sábado, 29 de dezembro de 2007

Desestabilizadores

De 2004:
India currently produces approximately 2.45 million graduates every year out of which 200,000 are engineers, 73,000 IT professionals, 117,000 medical doctors and 40,000 MBAs.

Imagens de Deli: Natação em Suraj Kund

Acordar hoje

Sol, tanto sol. E o Inverno, onde está? A constipação ou gripe parece ter passado. Campaínha: estafeta, entrega-me a revista semanal: assino e coloco um número de telemóvel errado. Do rádio do alfaiate, lá em baixo, AIR - All India Radio. E as buzinas do costume.

Cruzamento

O riquexó está gélido, o ar entra por todos os lados. Cruzamento, as viaturas descansam, os fumos de escape conquistam as narinas. Um barrete de Natal, vermelho e branco, no meu colo. Uma mão, pequenina, pedinte. Um braço, cricatrizes, crostas. Um face, ranhosa, chorosa.

Pede-me vinte. Entrego trinta, já está o sinal verde e os motores arrancam. Oiço ainda um grito sufocado. Uma exclamação. Um insulto ou apelo? Olho e percebo, tarde de mais. Tenho não um, mas dois barretes natalícios.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Imagens de Deli: Túmulo de Ghiyasuddin Tughlaq

Comendo em Deli: Lodhi Garden Restaurant

Uma das melhores opções para um fim de tarde no Inverno ou início de noite no Verão. Logo ao lado do belo Lodhi Park, com uma localização soberba no centro mais calmo da cidade, é a opção que mais se aproxima do conceito de esplanada ou de open air dining, praticamente inexistente em Deli. A comida (ocidental, principalmente italiana) é muito boa e os preços são aceitáveis (pratos principais entre 300 e 500 Rupias).

O melhor é mesmo o verdejante jardim com iluminação romântica e pequenas tendas (infelizmente só para dois - grupos maiores têm que comer no interior, ou no apertado terraço do primeiro andar). Programação musical do melhor, com djs convidados e lounge music todas as noites, para além de ocasionais concertos ao vivo (recentemente, os Olive Tree, de Portugal). Atenção aos mosquitos. E à polícia, que aparece quando a música se prolonga pela noite e os vizinhos milionários se queixam.

Acordar hoje

Muito sol. Os jornais, em maiúsculas, gritam-nos "BENAZIR ASSASSINATED" como se ignorassem a existência da televisão e das coberturas em directo. Ou talvez para minimizar o que se adivinhava ontem e se confirmou esta tarde: derrota monumental do Congresso no Himachal Pradexe. Um camião estaciona: sons de Lambada brasileira até bater contra um poste e há alguém que berra.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Carteiro

Estou neste apartamento há um ano, mas nunca vi o carteiro. As cartas chegam sempre, mas nunca me cruzei com ele, nem nunca tive razão de queixa. Hoje, toca à campaínha e entrega-me uma encomenda. Assino.

"Christmas", diz-me, sorridente. Silêncio. Repete. Percebo. Entrego-lhe uma nota de 50 Rupias: "Happy New Year". E vou continuar a receber o correio.

Imagens de Deli: Tughlukabad Fort

Natal em Deli

Mais um Natal em Deli, o segundo.

A habitual arrumação geral, juntando roupa velha e tralha diversa acumulada ao longo de um ano. Começo a travar e já estão uns dez miúdos à nossa volta, agarrando os sacos, batendo-nos na mão. Duas meninas, uma de bebé ao colo, envolvem-se numa luta. Arranco e páro um pouco mais à frente, para observar. Um dos miúdos retira uma luva e sorri, mas já se aproxima um maior. Arranco.

Decoração natalícia. Estrela iluminada, no meio da escadaria (mais giro), ou por cima da porta de entrada (menos ofensivo)? Os tempos são nacionalistas, optamos pela moderação e rejeitamos algo potencialmente provocador para os vizinhos. No interior, árvore de natal. Artificial, é claro. E sem presépio.

Tradição, religiosa? Missa na Sacred Heart Cathedral, ali logo ao lado da Gurudwara Bangla Sahib. Desta vez matinal, mesmo assim outra vez na tenda pouco atmosférica. Muitos brancos, visivelmente horrorizados: as sagradas vozes do coro são acompanhado por batidas e sons psicadélicos trance e pop do synthesizer, enquanto que as pessoas entram e saem e atendem o telemóvel, em clima de feira. Pseudo-beijinho no muito cuspido joelho do menino Jesus.

