Até em circunstâncias normais o cruzamento em questão, em R.K. Puram, é dos mais caóticos no Sul de Deli. Como me encontrava vestido a rigor para uma reunião, não me aventurei para fora do táxi, limitando-me a observar, do conforto do banco de trás e com lentes sociológicas, o monumental caos que se seguiu.
Não é difícil descrever o cenário: todos os veículos, de camiões, a autocarros, veículos ligeiros, riquexós, motas, motoretas, bicicletas, carrinhos de mão e até o pedinte que, de pernas amputadas, se movimenta com a ajuda de uma pequena plataforma com rodas, avançam na direcção desejada até tocarem num outro veículo.
Teoricamente, entre os segundos em que os semáforos falham e se atingir este cenário, há espaço e tempo suficiente para se chegar a uma solução consensual. Por exemplo, o autocarro poderia ter recuado para deixar o riquexó e o tractor passarem, para depois avançar, deixando assim uma enorme clareira que permitira que o trânsito escoasse numa das vias mais congestionadas. Etc.
Mas não. Avançam todos, cegados pelo interesse individual. Poucos segundo depois, como consequência deste capital social negativo, o cruzamento encontra-se transformado num imenso emaranhado de veículos empatados, sem a mínima margem de manobra. É o cúmulo, o fim, penso. Não há possibilidade de saírmos daqui até que chegue a polícia, talvez daqui a meia hora, mas até lá já terá irrompido uma enorme discussão e talvez pancadaria.
Observo: bastantes buzinadelas, nem um grito ou gesto ameaçador. Todos aguardam, expectantes e no conforto dos seus veículos. Segundos depois, surgem, no meio dos veículos, dois indivíduos. Um jovem sique saído do banco de trás de um Mercedes imponente, vestido a rigor, de fato escuro e turbante branco. E um miúdo, magricela, de tez escura, camisa esfarrapada, o bloco de bilhetes na mão denotando o seu estatuto de cobrador num dos autocarros.
Ambos começam a gesticular, a serpentear pelos breves interstícios que separam os veículos, a distribuir ordens: avança, recua, espera, para ali, para aqui! Não precisam de ameaçar: todos os outros motoristas parecem dispostos a concederem-lhes uma autoridade ilimitada. À distância, comunicam um com o outro com recurso à linguagem gestual e a um qualquer idioma e paradigma estratégico que parecem partilhar para solucionar o problema: o do sique talvez derivado da natureza marcial da sua religião; o do miúdo cobrador talvez derivado da sua experiência de domador de um gigante rodoviário.
Pouco menos de um minuto depois, os veículos encontram-se todos em movimento e o trânsito dissipa-se pelas avenidas circundantes. Viro-me e vejo o sique e o miúdo cobrador a entrarem para os seus respectivos veículos, sem no entanto se despedirem ou trocarem qualquer gesto de satisfação mútua. A vida continua.
Sem comentários:
Enviar um comentário