dois euros e uma ligação à Internet 15 euros/mês. As empresas internacionais têm, geralmente, dezenas de empregados de diversas nacionalidades, o que cria um ambiente cosmopolita. As despesas com a saúde são reduzidas, mesmo nos hospitais de luxo. Uma consulta com um especialista custa oito euros.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Imagens de Deli: Vendedor de especiarias

Protesto II

Esta noite, numa manifestação estudantil pela "cultura democrática e contra a administração da universidade", no campus da JNU:
El povo, unido, jamas sera vencido!
The people, united, shall always be victorious!

Protesto I

Esta noite, numa manifestação estudantil pela "cultura democrática e contra a administração da universidade", no campus da JNU:
Ho, Ho, Ho Chi Minh!
We shall fight, we shall win!

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Imagens de Deli: Leiteiro

Redescobrindo: Querala

A rainha do Malabar, a região onde aportaram Vasco da Gama e demais nevegadores portugueses, chama-se e escreve-se, no meu entender, Querala (e não Kerala). Eu ainda hesitava em substituir o K por um Qu, mas, como todos sabemos, em bom português não há k nenhum. Há, no entanto um problema. Querala em português é, muitas vezes, lido com ênfase na primeira sílaba (quer-ála), o que é errado pelas nossas próprias regras, mas também se tivermos em conta a pronúncia indiana, que afoga a segunda e terceira sílaba. Deve-se, portanto, dizer algo como que-rála, mas sem pausa, enfatizando (embora o menos possível), a segunda sílaba.

Um dálita e um brâmane

Há experiências de vida que são impagáveis e que me escapam mesmo aqui, em Deli. Durante o curso de investigação sobre métodos em migrações, no CDS, em Trivandrum, partilhei o quarto com mais dois colegas. Um dálita, ou "intocável", convencido de que a religião é a fonte de todos os males e condenando incessantemente as castas altas por minarem a harmonia social indiana. Outro brâmane, fiel observador dos ritos sagrados hindus. Comigo pelo meio, imaginarão a magnitude, a intensidade e a riqueza dos debates com que premiámos todas as noites.

Samjhauta Express / Schadenfreude

Veio mesmo a calhar para alguém em Islamabad.

Citações de Deli: Dalit reservations

Estas duas frases escondem a complexidade de todo um país que, pela sua diversidade, mais se assemelha a uma civilização inteira.

"The National Commission for the Scheduled Castes has rejected the demand for reservation for the Dalit Muslims and Christians on the ground that untouchability — the main criteria for reservation for this community — was peculiar to Hindu religion only. (...) However, Mr. Vaghela clarified that Sikh and Buddhist Dalits were entitled to reservation because both these religious sects were considered part of Hinduism under the Constitution."

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Quanto custa uma empregada na Índia?

Jasmina has been a member of India's child labor force for more than a year now. After her father died, her mother sent her and her sister from their West Bengal village to work as maids here. Each month, she is paid 100 rupees, or $2.25.

É, no entanto, frustrante observar que este tipo de artigos acaba, quase sempre, no mesmo tom: "...she said she dreams of another life. "I'd like to be at school," she (Jasmina) said with a crooked smile, swinging her spindly legs. "I want to be a teacher."
Menoriza e desvaloriza todo o restante artigo e empacota a sua mensagem principal de uma forma tão sentimental, clássica e típica que quase elimina qualquer impacto prévio porventura alcançado no leitor.

Imagens de Deli: Assinatura de contrato

Processo burocrático aquando da nossa assinatura de contrato de arrendamento de apartamento, em Janeiro último. Uma manhã inteira, dezenas de impressões digitais e assinaturas, muita papelada e pouca paciência.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Redescobrindo: Chenai

Há quem ainda prefere o clássico Mádras ou Madrasta, ou os que, como sempre, sucumbem ao anglicismo de Chennai. Eu, cá por mim, prefiro e sugiro Chenai, pura e simplesmente. Embora, respeitando a fonética indiana, em português, algo como Tchéné fosse mais correcto.

