sexta-feira, 23 de setembro de 2005

Backpackers (2)

Há outro tema que me fascina na vida dos backpackers que venho observando nas minhas viagens pelo estrangeiro, e especialmente na Índia. É a obsessão pela originalidade e pela eterna busca de um El Dorado. Os meninos ocidentais de mochila à costa que vêm à Índia querem coisas novas. Querem o mais possível seguir aqueles capítulos "off the beaten track" dos guias que vendem milhões. E se possível encontrarem eles mesmo novos locais e novas formas radicais ou originais de explorar o novo.

O problema é que quase todos vivem nesta obsessão. O que leva a que nos tais sítios recônditos que o guia apresenta na parte "dicas secretas" se encontrem muitas vezes já mais turistas do que nos locais tradicionalmente mais turísticos, abandonados para a massa dos turistas indianos.

O mais engraçado é a rivalidade de morte que subsiste por isso entre os backpackers. Logo que chegam a um sítio original, digamos o topo de uma montanha mais isolada nos Himalaias indianos, acham-se no direito de reclamar a propriedade turística daquele local. Se porventura aparecer um outro grupo de ocidentais, passa a reinar um mal-estar dos dois lados e um ódio mútuo.

Por exemplo, quase todos os backpackers que eu conheço usam os guias conhecidos como o Lonely Planet ou o Rough Guides. Mas é interessante notar que esses livros só raramente se vêem em público. Só percebi porquê quando uma inglesa com que viajava me disse que se limitava a lê-los no quarto, às escondidas, para não parecer uma backpacker bimba aos olhos de outros backpackers. Porque supostamente só os bimbos consultam guias. E supostamente todos viajam um pouco ao acaso, sem ajuda de ninguém, ao sabor do vento, que nem neo-hippies.

É esse de facto o objectivo dos backpackers. Mas fruto de constrangimentos vários (tempo, dinheiro, mas também segurança e conforto e a necessidade ocidental de ter tudo bem planeado) sacam sempre do guia, nem que às escondidas.

Vou deixar de fora os verdadeiros neo-hippies e aqueles que eu considero serem os verdadeiros backpackers, aqueles que por exemplo vivem um ano a viajar pela Índia com um punhado de dólares, fazem retiros em isolados mosteiros budistas, se deslocam principalmente a pé e de boleia, e vivem em casa de habitantes locais etc. Esses primam pela cooperação, ajudando os seus congéneres, porque nada têm a esconder ou a temer. Sabem que a genuidade encontra-se pela cooperação e não pelo conflito.

Há outra forma de assinalar a originalidade. Os backpackers mainstream têm um rol de formas diversas para sublinharem a sua originalidade para com os seus conterrâneos. Por exemplo, lembro-me de um grupo de australianos que viajou os 500 quilómetros na mais rude estrada indiana, a Manali-Leh highway (sem um metro de alcatrão, passando por altitudes superiores a 5000 metros), de patins. Já nem falo de bicicleta ou a pé, porque até isso já se tornou rotina.

Todos estes fenómenos eu também os tenho observado em Goa. De cada vez que lá vou havia sempre um local novo na moda. No sul, por exemplo, havia uma praia que sempre atraiu gente (até local) por um certo misticismo e beleza. A praia de Palolem, no entanto, atraía em inícios dos anos 90 pouco mais de uma dezena de turistas mais corajosos por dia. Hoje são centenas e a praia encontra-se cercada por empreendimentos turísticos, comida italiana e israelita, yoga, bugigangas caxemires e demais parolices. E enquanto muitos ainda lá vão convencidos que encontraram algo similar a The Beach (de Alex Garland), poucos se apercebem que os verdadeiros backpackers hippies já deixaram este local há muito para as consumistas e efémeras hordas ocidentais.

O mesmo se passa com o chamado Goa-Trance. É um mito que vai subsistindo. Mas os verdadeiros artistas e amigos do trance psicadélico sabem que há já muito que Goa deixou de ser a capital deste estilo de música. Passou há mais de uma década para Gokarna e depois aviou as malas para fora da Índia. Hoje, quando as dezenas de bares comerciais na orla costeira de Calangute aumentam ao fim da tarde um pouco o volume de um som que tem alguma batida mais intensa, saltam imediatamente para a praia uma centena de turistas indianos em busca de ver um pedaço de carne nua branca e uma dezena de backpackers convencidos que estão a reviver a atmosfera dos hippies e a viver uma experiência transcendental.

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