Almoço na sala: dois portugueses, uma indiana do Dubai, uma tailandesa, um caxemire , uma americana , um goês, um nigeriano e um japonês. Bacalhau, seguido de thai green curry. Depois, troca de presentes (no valor máximo de 2 Euros), acompanhada de bolos, doces e de um delicioso Vinho do Porto.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Acordar hoje

Silêncio dominical, parecendo-me agravado por uma ansiedade pré-anúncio de resultados eleitorais do Guzerate. Neblina matinal, ausência de poluição sonora das aterragens e descolagens. Menos frio ainda do que ontem, mas mais pó: continuam a abrir valas por toda a rua.

Imagens de Deli: Vendendo escadas e escadotes

Índia registada

I think the house will agree that it is desirable that a candidate who actually wishes to serve in the legislature should have some higher qualifications than merely being a voter. The functions that he is required to discharge in the house require experience, certain amount of knowledge, and practical experience in the affairs of the world, and I think if these additional qualifications are accepted, we shall be able to secure the proper sort of candidates who would be able to serve the house better than a mere ordinary voter might be. (B.R. Ambedkar in Constituent Assembly Debates 1946-50, Vol. VIII, Page 89)

Dr. B.R. Ambedkar, Chairman, Drafting Committee, em defesa do artigo 84(c) da Constituição Indiana, algures em finais da década de quarenta do século passado. Vinda de quem vem, o insuspeito defensor da igualdade democrática e dos intocáveis dálitas (que acusava Gandhi de condescendência e paternalismo), é uma afirmação demonstrativa do profundo sentido de missão que guiava a elite política indiana pré- e pós-Independência. A política era (e é ainda, em grande medida) reservada aos iluminados, ou seja, formados em colégios e universidades britânicas e/ou latifundiários e industrialistas.

Tal como os orientalistas do século XIX, estes favorecidos "descobriram" a Índia. Literalmente, no caso de Nehru. Ou melhor, descobriram uma certa Índia, espelho das suas ansiedades identitárias e reflexo da sua mundivivência ocidentalizada. Daí resultou uma Índia particular, a Índia de hoje, tal como a conhecemos e reconhecemos, acidente da História. A Índia como ideia, mas também (mais e mais) nação. E as ideias, tal como as invenções e descobertas, são normalmente registadas.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Momento amarelo: Outsourcing

Desestabilizadores

Segundo um estudo da Pew Foundation, publicado esta semana, 64% dos indianos "concordam completamente e sem reservas" com a afirmação de que a Índia é culturalmente superior a outros países.

Goan Diaspora, the Home and the Host

Conferência, no Sábado passado, organizada pela associação goesa local de Deli, sobre a diáspora goesa. Inauguração por Eduardo Faleiro, actual ministro para os "Non-Resident Goans" do Governo de Goa. Fiz uma pequena intervenção da parte da tarde, intitulada "Goans in Portugal, from Bela Goa to Real Goa". Entre a assistência, tive o prazer de contar com o Embaixador de Portugal, Luís Filipe Castro Mendes.

Seminar evaluates role and importance of Goan Diaspora

The relations of the Goan Diaspora to its respective host countries, as well as to homeland Goa were the focus of attention of scholars, policy-makers, Goans residing in the capital city and other interested in the day-long seminar organised by the local Goan association “Goenkarancho Ekvot”, last weekend, at the India International Centre, New Delhi.

The initiative, coordinated by its President Suman Kurade and Professor Peter Ronald de Souza, was inaugurated by Eduardo Faleiro, Commissioner for NRI Affairs, Government of Goa, who gave an overview on the most recent programs designed to protect Goan emigrants and attract their skills and assets for the development of Goa. He also announced the preparation of a comprehensive Goa Migration Study and a 2-week study tour programme for diaspora youth to visit and learn about Goa and other regions of India. He welcomed initiatives of organisations outside Goa and abroad to discuss the Diaspora and the ways it has contributed to the development of other countries, and at the same time kept its unique identity and links with Goa.

The morning session addressed the “Place of the Goan Diaspora in the making of Contemporary Goa”. While Julio Ribeiro, former ex-Commissioner for Police, resuscitated memories of past Goan life in Mumbai and the importance of the “kuds” as social and political meeting points, reputed architect and writer Pramod Kale discussed how Gulf Goans are represented in “tiatr”. D H Panandiker, former Secretary General of FICCI, made a detailed presentation on the role remittances from the Diaspora play in the economic development of Goa. Foreign remittances and deposits strongly affected the nature of sectoral economic growth and consumption patterns, he underlined.