Aldrabando: Livros falsos

Não que os livros sejam falsos, no sentido de serem cópias ilegais (também o há, é claro). Mas nos semáforos de Deli, há sempre crianças e jovens que nos vendem livros, geralmente romances bestsellers em inglês. Vêm sempre cuidadosamente empacotados numa capa de plástico. Não por causa de um qualquer tique higiénico dos vendedores. Simplesmente porque, em muitos casos, os livros são defeituosos, faltando-lhes partes inteiras. Na pressa do "vermelho quase verde", é normal que os compradores não se dêem ao trabalho de abrir o livro e de verificarem se ele se encontra mutilado ou não. Assim, não é raro levarem para casa um livro que termina abruptamente numa página x, ou em que falta um qualquer capítulo no meio. Um livro falso, portanto.

Imagens de Deli: Advocate

Num notário no sul de Deli, um advocate espera por clientes, ao sol matinal. Basta um diploma qualquer tirado numa instituição qualquer numa década qualquer, uma cadeira, uma malita, uma garrafa de água, e um casaco e uma gravata.

Uma nação de rosto corado (Expresso)

Quase que me ia esquecendo de partilhar aqui convosco esta minha peça que trata de uma temática sempre muito cativante para quem lida com a Índia. Uma temática que merece ser tratada em livros, mas que, por razões óbvias, fui obrigado a tratar num espaço muito limitado (em todos os sentidos).


Expresso, Internacional, 1785, 13 Janeiro 07


Uma nação de rosto corado

Centenas de esculturas eróticas pontuam os templos hindus de Khajuraho, símbolos de uma sensualidade entretanto esquecida e rotulada de anormalidade ocidental

No final de 2006, a Índia festejou efusivamente o segundo lugar alcançado por Santhi Soundarajan nos 800 metros femininos dos Jogos Asiáticos. Mas, quando poucos dias depois o Conselho Olímpico da Ásia anunciou a desqualificação da atleta, por esta ter falhado num teste médico que visava confirmar o seu sexo, o país inteiro reagiu com um profundo silêncio. Soundarajan foi, mesmo assim, condecorada pelo Governo do seu estado, recebendo um prémio de cerca de 25 mil euros. O facto de a medalha de prata já não estar na sua posse foi, simplesmente, ignorado.

O silêncio envergonhado compreende-se à luz dos estigmas que rodeiam a sexualidade na Índia. Longe vão os tempos do ‘Kama Sutra’, a obra em que o filósofo indiano Vatsyayana descreve centenas de práticas sexuais, ou o período em que foram construídos os templos hindus de Khajuraho, decorados com centenas de esculturas eróticas.

A Índia sensual, em que o amor era celebrado de forma divina, deu lugar a uma Índia em que a intimidade física, o desejo e o prazer são vistos como uma anormalidade importada do Ocidente. “Qualquer debate público sobre questões de sexualidade é imediatamente ridicularizado ou hostilizado”, lembra o jovem Partha Pratim Shil, fundador da associação para as questões sexuais - «Parwaaz» -, da Universidade Jawaharlal Nehru. “Vivemos asfixiados entre os partidos nacionalistas, que nos acusam de promovermos valores ocidentais e anti-indianos, e os partidos de esquerda, que nos acusam de exagerarmos um problema marginal e elitista”.

Polícias contra namorados

Todos os anos, no dia de São Valentim, saem às ruas não só namorados, mas também centenas de manifestantes nacionalistas hindus que acusam a celebração de ser um “insulto à cultura e ética indiana”. Não são raras as ocasiões em que polícias passam parques públicos a pente fino para agredirem e insultarem jovens casais partilhando momentos mais íntimos.

Já os milhões de espectadores da indústria cinematográfica de Bollywood só raramente assistem a um beijo na tela. Resultado do longo período de domínio islâmico no Norte da Índia, bem como do colonialismo britânico e dos seus valores vitorianos, este puritanismo social tem, contudo, elevados custos.

Estima-se que só um em 70 crimes de violação é denunciado às autoridades policiais. Dos acusados - nos raros casos em que as mulheres decidem enfrentar o estigma público de um processo judicial -, só 20% são condenados. A média de idade de matrimónio para as mulheres - pouco mais de 18 anos - reflecte o hábito de casar menores à força.


O elevado dote que os pais da noiva são obrigados a pagar ao noivo conduz à prática maciça de abortos e a que, em certas regiões, por cada mil crianças do sexo masculino, nasçam menos de 800 do sexo feminino. Em estados mais pobres, o preço de uma menor chega a ser três vezes inferior ao de um mero búfalo.

