quarta-feira, 31 de maio de 2006

Portugal, o Oriente e o Futuro

ENCONTRO DA PRIMAVERA
"A BEM DA NAÇÃO"

8 de Junho de 2006
20,30 horas

Restaurante "A PATEIRA DA TAPADA"
Tel: 213.622.001.
Tapada da Ajuda - Lisboa

O nosso convidado, Dr. Constantino Hermans Xavier, falará sobre
"Portugal e o Oriente na perspectiva do futuro"

Mais informações:
Henrique Salles da Fonseca - Tel: 213.909.939.; Tlm: 964.030.227.; e-mails: salles.fonseca@oninetspeed.com

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Terceira Passagem para a Índia

Excerto da minha terceira contribuição para a revista Atlântico. Crónica completa na edição em papel, hoje nas bancas e nas caixas de correio dos assinantes.

PASSAGEM PARA A ÍNDIA
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI

NEO-ORIENTALISMO

Jonas não é só um jovem sueco que percorre as ruas de Jaisalmer,nas profundezas do deserto do Rajastão, entoando cânticos religiosos hindus. É também um símbolo do modo como os países ocidentais olham para a Índia, com um complexo de identidade

Pessoas como Jonas procuram a Índia como um refúgio - uma fuga da família, dos fiordes, mas também da democracia, da igualdade, da modernidade. Jonas vem à procura de uma Índia que
não existe para tentar escapar à sua própria existência. A mesma lógica reina nos movimentos alter-globalização e em certos círculos intelectuais ocidentais. Na sua óptica, o Oriente (ou o não-
Ocidente) representa tudo de bom, tudo o que falta ao Ocidente. A Índia, em particular, representa o genuíno, o autêntico e encarna os valores tradicionais e a espiritualidade. O contraste é tremendo com o Ocidente: este supostamente representa o materialismo, a artificialidade e a falsidade, e tudo o demais considerado negativo. (...) Se há três décadas Edward Said definia o Orientalismo como um instrumento legitimador do colonialismo europeu, hoje em dia, os neo-orientalistas ocidentais vêem-no como uma forma de auto-colonização.

terça-feira, 23 de maio de 2006

Chegada

Chego num Sábado à noite a Lisboa. Depois dos abraços e dos beijinhos, dez minutos depois a nossa viatura aproxima-se da Rotunda do Relógio. Ainda sem me ter consciencializado bem da chegada a Lisboa, observo a seguinte cena.

Um Mercedes dá um toque mínimo nas traseiras de um Polo. Deste, sai lançado um homem de meia idade, com cara cinzenta e ensombrada. Aproxima-se do Mercedes a passos largos, mas calmamente e decididamente. Tudo sem esboçar um som ou uma expressão facial que pudesse descortinar as suas intenções. Abre então a porta do Mercedes, senta-se no banco da frente, fecha a porta com um estrondo, e começa, a poucos centímetros da cara do condutor, aos berros, movimentando os seus punhos de forma ameaçadora. Do Polo, emerge uma senhora de meia-idade também, com um filho no colo e, também aos berros e soluços, pede para o marido voltar.

O sinal fica verde e arrancámos. Estava de volta. Mas, por um momento, hesito. É esta a Lisboa de que tive saudades? É este o Portugal que deixei, há dois anos? É esta a civilização e o tipo de sociedade que quero defender e a que me orgulho de pertencer? Um prenúncio, um símbolo, ou um acaso?

sábado, 20 de maio de 2006

Flughafen Muenchen

Um ano depois, volto para a Europa. Primeira impressao: limpeza, silencio, riqueza.

Um dos fenomenos que mais gosto de observar, em viagem, diz respeito ah tarnsformacao das atitudes dos viajantes e do ambiente, dependendo do local. Por exemplo, no local de partida, sao os nacionais do territorio local que falam mais alto, dominam os movimentos e as accoes, lideram a turba e marcam o ritmo e o ambiente. Ja depois do embarque, e com o decorrer do voo, a situacao transforma-se e comecam a ser os nacionais do pais de destino a ganhar a mao de cima. Eh a sua vez de comecar a falar mais alto, trocar experiencias (e queixas) sobre o pais que acabam de visitar etc. Ja ah chegada, os outrora lideres do pais de partida ficam reduzidos ao silencio e ah irrelevancia, perante os abracos, os risos de felicidade e o natural ah-vontade dos viajantes que chegam a casa. Observo isto especialmente nos voos entre a Europa e a India.

