segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Atlântico: O espírito de Bombaim

Passagem para a Índia (nº6)

O ESPÍRITO DE BOMBAIM
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI

Tal como Nova Iorque, há cinco anos, também Bombaim terá que passar agora por um doloroso processo de cicatrização das feridas abertas pelo terrorismo. Mas o mais impressionante no pós-11 de Julho de Bombaim é que a vida continuou normalmente no dia seguinte ao horror, como se nada tivesse acontecido. É claro que num país em desenvolvimento, como a Índia, as pessoas não se podem dar ao luxo de faltar ao trabalho ou de passar a andar de táxi para escapar à violência de uns radicais pouco escrupulosos. Mas a realidade é que “Mumbai” provou ter aquilo de que Nova Iorque tanto se orgulhou após o colapso das Torres Gémeas. Aquilo a que se poderia chamar de espírito de uma megalópole global, tenaz e resistente.

(...) Para quem conhece a identidade de Bombaim e o estilo de vida dos seus cerca de quinze milhões de habitantes, não há nada a estranhar. A cidade tem um espírito tão dinâmico que pouco ou nada a consegue travar. Bombaim, talvez pela sua própria localização costeira, sempre foi uma cidade aberta ao mundo; um local de passagem, de conquista e de comércio para árabes, portugueses e ingleses. Bombaim pode não ser um “melting pot” por excelência, mas é um local onde diversas maneiras de estar na vida foram interagindo e negociando compromissos. É hoje uma imensa amálgama cultural e religiosa que inclui artistas parses zoroastrianos, comerciantes guzerates muçulmanos, médicos maratas hindus, varredores de rua intocáveis convertidos ao budismo e advogados goeses católicos. A sua própria geografia faz com que os raros motins étnicos e religiosos não passem de uma excepção à regra: a península, historicamente criada a partir de sete ilhas, reforça o sentimento de coesão e não permite fugir à coexistência pacífica.

Excerto da coluna "Passagem para a Índia", do número de Setembro da Revista Atlântico

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