O estigma aplica-se também aos homossexuais. Embora a comunidade dos hijras, eunucos que assumem a identidade de uma divindade feminina, seja parte integrante do sistema hindu de castas há séculos, a homossexualidade é severamente punida como comportamento público. O próprio código penal mantém em vigor uma lei, datada de 1860, que criminaliza práticas sexuais ‘contra a ordem da natureza’.

A falta de educação sexual também tem provocado graves problemas de saúde pública. A Índia é o país do mundo com o maior número de infectados com o vírus da sida - mais de cinco milhões de pessoas - e quase 90% das transmissões dão-se pela via sexual.

Para Mahesh Nawal, dirigente da Associação Nacional de Sexologia, é tudo uma questão de sensibilização. “Mais de 70% dos problemas dos meus pacientes explicam-se com a falta de informação, fruto de inúmeros tabus e mitos que assolam a sociedade”, refere o médico. Entre os camionistas de longa distância reina, por exemplo, a crença de que a prática de relações sexuais com uma virgem serve de antídoto contra o vírus da sida.

Com as reformas económicas dos anos 90, e a rápida ocidentalização da sua sociedade, a Índia está contudo a passar por uma fase de grande mudança. O sucesso de revistas orientadas exclusivamente para públicos femininos ou masculinos, os novos hábitos de consumo e a emergente vida nocturna entre as gerações mais novas, especialmente nas metrópoles, têm ajudado a promover o debate.

Nawal alerta, no entanto, para o perigo de efeitos secundários: “As estrelas e modelos ocidentais que aparecem estilizadas nas revistas e na televisão passaram a servir de critério de comparação e isso tem graves consequências a nível psicológico”.

Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli

Imagens de Deli

Notas soltas

Na revista Atlântico deste mês, para além da habitual Passagem para a Índia, há ainda duas Notas Soltas (A Atlântico em Deli I e II) deste correspondente.

Reality Check (Atlântico)

Excerto da minha crónica Passagem para a Índia, na revista Atlântico deste mês de Fevereiro, ainda nas bancas.

"Não há dúvida que algo se passa a Oriente e, no caso indiano, é impossível negar o relativo sucesso do seu sistema democrático ou negligenciar o seu crescimento económico e a sua ruidosa voz no panorama internacional. Mas ao abrirmos os olhos para a Índia, e para esse admirável mundo novo que, na realidade, tem idade para ser o nosso tataravô, convêm que o façamos de forma moderada. Sair da escuridão do armário para enfrentar a luminosidade do mundo, pré-, pós-, ante-, sub-, ou o que quer que ele seja, é um processo doloroso porque nos cega. A solução estará algures entre o defensivo oito dos conservadores do Restelo e o histérico oitenta dos catastrofistas que anunciam o fim do nosso mundo e o início de um novo, o dos Outros."

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Imagens de Deli: Músicos de casamento

Escritório de um grupo de músicos especializados na animação de festas de casamento e de outras festividades. O manequim veste a farda típica.

64 horas de comboio

Andava eu convencido que as 36 horas de comboio que fiz entre Goa e Jaipur, em 2002, eram um limite humanamente inultrapassável. Já sabia do famoso Himsagar Express que, uma vez por semana, demora quase 75 horas a cobrir a distância entre Jamu e Kanyakumari (Cabo Camorim), unindo a Índia de Norte a Sul. E até tenho planeado, por várias vezes, embarcar nele e escrever uma reportagem sem precedentes para a imprensa portuguesa. Mas não deixava de ser um sonho e um mito: só um louco se submeteria a tal experiência.

Foi com espanto, portanto, que um meu colega do curso da semana passada, me disse que ele tinha passado 64 horas no comboio, de Lucknow até Trivandrum. Mais impressionante ainda é o facto de ter embarcado novamente, cinco dias depois, no mesmo comboio, na direcção contrária. Tudo com a maior naturalidade possível, como se de uma curta viagem de metro se tratasse. Os comboios na Índia não se limitam a um meio de transporte epifenomenal. São um mundo em si, em que se vive viajando.

Chuva

Curioso e anormal: há dez dias que vai chovendo, de vez em quando, e as temperaturas voltaram a descer. Chuva em Deli é uma raridade, mesmo nas monções. Por isso, reina aqui um espírito de férias. Ainda por cima com o feriado e o fim-de-semana comprido de amanhã.