Oito horas separam-me ainda de Lisboa. Mas ja me sinto um pouco em casa. Onde quer que isso seja.

Férias em casa

Quase um ano depois, chegou a altura de voltar a casa e deixar-me, por uns tempos, de coisas delienses. Mas a vida em Deli continua. Só se deslocaliza, por um mês e tal, para Portugal, de onde continuarei a postar. Em Julho repete-se a dose, com mais dois anos de Deli. Até logo, amanhã à noite, em Lisboa!

quinta-feira, 18 de maio de 2006

Imagens de Deli: Katmandu


Painel em frente ao Palácio Real em Katmandu, com uma citação do rei actual, Gyanendra. Cabe ao rei e aos órgãos soberanos do estado velar pelo respeito e pela aplicação dos direitos individuais, humanos e cívicos... Não deveria ser ao contrário? Um caso clássico que demonstra que por estas bandas as prioridades são por vezes bem entendidas mas mal aplicadas. Também na Índia, a democracia fez-se, ou tentou fazer-se, "por cima". Isto é, na concepção sul-asiática, e em muitos outros países pós-coloniais, a ideia de democracia foi compreendida como uma tarefa estatal, um processo pedagógico e de tutelagem benevolente. É, de certa forma, a herança da época colonial. A independência muitas vezes nada mais representou do que uma transferência de poderes, dos colonialistas para as novas elites instaladas. Mas, mais do que as elites, é esta ideia da prepotência estatal que asfixia qualquer projecto democrático, e este painel demonstra-o perfeitamente. Não é com painéis destes que se cria a democracia, num país com metade da população iletrada.

Nepal primaveril

Foi recorrente: várias vezes ao dia, enquanto deambulava pelas ruas de Katmandu, bebia umas cervejas e conversava com jovens, enquanto lia os jornais do dia ou entrevistava pessoas de vários quadrantes, via-me sempre apoderado por um déja vu. Tudo em Katmandu aponta para o que testemunhei há uns cinco ou seis anos atrás na Europa de Leste, especialmente em Belgrado e em Sófia, menos em Bucareste. Países em profunda transição, vivendo uma primavera política, envoltos de incertezas mas de grande activismo político.

Em Katmandu respira-se política, as pessoas coladas aos rádios e às televisões, as edições dos jornais esgotados em segundos, os sucessivos protestos e confrontos, o papel central dos jovens e estudantes. O Nepal, acima de tudo, vive um profundo momento de ruptura, de transição geracional. Os jovens que lideraram o movimento democrático das semanas passadas, as dezenas de vítimas mortais e várias centenas de feridos, são os jovens que testemunharam - ainda adolescentes e passivos - em 1990 o primeiro movimento democrático do país que culminou na monarquia constitucional que agora está por sua vez em crise perante as reivindicações republicanas.

Os jovens que engrossam o movimento actual são também a primeira geração que cresceu numa economia liberal e que foi exposta a valores exteriores - especialmente indianos e ocidentais, por via da televisão e da Internet. Vêm por isso pôr em causa o cerne da questão, o fundamento de toda a ideia do Nepal: o seu isolamento, o seu estatuto periférico, a sua marginalização e a sua condição ensanduíchada entre dois gigantes. Estes jovens vieram forçar novos horizontes e merecem por isso toda a atençao e apoio - especialmente tendo em conta que os maoístas espreitam ansiosamente o poder dos seus bastiões rurais e sub-desenvolvidos e dos seus bastiões ideológicos e anacrónicos.

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Do reino nepalense

Um curto cumprimento, sem utilizar palavras com acentos porque o teclado o me o nega, do vale de Katmandu, no Nepal. Por aqui ando por alguns dias, a falar com as pessoas e a ver se percebo para que futuro se movimenta este alegre povo dos Himalaias e se o seu reino corre perigo de vida.

sexta-feira, 12 de maio de 2006

Diplomacias

Nova Deli é de momento um dos melhores locais para fazer estudos de caso comparativos sobre as variantes e diferenças entre várias políticas externas. O caso mais gritante é uma comparação mediática entre o embaixador francês e seu compatriota norte-americano.

Dominique Girard, o alto representante francês, é presença frequente nas páginas dos jornais. Em especial as revistas cor de rosa e as colunas sociais. Lá aparece ele frequentemente a inaugurar uma prova de vinhos, um ciclo de cinema, uma mostra de iluminuras ou um novo programa de intercâmbio para estilistas. Está lá sempre, com o laço ao pescoço, acompanhado da mulher, empunhando um copito de champanhe e sorridente como se o mundo fosse o avatar material da felicidade.

