Hoje, no Diário de Notícias:
A paisagem literária da Índia é tão complexa e paradoxal quanto o seu mapa, reflexo de 28 regiões políticas, 22 línguas, um país multirreligioso, a maior democracia do mundo, com uma diáspora intelectual que levou para fora das suas fronteiras alguns dos nomes mais sonantes
Comentário: Interessante a urgência com que "a Índia" é personalizada e feminizada ao longo de todo o artigo. Não quero aqui lançar uma ofensiva à Isabel Lucas, que não o merece aliás, por esta peça bem conseguida, mas alertar para a persistência da superficialidade orientalista com que ainda abordamos a Índia.
Para além do tradicional "É a Índia dos contrastes", há uma contradição grave. Por um lado, afirma-se que é um país "em que quase só as elites lêem", para depois se constatar que "apesar de apenas 5% da população indiana falar a língua de Shakespeare e de a maioria dos livros indianos serem em línguas vernáculas".
Claro que há elites vernáculas, mas a elite a que a autora se refere são, muito provavelmente, as elites anglófonas. E estas estão longe de serem as únicas a lerem no país, bem pelo contrário: as mais ricas tradições literárias indianas, começando pela poesia bakhti, mas também o rico panorama de romances em hindi e línguas regionais, são consumidas pelas classes médias e baixas.
"São esses, os das línguas locais, em franca maioria na Índia, que só agora começam a ser traduzidos fora dela. Segundo a organização, esses autores irão testemunhar um "frenesim de modernidade" que contrasta e tenta atenuar as enormes desigualdades sociais do país."
Aqui o meu alvo é a própria organização e autores desta citação, suspeito eu indianos, que equiparam o misterioso "frenesim da modernidade" a uma suposta emancipação socio-económica. Se fosse só modernidade, talvez até me debruçasse criticamente sobre o assunto. Agora, "frenesim"... deixa antever o que vai na elitista mente orientalista indiana.
Deixemos, então, o Orientalismo e o espírito descobridor Quinhentista acabar em grande:
"Também por isso se fala de uma Índia por descobrir, um país que se vai afirmando além da espiritualidade ancestral conjugada com traços cada vez mais contemporâneos de uma economia em plena expansão".
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