Expresso, Internacional, 1785, 13 Janeiro 07
Uma nação de rosto corado
Centenas de esculturas eróticas pontuam os templos hindus de Khajuraho, símbolos de uma sensualidade entretanto esquecida e rotulada de anormalidade ocidental
No final de 2006, a Índia festejou efusivamente o segundo lugar alcançado por Santhi Soundarajan nos 800 metros femininos dos Jogos Asiáticos. Mas, quando poucos dias depois o Conselho Olímpico da Ásia anunciou a desqualificação da atleta, por esta ter falhado num teste médico que visava confirmar o seu sexo, o país inteiro reagiu com um profundo silêncio. Soundarajan foi, mesmo assim, condecorada pelo Governo do seu estado, recebendo um prémio de cerca de 25 mil euros. O facto de a medalha de prata já não estar na sua posse foi, simplesmente, ignorado.
O silêncio envergonhado compreende-se à luz dos estigmas que rodeiam a sexualidade na Índia. Longe vão os tempos do ‘Kama Sutra’, a obra em que o filósofo indiano Vatsyayana descreve centenas de práticas sexuais, ou o período em que foram construídos os templos hindus de Khajuraho, decorados com centenas de esculturas eróticas.
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Polícias contra namorados
Todos os anos, no dia de São Valentim, saem às ruas não só namorados, mas também centenas de manifestantes nacionalistas hindus que acusam a celebração de ser um “insulto à cultura e ética indiana”. Não são raras as ocasiões em que polícias passam parques públicos a pente fino para agredirem e insultarem jovens casais partilhando momentos mais íntimos.
Já os milhões de espectadores da indústria cinematográfica de Bollywood só raramente assistem a um beijo na tela. Resultado do longo período de domínio islâmico no Norte da Índia, bem como do colonialismo britânico e dos seus valores vitorianos, este puritanismo social tem, contudo, elevados custos.
Estima-se que só um em 70 crimes de violação é denunciado às autoridades policiais. Dos acusados - nos raros casos em que as mulheres decidem enfrentar o estigma público de um processo judicial -, só 20% são condenados. A média de idade de matrimónio para as mulheres - pouco mais de 18 anos - reflecte o hábito de casar menores à força.
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O estigma aplica-se também aos homossexuais. Embora a comunidade dos hijras, eunucos que assumem a identidade de uma divindade feminina, seja parte integrante do sistema hindu de castas há séculos, a homossexualidade é severamente punida como comportamento público. O próprio código penal mantém em vigor uma lei, datada de 1860, que criminaliza práticas sexuais ‘contra a ordem da natureza’.
A falta de educação sexual também tem provocado graves problemas de saúde pública. A Índia é o país do mundo com o maior número de infectados com o vírus da sida - mais de cinco milhões de pessoas - e quase 90% das transmissões dão-se pela via sexual.
Para Mahesh Nawal, dirigente da Associação Nacional de Sexologia, é tudo uma questão de sensibilização. “Mais de 70% dos problemas dos meus pacientes explicam-se com a falta de informação, fruto de inúmeros tabus e mitos que assolam a sociedade”, refere o médico. Entre os camionistas de longa distância reina, por exemplo, a crença de que a prática de relações sexuais com uma virgem serve de antídoto contra o vírus da sida.
Com as reformas económicas dos anos 90, e a rápida ocidentalização da sua sociedade, a Índia está contudo a passar por uma fase de grande mudança. O sucesso de revistas orientadas exclusivamente para públicos femininos ou masculinos, os novos hábitos de consumo e a emergente vida nocturna entre as gerações mais novas, especialmente nas metrópoles, têm ajudado a promover o debate.
Nawal alerta, no entanto, para o perigo de efeitos secundários: “As estrelas e modelos ocidentais que aparecem estilizadas nas revistas e na televisão passaram a servir de critério de comparação e isso tem graves consequências a nível psicológico”.
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
"e a rápida ocidentalização da sua sociedade, a Índia está contudo a passar por uma fase de grande mudança."
ResponderEliminarpois e'... a questao e que a India historicamente sempre se mostrou muito permeavel 'a introducao de novos costumes e maneirismos... preocupam-me as notas nas paredes dos internet cafe, dos cubiculos individualizados com as cortinas escuras em que nao sao permitidos casais!, as risadas/sussurros dos miudos quando entrava para ler os meus emails- mesmo acompanhada com o meu marido (com a devida modestia) e a relacao dos mesmos com a mulher ocidental nas diversas ruas em que caminhei(dos mais diversos estados!);Atendendo a densidade de pontos internet, penso que neste momento deve estar muito "porn'ancizada"!
Faz-me pensar qual sera a onda de impacto desta situacao na vida do dia a dia e nas suas proprias mulheres na comunidade!
Mas Khajuraho e outra historia, magnifico!
susana
Muito interessante, Tino! Uma outra visão da Índia, que coloca um freio na emergência da dita potência...
ResponderEliminarA economia e a tecnologia podem estar a crescer, mas enquanto houver barreiras sociais deste género (e acredito não serem estas as piores) o ocidente ficará sempre de pé atrás...
Que pena...