The afternoon session on “Goan Diaspora and the Host Community” included a presentation by Edgar Ribeiro on the environmental challenges which Goa is facing today, analysing the impact of tourism, CRZ and SEZs. Young foreign scholars of Goan origin Beverly Bhaangi (Bharein) and Constantino Xavier (Portugal) shared their experiences and perspectives on Goan identity abroad. Bhaangi critically noted that third generation Goans in the Gulf had mostly lost touch with Goa and Konkani language, while Xavier underlined the potential of Goan Diaspora in bringing India and Portugal and other Portuguese-speaking countries closer together.

Peter Ronald de Souza, who has been appointed director of the Indian Institute of Advanced Studies, in Shimla, offered the concluding remarks and welcomed the support expressed by Minister Eduardo Faleiro to a future project studying the role of kuds in Bombay’s social, economic and political life. Present were also H. E. Luís Castro Mendes, Ambassador of Portugal to India, and Professor Balveer Arora, former Rector, Jawaharlal Nehru University, among several other Goans residing in New Delhi and neighbouring regions.

Acordar hoje

Bastante sol, temperatura mais amena do que nos dias anteriores. Estranho, crianças a brincarem na rua, logo de manhã. Continuam a cavar uma enorme vala - novos cabos eléctricos diz-me uncle da loja. Menos buzinas - é Sábado e fim-de-semana prolongado (ontem Eid, Terça Natal).

Imagens de Deli: Procissão funerária

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

UE/Índia: Europa promove abertura e multiculturalidade na Índia - investigador (RTP/Lusa)

Descubro agora, no sítio da RTP, o seguinte artigo para o qual uma jornalista da Lusa me tinha entrevistado, antes da visita do Primeiro Ministro Sócrates à Índia.

Presidência UE

Lisboa, 29 Nov (Lusa) - A Comissão Europeia tem feito um grande esforço de promoção na Índia de uma Europa unida e multicultural, afirmou à agência Lusa o investigador português Constantino Xavier, a viver em Nova Deli.

Nas vésperas da cimeira UE-Índia, em Nova Deli, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, este investigador, especializado em relações internacionais entre Europa e Índia, sublinhou a "forte promoção" de uma mensagem de Europa unida por parte da Comissão Europeia naquela república.

"Os indianos têm uma grande dificuldade em compreender a ideia do que é a União Europeia, se é um continente, uma organização, e vêem uma Europa fechada, conservadora, rica e velha", referiu Constantino Xavier.

No entanto, as instâncias europeias tentam mostrar o que é a Europa ao nível dos direitos humanos, da democracia, da excelência tecnológica, de que é "uma Europa aberta", referiu.

A nível institucional, as relações culturais passam pelo trabalho da delegação da Comissão Europeia na Índia e pelos diferentes institutos de promoção de cultura no país, como o Instituto Camões, o Goethe Institute ou o British Council.

Por seu turno, relata Constantino Xavier, as autoridades indianas têm programas de cooperação com a Europa ao nível cultural e educacional, com a atribuição de bolsas de estudo a estudantes indianos em países europeus.

"Apesar das barreiras que existem entre ambos, há uma nova geração cá que se revê na Europa, no seu ambiente cosmopolita", comentou o investigador, actualmente a terminar o mestrado em Nova Deli.

"Ambos têm em comum a diversidade cultural. Não nos podemos esquecer de que na Índia há 30 línguas oficiais e centenas de dialectos e a União Europeia têm 27 países com a sua própria existência cultural", recorda Constantino Xavier.

"Os indianos acham que chegou a vez da Índia, mas perceberam que, no caso da Europa, ainda não têm representações oficiais em questões importantes como as questões climáticas ou culturais", opinou o estudioso.

A antecipar a cimeira UE-Índia, a reunião dos chefes de Estado e de Governo agendada para dia 30 em Nova Deli, esta cidade acolhe uma semana cultural europeia que incluirá, entre outros eventos, uma exposição sobre o arquitecto Álvaro Siza Vieira que o primeiro-ministro José Sócrates inaugurará.

SS.