Aterrar em Trivandrum

Deveria ser "Aterrar em Thiruvananthapuram". É esse o nome oficial da cidade, depois de ter sido alvo de mais um revisionismo histórico. Aprendam, que é fácil: Thiruv-anantha-puram. Mas o que me interessa descrever aqui é a vista aquando da aterragem. O Kerala abraça-nos, ao primeiro encontro, com os seus imensos e verdejantes palmeirais, com um mar quente e azul e com altos e luxuosos minaretes, em memória dos petrodólares que continuam a chegar do Golfo.

Imagens de Deli: Carl

O meu primo Carl, de Goa, numa loja de roupa no INA Market.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

A/F

Os carros de diplomatas, aqui em Deli, costumam ter uma matrícula azul. As viaturas adquiridas recentemente ostentam só uns poucos dígitos e um misterioso "A/F". Durante dois anos, os meus amigos e conhecidos indianos explicavam-me que eram as iniciais para "Ask For". Isto é, o A/F intimidava as autoridades policiais a parar o condutor e a inquirir sobre o estado da viatura e o seu estatuto legal. Na verdade, disse-me recentemente um diplomata estrangeiro, A/F significa "Applied For". Às vezes a interpretação de duas simples letras reflecte toda uma subjectividade diferente.

De volta

Estou de volta à capital e de volta à vida em Deli. Uma semana muito produtiva em Trivandrum, no CDS, seguida de dois dias na nova casa em Goa.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Imagens de Deli: Lodhi Gardens

Southwards

Sigo amanhã para a ponta Sul deste país, para o Centre for Development Studies em Trivandrum, Kerala. Entre avião (4 horas) e comboio (55 horas) a escolha foi óbvia, embora a magra carteira tenha registado o seu protesto. Fui seleccionado para participar num curso intensivo sobre métodos e investigação em migrações internacionais. Uma temática que, como já devem saber, concentra os meus esforços académicos. Na volta, breve paragem em Goa. Por isso, contem com menos actualizações desta vida em Deli, pelo menos durante os próximos sete dias.

Deli, horizontes e Teerão

Num artigo muito fraquito, uma frase que não deixa de esconder muita, mas nem toda a verdade.

Pakistan's anti-Iranian posture will drive India closer to Tehran, since Delhi never sees much farther than its own troubled borders.

Modernidade

Nós, na Europa, vemos a modernidade como fazendo parte do passado. Desprezamos a modernidade. Estamos constantemente a procurar vias que nos permitam negociar novas e plurais modernidades. Ser moderno é ser cinzento, conservador, ultrapassado. A modernidade constrange.

Aqui, por mais rodeado que eu esteja de intelectuais indianos que advogam o contrário, sinto que o acesso à modernidade, pelo menos para a grande população, ainda é um privilégio. A modernidade liberta. O problema é quando os interlocutores indianos ignoram estas concepções e aplicações espacio-temporais diferentes do conceito de modernidade vigente no Ocidente. Quando as elites indianas, influenciadas e às vezes patrocinadas pelos nossos intelectuais, começam a olhar para a modernidade com desprezo, esquecendo que ela representa, muito provavelmente, a única via libertadora para a maioria dos indianos.

Não é por acaso que os activistas dálitas ("intocáveis") seguem o seu líder histórico Ambedkar e insistem muitas vezes em vestirem um fato com gravata no espaço público, como no caso das campanhas eleitorais aqui na JNU. O fato e a gravata ajudam-lhes na libertação do sistema pré-moderno, assolado de hierarquias e tradições, especialmente estéticas. Parece tudo um pouco ridículo aos nossos rebeldes olhos europeus, em que impera a era casual. Mas é assim, aqui. Outro espaço, outro tempo.

Imagens de Deli: Soneca

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Remodelação

A caminho de completar três anos, esta Vida em Deli estava a precisar de uma ligeira remodelação gráfica.

Euforia Tata

Reparar em coisas

Reparei hoje no seguinte. Em Portugal, quando ando com um atacador solto, em espaços públicos, é raro alguém me chamar à atenção para o facto. Não sei porquê, mas aqui na Índia, sempre que tal acontece, há imediatamente alguém a avisar-me. No entanto, tenho a sensação que, ao contrário do que se passa em Portugal, se aqui andasse pela rua com uma saia amarela ou com uma peruca fluoroscente, ninguém repararia sequer.