David Mulford, ao contrário, é homem quase desconhecido por estas bandas. Quase, porque de vez em quando a comunicação social lá consegue pescar uma frase dele, uma nota de rodapé de uma palestra dele, ou um detalhe que alguém soube por via alguém que ele disse quase de certeza. Essas frases são obviamente bombásticas e abrem a actualidade. Mas parece-me que estes “lapsos” não são tão involuntários assim. Acredito que as supostas “fugas de informação” e as afirmações à imprensa mais apimentadas de Mulford (por exemplo, quando interfere directamente nos assuntos internos, ou propõe mesmo recomendações de política externa aos indianos), são fruto de um agenda cuidadosa e meticulosamente preparada e gerida. Isso integra depois, às vezes, um pedido de desculpas oficial que, no entanto, em nada reduz o impacto do que foi dito. Alguma população poderá aceitar e acreditar que foi uma “má interpretação” ou uma “descontextualização”, mas, quem sabe, sabe que o homem passou a mensagem.

Mas voltemos ao contraste: enquanto da boca do embaixador francês pouca coisa sai sobre a real política e economia, para além da balela multilateral, multipolar e multicultiral do costume, o embaixador norte-americano, quando fala (raramente), parte a louça e abre o debate. Obviamente, num país em que a esquerda primordial ainda tem força considerável, percebe-se o alarido. É, por isso, fascinante compreender as diferentes e mesmo antagónicas lógicas que guiam a diplomacia francesa e norte-americana por estas bandas.

quarta-feira, 10 de maio de 2006

Citações de Deli: Rahul Gandhi

“India is rising, but I want to see it compete successfully with every other country, and I want to transform what you see here — poverty. (...) I would like to help these people have the same living standards you have (...) Better than in the West. We’re not here to take (British) jobs, we’re here to empower ourselves (...) We’re a poor country. We have a lot of people in the villages with tremendous potential for entrepreneurship but it is denied to them. Corruption is holding people back, caste is holding us back.”

Rahul Gandhi, Membro do Parlamento indiano (MP), filho de Sonia e Rajiv Gandhi, neto de Indira Gandhi, em declarações em birtânico The Times. Rahul é visto como o próximo primeiro-ministro indiano na linha dinástica Gandhi. Cá por mim, não presta.

sábado, 6 de maio de 2006

Imagens de Deli: Srinagar-Jamu Highway

Trânsito parado na estrada que liga Srinagar a Jamu. As mulheres estendem a roupa para secar. Os homens vão aliviar a bexiga por detrás dos pinheiros. Foi assim, durante quinze horas. Estivemos mais tempo parados do que em movimento.

O sonho indiano (e eu) em perigo

43ºC, nada mais, nada menos. Deli está em brasa. Mas os jornais anunciam-me, sem vergonha no papel, “but there are no signs yet of a heatwave” e eu pergunto-me se li mal, se eles escreveram mal, ou se eu simplesmente me esqueci que estou no planalto indostânico.

Pó. Tanto pó. Tempestades de pó. Um mosquito suga-me sangue nas costas, vou lá coçar com a mão direita, os dedos voltam escuros e poeirentos. Acordo de manhã. Tudo coberto de pó. Infecções nos olhos é coisa normal. Pele a cair dos dedos e da cara habitual.

O pior: os cortes de energia. Mesmo aqui, no sul de Deli da aí muito conhecida classe média indiana. Na capital do país. Há dias em que a luz falta quinze, vinte vezes. A única maneira de fazer face aos graus centígrados nessa altura é ficar sentado por debaixo do chuveiro – caso haja água, é claro.

A nova medida governamental, anunciada hoje de manhã, é peremptória: todos os centros comerciais passam a fechar mais cedo, às sete e meia, os edifícios públicos deixam de utilizar o ar-condicionado às seis e meia, os parques industriais são obrigados a cancelarem o seu terceiro turno, das seis à meia-noite. E um apelo para que os delienses consumam energia com “sensibilidade”, tendo em conta a escassez energética.

É normal. As águas dos rios dos Himalaias, reforçados pelo contínuo degelo dos glaciares, enfrentam pequenas e antigas barragens, sem capacidade de geração adequada ao explosivo consumo subcontinental. A infraestrutura é antiga e sobrecarregada. E milhões nas cidades consomem ilegalmente ou simplesmente não pagam as contas.

