quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

Republic Day

A 26 de Janeiro de 1949 entrou em vigor a Constituição da União Indiana. Desde então essa data é marcada com grande pompa na mais larga avenida da capital Nova Deli, com uma parada militar impressionante. É o Republic Day. Estive presente, numa das primeiras filas, entre milhares de jubilantes indianos.

Não há muitas palavras – nem eu tenho os suficientes conhecimentos técnico-militares – para descrever como o arsenal indiano e a disciplina patriótica indiana são grandiosos. Por mais imune que se seja à nacionalista ideia indiana ou por mais alérgico a militarismos este é um daqueles eventos que impõem respeito e nos deixam a maior parte do tempo de boca aberta.

Tanques, aviões, arrebenta-minas, ultra-leves, infantarias, helicópteros, batalhões de camelos, cavalaria e claro os magnânimos mísseis nucleares ("Prithvi" e "Agni"; começem a familiarizar-se com estes nomes que em breve poderão estar a voar por aí) desfilaram à minha frente, bem como o Presidente da Índia, o Primeiro-ministro, os Comandantes das Forças navais, aéreas e terrestres etc., milhares de homens armadas alinhados milimetricamente.

A Força aérea impõem sempre mais respeito. Imaginem dois caças Mig russos a serem reabastecidos no ar por um avião-tanque enorme, em cima das vossas cabeças, em Janpath ou na Avenida de Liberdade. Um Suhkolev russo a fazer uma manobra supersónica que vos faz sentir zonzos, numa sucessão de acrobacias até desaparecer na altitude imensa que nos separa dos céus.

Estamos a falar de um exército de um milhão de homens, de uma força aérea com capacidade nuclear e de uma marinha que é das cinco maiores do mundo. Se fosse uma pessoa, num dia primaveril, a Índia certamente comeria 5 Portugais ao pequeno almoço e uns 8 ao almoço, arrotando umas 4 Lisboas e 3 Portos pelo meio.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

A colega (II)

Vou com o Chacate a Ganga Dabha, a esplanada nocturna da JNU em que se luta com as vacas por um lugar sentado e se pisa em pequenos ratitos roendo restos de apas. Passa já da meia-noite.

Toca o telemóvel. Não reconheço o número.

- Hello?

- Hi Tino!

- Hi... who is speaking?

- I think you are very cute, you know? (risos de uma segunda voz feminina ao fundo)

- What? Thank you. Who is speaking?

- Where are you?

- I am at Ganga Dhaba.

- (silêncio e uma exclamação de surpresa ao fundo) ... What are you doing?

- Will have dinner. Can you tell me who is speaking?

- P…

- Who? Do I know you?

- Yes, you are in my class. You don't remember me?

(fico inseguro, pode ser uma amiga a que eu supostamente devia ter reconhecido imediatamente a voz)

- P...? Ok, but which P…? From Rajasthan?

- No, the other one. From A…

- Ah… ok!

- Can I come and have dinner with you?

- (Estou farto) No, I'm sorry, have to go now.

- Wait please (oiço várias vozes ao fundo, de pessoas).

Ao meu lado, enquanto ando na esplanada, vejo o pequeno estabelecimento com várias cabines telefónicas. Penso um segundo. Vejo que o número de que me ligam é de dentro da universidade, rede fixa. Decido arriscar. Entro.

- What are you doing?

- Nothing, just walking with my friend.

Estou dentro do estabelecimento. Só há uma cabine a ser utilizada, por duas raparigas, de costas para mim.

- Hey, why are you so silent?

- Look back (a minha cara está muito séria, não sei porquê)

Elas viram-se. Mas nem chegam a olhar-me na cara. Percebem antes de terem terminado o movimento, interrompem-no, voltam a mostrar-me as costas, mas agora um pouco agachadas.

(a chamada é interrompida)

Abro a porta da cabine (de vidro). Elas não se voltam.

- It's ok, I know it was you calling me. Very funny. But next time please give your real name.

Elas não se viram. Teclam estonteantemente números ao acaso, interrompem as ligações, recomeçam, em pânico visível. Não se viram. Não me falam.

- Good night.

Saio, vou ter com o Chacate que me espera para jantar apas e caril.

Segundo Semestre (Winter Semester)

Estou de volta a Deli e a vida continua. Inscrevi-me em cima da hora, na semana passada e ontem recomeçaram as aulas. Escolhi quatro cadeiras (mínimo obrigatório) entre as cinco à disposição:

Problems of International Relations
Political Thought II
International Organization
Political Geogrpahy

Vi também as minhas notas do primeiro semester e estou bastante satisfeito. A Political Thought tive A-, a Indian Political System B+ e a Indian Foreign Policy um estonteante A+. Falta ser lançada a nota a Theory of International Relations.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2005

Animal ridículo

Que animal ridículo. Auto-proclamado animal da noite. Mas dança de tarde. Na praia. De Goa. É um jovem turista indiano. Bêbado, descontrolado, histérico, vivendo do fértil imaginário que Goa representa hoje para os indianos. Party, grita. Party! Party! Party! Goaaaaaa! Planta-se em frente às brancas monstras europeias com os seios à mostra. Acho que o vejo babar-se. Salta para a água nas cuecas transparentes. Olha para as goesas que estão de biquini. Chovem comentários obscenos. Tenta apalpar. A minha Goa.

Dois monstros

Ele de costas para mim. Ela de lado. Os dois, dois monstros brancos. Sentados à mesa. Um sorriso imperialista, mas cheira a mofo. À volta os castanhos serventes. Recomendando. Oferecendo. Pedinchando. Um garfo espetado na carne vermelha. Uma palmadinha branca nas costas morenas reluzentes e salgadas. Condescendência. De alguém com as costas submissamente em sangue, abertas, torradas pelo sol do Trópico de Câncer. Para inglês ver. Uma gorjeta saborosa e humilhante. Na minha Goa.

You don't speak Konkani?

Quero o bus to Quepem. Visitar o meu primo. Mas há muitos, e muitas peixeiras pelo meio. Cheira bem. Ao meu lado o meu amigo francês. Pergunto pelo bus certo.
- Where is the bus to Quepem?
Não percebo a resposta.
- Where?
- You don't speak Konkani?
-No, English please.
Na minha Goa ainda estou longe de ser goês. Que vergonha, que humilhação.


Um dos últimos autocarros

É dos últimos autocarros do dia. Mas nem é o último. Muita gente, centenas. Afinal, é Dezembro em Goa. Madgao, Madgao, Madgao, berra ele. O autocarro ferrugento aproxima-se. As massas aproximam-se, às dezenas. O veículo ainda se movimenta, mas alguém já abriu a porta e escala em busca de um lugar sentado. Um cacho de pessoas, empurrões, cotoveladas, pelo meio vejo crianças, uma grávida, um bebé de colo. Em busca de um lugar sentado. Gritos histéricos. Ganham os mais fortes. É a lei da selva. O bébé cai dos braços da mãe. Continua. Um cacho de pessoas, empurrões, cotoveladas, pelo meio vejo crianças, uma grávida, um bebé de colo. Em busca de um lugar sentado. Hoje, todos os dias são assim. Mas naqueles dias acho que não era assim. É o que dizem, à minha volta.

Não posso (A minha Goa)

As minhas desculpas. Negligenciei este cantinho. Simplesmente, estive na minha Goa. E vocês, escreveriam aqui sobre o que mais amam? Vou tentar.