Lusa/Fim

Imagens de Deli: Paperwallah


Cenouras para a Birmânia (Atlântico)

Excerto da minha coluna Passagem para a Índia, no número de Dezembro da revista Atlântico, ainda nas bancas:

Passagem para a Índia
Constantino Xavier em Nova Deli

CENOURAS PARA A BIRMÂNIA

(...) Mas o consenso indiano é forte: a Birmânia tem que regressar à esfera de influência de Nova Deli, setenta anos depois de se ter separado da Índia Britânica. O desacordo reside, no entanto, na melhor forma de realizar esta ambição.

Os chamados falcons têm assumido uma linha extremamente pragmática, dominante nos últimos anos e assente na cooperação militar. Por outro lado, há um embrionário lóbi que defende a cooperação e integração regional transfronteiriça, não só entre os sete estados do Nordeste indiano e as quatro províncias do Norte da Birmânia (Rakhine, Chin, Sagaing e Kachin), mas também com as províncias fronteiras chinesas do Tibete e do Yunnan e com o Bangladexe.

Estes regionalistas, de inspiração funcionalista e liberal, e da confiança de Manmohan Singh, já têm testado as suas teorias na prática. Estão, por exemplo, por trás das iniciativas da Baía de Bengala (BIMSTEC), de Kunming e do Mekong-Ganga, todas vocacionadas para expandir o soft power económico indiano para a Ásia do Sudeste e para amarrar a China institucionalmente em fóruns multilaterais. Pelo meio, querem também reabrir a histórica Stilwell Road (Índia-Birmânia-China) construída, em 1942, por 15 mil americanos, para placar o avanço japonês.

Não há dúvida que esta segunda vertente da diplomacia indiana para a Birmânia também tem compactuado pontualmente com os generais de Naypyidaw. Mas não deixa de ser uma alternativa credível e construtiva, contrastando com os limitados interesses de segurança chineses (...)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Sons de Deli: Kya Soorat Hai

Um cheirinho a anos noventa, com um som que marcou a minha adolescência e redescoberta da Índia. Surpreendentemente, mais de dez anos depois, os indo-suecos Bombay Vikings continuam a dar cartas no panorama musical indiano, pontuando a pureza e ortodoxia sonora indiana de Bollywood com elementos pop ocidentais.

Cartas prá Metrópole

Breves telegramas, relatos de viagem de um grupo de jovens portugueses à redescoberta da Índia. Numa linguagem chocante e sinceramente directa, não deixa de espelhar muito sobre a Índia - e os portugueses...

Cartas prá Metrópole, Jan/Fev 2006

9 de Janeiro
De: Delhi
Para: Lisboa

- Javardice generalizada STOP
- A saida do aeroporto parece o fim da feira de carcavelos STOP
- Os gajos olham para nos como se fossemos aliens STOP
- E riem-se a toda a hora STOP
- Os homens tem torneirinhas e baldes para lavar o pirilau. As mulheres se nao tiverem de pagar o papel higienico estao cheias de sorte STOP
- A barulheira e a qualquer hora. Buzinar e palavra de ordem STOP
- A confusao de cheiros e imensa. Nem bons nem maus antes pelo contrario STOP
- O transito e alucinante. Admira-me como nao se espetam todos uns nos outros a toda a hora. Nao da para acreditar nas razias dos Tuk Tuk (riquechos a motor) uns aos outros com tudo e todos (incluindo cabras, caes, vacas, camelos, motas, bicicletas...) a atravessarem-se no caminho STOP
- Feia e suja STOP
- Da ideia que os edificios se vao desmoronar ao primeiro sopro STOP
- Uma fumarada do cacete constantemente no ar STOP
- Poluicao e pouco para descrever a poeirada que entra por todos os poros e mais alguns, inclusive pelos olhos STOP
- A pobreza nao me passa ao lado. Muito menos os muidos a pedir e as pessoas que vivem sentadas na rua. STOP
- Os olhos das pessoas sao irresistiveis STOP
- Esta merda nao tem acentos nenhuns STOP

Mais

Leituras de Deli: Loucos pela Índia (Régis Airault)

E mais uma peça de literatura de viagem ocidental sobre a Índia, esta de tons sociológicos, traduzida para o português.

