domingo, 29 de abril de 2007

O grande mercado de rins (Expresso)

Hoje, uma "caixa" minha, acompanhando a reportagem "Corpos a retalho" e a grande entrevista ao cirurgião Eduardo Barroso

EXPRESSO, revista Única, 28 Abr 2007

O grande mercado de rins

INDRANIL MUKHERJEE/ AFP/ GETTY IMAGES

H. S. JAYARAMU tem 40 anos (atrás vê-se mulher e a neta) e vive a 120 quilómetros de Bangalore. Jayaramu já vendeu um rim


Na sala de espera deste gigantesco hospital privado em Nova Deli estão sentados vários estrangeiros, aguardando uma consulta no departamento de transplante de órgãos. São de vários continentes, mas todos procuram um rim novo, num país onde as leis sobre o tráfego e transplante de órgãos são tão restritivas como no Ocidente, mas largamente desrespeitadas. O tráfego ilegal de rins é uma indústria florescente na Índia.

O atraente pacote oferece aos estrangeiros um serviço da melhor qualidade internacional e inclui quase tudo: recepção no aeroporto, alojamento, excursão ao Taj Mahal, serviço de intérprete, gastronomia especial, entre outras regalias que pretendem afastar a imagem de pobreza e falta de higiene tradicionalmente associada ao país.


Mas, na forma de um rim, essa Índia subdesenvolvida consegue entrar directamente para o interior das luxuosas salas de operação. Ao viajar de volta, é provável que o paciente tenha um rim perfeitamente funcional, mas originalmente pertencente a um agricultor indiano forçado a vendê-lo para escapar ao endividamento.

No panorama doméstico, a procura de rins é tremenda, sendo que anualmente é diagnosticada uma insuficiência renal crónica a mais de 150 mil indianos. A oferta não fica atrás. Por algo equivalente entre 600 e 1100 Euros, estima-se que milhares de indianos vendam um dos seus rins a redes criminosas que depois os revendem a hospitais privados e públicos.


Os intermediários asseguram a falsificação de documentos e os subornos necessários para inventar uma relação de parentesco entre o doador e o receptor, ou provar que há alguma ligação emocional que justifique a doação, os únicos casos aceites pela lei que regula os transplantes (HOTA). Mas as comissões de autorização, instituídas pelo governo, fecham os olhos aos princípios éticos e chegam a aprovar nove em dez processos.

A Índia, afirmando-se como um dos principais destinos para o turismo médico internacional, especialmente no sector dos transplantes de órgãos, é um grande mercado de rins e entrou em fase de expansão. Estima-se que o turismo médico irá atrair um milhão de pacientes estrangeiros e render mil milhões de euros anuais ao país. É, portanto, de esperar um aumento do número de rins transplantados ilegalmente, das empobrecidas zonas rurais indianas para o luxo do primeiro mundo.


Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli

2 comentários:

  1. Li, gostei, e depois reparei que era teu. Ia ligar-te a dar os parabens, mas depois passou-me. Dou por aqui.

    Penso que o Expresso ganha muito com as tuas reportagens e sinceramente acho que mereces muito mais espaço do que o que te é dado, dado que:

    1) produzes jornalismo de qualidade
    2) deveriamos ter mais acesso a informação sobre a India, e a que tu proporcionas é fresca, limpida, real e crua

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