O que me deixa preocupado, mais do que a extensa lista de exames e trabalhos por enfrentar até partir, a caminho das férias em Lisboa, é o sonho indiano. Sem energia, não há poder. Sem poder, não há sonho indiano. E sem sonho indiano, deixa de haver Índia.

quinta-feira, 4 de maio de 2006

Citações de Deli: Keshabchandra Sen

"By madness I mean heavenly enthusiasm, the highest and most intense spirituality of character, in which faith rules supreme over all sentiments and faculties of the mind....The difference between philosophy and madness is the difference between science and faith, between cold dialectics and fiery earnestness, between the logical deductions of the human understanding and the living force of inspiration, such as that which cometh direct from heaven….Philosophy is divine, and madness too is divine….The question naturally suggest itself – why should not men be equally mad for God? (…) Gentlemen, we are going to combine meditation and science, madness and philosophy, and there is no fear of India relapsing into ancient mysticism”

Keshabchandra Sen (1838-84), filósofo e asceta indiano, líder do Brahmo Samaj, durante a sua palestra “Philosophy and Madness in Religion, proferida em Calcutá a 3 de Março de 1877. Citado em “The Nation and its Fragments”, Partha Chatterjee, p. 40

terça-feira, 2 de maio de 2006

Passagem para a Índia e uma bela revista

PASSAGEM PARA A ÍNDIA
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI

MUITA CONFIANÇA

Não se deve conceber a Índia simplesmente como um natural aliado democrático e amigo do Ocidente. Nova Deli namora ao mesmo tempo Washington, Moscovo, Teerão e Pequim. A estratégia é a longo prazo.

"Rajiv é filho de um casal que emigrou dos famintos planaltos indostânicos para os subúrbios de Nova Deli. Na cidade, o ganha-pão da família dependia das pernas do pai, paquete numa repartição pública, e das mãos da mãe, empregada de limpeza. Um dia, ao voltar da escola, Rajiv viu numa papelaria o livro “Teach yourself English in seven days”. Hesitou, mas confiou no dono, que lhe disse que bastavam 900 palavras para dominar a língua. Afinal, pensou, a um ritmo de aprendizagem de 30 palavras novas por dia, seria daqui a três meses fluente na língua de todos os sonhos. Hoje Rajiv é engenheiro informático na Califórnia, vive num apartamento à beira-mar, e tem três televisões, dois frigoríficos, um carro e uma mota. São estes os minúsculos épicos que movimentam a sociedade indiana contemporânea." (excerto)

É a minha segunda Passagem para a Índia no projecto jornalístico e mediático mais interessante do Portugal actual. Ideologicamente aberto e arejado mas sempre acutilante. A secção "Correspondentes de Guerra" é prova disso, rasgando novos horizontes e reabrindo Portugal ao mundo - o de hoje. Parabéns, em especial, ao seu director, o Paulo Pinto Mascarenhas. O projecto contraria a velhice do Restelo que domina esse rectângulo à beira-mar plantado: Portugal está tremendamente atrasado na corrida ao Oriente.

Mais de quinhentos anos depois de termos sido os primeiros a marcar presença nas costas asiáticas, somos hoje os primeiros a primar pela ausência numa das mais importantes capitais diplomáticas do mundo - Nova Deli - e provavelmente os únicos a insistir em ignorar, negar ou simplesmente minimizar as transformações tectónicas a Norte e a Sul dos Himalaias. Felizmente há umas raras ilhotas de excelência lusas que pensam diferentemente. A Revista Atlântico é uma delas.

O número 14 está agora à venda perto de vós, nos bons quiosques, e longe de mim.

segunda-feira, 1 de maio de 2006

Domingo pouco Domingo

Para mim, um Domingo pode ter vários avatares climatéricos. Aceito um Domingo chuvoso. Um Domingo primaveril. Um Domingo frio. Um Domingo veranesco. Agora, um Domingo deliense como o de hoje, isso não. 43ºC na sombra, o ar abafado, tempestades de pó e areia, isso não faz nem representa um Domingo em terra alguma que se preze. O pior são os cortes de energia. Cíclicos, à média de dois ou três por dia. Um primeiro pelo meio-dia. Um segundo ao fim da tarde, pelas seis. E um final – o mais prolongado e torturante – pela meia-noite. É uma luta constante entre os que se dão ao luxo de possuir um ar-condicionado (eu não) e as redes eléctricas sub-desenvolvidas e exaustas. Eu contento-me com banhos repetidos em água morna e as ventoinhas que se limitam a triturar o pesado ar. Há também a opção de ir para a biblioteca – com ar condicionado – e ler ou... dormir. E vem aí muito pior...