Autor: Régis Airault

Editora: Via Óptima

"A Índia enlouquece ou os loucos é que vão à Índia?"
De Mumbai a Goa, de Delhi a Pondichéry, um verdadeiro síndroma indiano atinge todos os Ocidentais - na sua maior parte adolescentes e jovens adultos - que vão a este país. Aí, mais do que em qualquer outro lugar e de uma forma mais espectacular, parece que a nossa identidade vacila. Pessoas até então indemnes a qualquer desordem psiquiátrica sentem subitamente, sem tomar drogas, um sentimento de estranheza e perdem o contacto com a realidade.
O que é que nos atrai na Índia? Porque é que lá somos tão frágeis? E o que nos ensina sobre nós mesmos esta experiência, que transforma em profundidade a nossa visão do mundo?

Indira Gandhi International Airport


Os estrangeiros de Deli costumam queixar-se de tudo. A habitação é de péssima qualidade e é demasiado cara, o clima é inaceitável e o trânsito diabólico etc. e tal. Entre estas diversas queixas subsiste a de que o aeroporto da cidade é "o pior do mundo".

Se as demais críticas são muitas vezes exageradas, esta sobre o aeroporto com nome de Primeira-Ministra é extremamente justa. Tendo em conta que esta é a capital de um país que se quer grande potência, bem como outros critérios como o facto de ser uma das maiores metrópoles do mundo (15 milhões de habitantes), uma das economias em maior crescimento (entre 7 e 9%), ter a maior comunidade diplomática do mundo, e ser actualmente das capitais mundiais mais visitadas por chefes de estado e outros altos representantes governamentais - tendo em conta tudo isto - o aeorporto é de facto chocante. Isto é, em termos relativos, este é certamente o pior aeroporto do mundo.

Sem as mínimas condições e infra-estruturas, oferece certamente condições piores do que... não encontro compraração em qualquer espaço geográfico ou temporal. Nem o nosso Aeroporto da Portela, há dez ou vinte anos atrás. O acesso faz-se por uma via rápida esburacada e poeirenta (conversão em lama, durante as chuvas) e obrigatoriamente por um imenso trânsito de centenas de veículos que procuram passar pelo controle de segurança militar. Depois, a entrada no terminal é feita de forma caótica (só os passageiros estão autorizados a entrar). O check-in, a imigração, o security-check e o embarque fazem-se todos, sucessivamente, ao estilo de Feira do Gado da Malveira.

À chegada, é a mesma coisa: meia ou uma hora à espera de receber o immigration clearance (vinte segundos e um carimbo no visto), falta de trolleys, bagagem atrasada, perdida ou desfeita, dezenas de aldrabões, taxistas e agentes de hotel à procura desesperada de foreign exchange.

É verdade que está tudo em obras, com capital e know-how estrangeiro. Em breve será diferente. E agora pelo menos há uns painéis com mensagens que se querem reconfortantes. "Please bear with us, we are preparing a world class airport". Ou - e esta é a minha preferida: "Soon, you will wish your flight is delayed". Parabéns ao jovem indiano com tamanho talento de marketing que se lembrou de tal monstruosidade: é como colocar um painel no bloco de urgências de um hospital horroroso qualquer, com a seguinte mensagem, "Soon, you will wish you will never get well".

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Do Porto para Wall Street, via Índia (debate)


No Fórum do Caldeirão da Bolsa, encontro este animado debate sobre a reportagem que fiz, em Janeiro passado, sobre a aventura do empregado português Miguel na multinacional Evalueserve, em Gurgaon.

- "Antes mal pago na índia ou mesmo NY, do que doutor explorado ou desempregado em Portugal."

- "Antes saudável em Portugal, do que doente em qualquer parte do mundo."


- "É exactamente isso, é tudo uma questão relativa, a saúde, o emprego, a exploração... Se as coisas não estiverem bem e se nos oferecerem ou houverem melhores condições, nem que seja no fim do mundo, é òbvio que ficamos melhor! É tudo muito relativo, até pode ser em Portugal, na Ìndia ou em NY que as coisas ficam melhores..."

O debate inteiro, aqui.

Depois da Índia

Esta vida recomendada no muito recomendável e asiático Rabiscos e Garatujas (que passa para as ligações amigas) da já por aqui conhecida comentadora Denise. Retribuo, apontando para um texto da Denise que aborda uma temática muito misteriosa e fascinante: porque é que todos querem regressar e beber mais da Índia, mesmo que tenham odiado a sua estadia por cá? Uma explicação em Depois da Índia.

A propósito do Hinglish

Alrabando: Sorry, not possible / Sure, one minute

Pergunta-se por algo, reclama-se um direito, pede-se uma informação, e a resposta é sempre a mesma, automática: "sorry, not possible". Exemplo: uma amiga minha tem o regresso para a Alemanha marcado na Mahan Air, uma companhia iraniana que, no entanto, deixou de ser autorizada a aterrar na União Europeia. Legalmente, a companhia é obrigada a financiar-lhe uma passagem alternativa Nova Deli-Dusseldorf no mesmo dia, custe o que custar.

Chega-se ao escritório para mudar a reserva, olham para o computador e sorriem-nos: "sorry, not possible today, no seats available in any airline, just packed only. The earliest I can get for you is in two days". Mas ela é alemã: "No, you have to give me a ticket today, or else I will complain..." e antes mesmo de terminar a frase, interrompem, ainda sorridentes, "ok we have a seat for you today on Austrian Airlines, please give us two minutes to issue your ticket".

O mesmo hoje, no banco: "posso trocar Euros?".

- "Oh yes, sure, here is the exchange rate: 56.5. How many Euros would you like to exchange?".
- "50, please".

- "Oh, I'm very sorry, not possible, the minimum is 100 Euros."

- "But I am your customer for four years, and I have never heard about this limit!".

- "Sure sir, please just fill out this form."

O problema não é só - como em qualquer parte do mundo - as empresas recuarem só quando confrontadas com ameaças de represálias institucionais e mediáticas. O que é chocante é a volatilidade e indiferença com que tratam os clientes - a forma fácil como cedem aos que estão informados dos seus direitos e a forma estratégica com que espoliam os menos informados.

'The Queen's Hinglish' gains in India

"I believe this happy blend of Hindi and English will become a globally accepted form of English in 20 years or so," John said. "More and more people will use it without fear of being laughed at. We are not afraid of speaking in the way that we want to anymore. There is no longer any fear of grammatical puritans coming and telling us it should not be like that."

In "The Queen's Hinglish," another recent book on the theme, Baljinder K. Mahal writes that more people speak English in South Asia than in Britain and North America combined, with India alone accounting for more than 350 million English speakers.

"Although the practice was previously frowned upon by purists, people there are becoming more and more comfortable with mixing words from languages such as Hindi, Urdu, Punjabi with English," she writes. "This means that Hinglish, as this modern blend of standard English, Indian English and South Asian languages is popularly known, could soon become the most widely spoken form of English on earth."

She predicts that words like prepone (the opposite of postpone, to bring forward), or airdash (to travel by plane at short notice) or eve-teasing (for sexual harassment) could spread internationally.

"The purists - as they always do - have lost the battle," she writes. "Hinglish, once seen as the lingo of the uneducated masses, is now trendy - the language of the movers and shakers."

Vaishna Narang, a professor of linguistics at Delhi's JNU University, said the shift was noticeable.

"People used to attach a snob value to British English and received pronunciation. Today no one bothers about that. We are much more concerned about a functional English," she said.

Imagens de Deli: A Sul de Catmandu

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Domar os riquexós - a priori e a posteriori

Pensava eu que já pouco mais poderia aprender aqui em Nova Deli (excepto fluência em hindi e não ser enganado pelos lojistas), quando subitamente dei por mim a realizar um meu sonho muito antigo.

Lembro-me de, nos primeiros meses desta vida em Deli, há mais de três anos, admirar a forma como os autóctones lidavam com os condutores de riquexó. Em vez de (como eu e demais estrangeiros) passarem longos minutos a discutir e a negociar o preço a priori, no meio da avenida, e só depois de chegado a consenso embarcarem, saltavam imediatamente para o interior dos triciclos motorizados, garantindo assim o lugar e negociando a posteriori.

Invejava essa estratégia corajosa com que domavam os malditos riquexós, sempre gananciosos e fugitivos quando o destino ou o preço oferecido não lhes agradava. A minha ética negocial ocidental impedia-me de dar aquele salto para o banco de trás.

Ora, de repente, um destes dias, dei por mim - qual tigre esfomeado e desesperado - a dar um monumental salto acrobático do passeio para aquele pobremente almofadado banco que sustenta entre 1 e 6 passageiros. First blood, mortífero: já não faço outra coisa e passei de vítima a predador nato.

Pensava que só serviam para o Republic Day











India readies combat camels for Darfur


NEW DELHI (AFP) — India plans to send combat-trained camels to solve the transport headache facing a fledgling UN-African Union peacekeeping force in Sudan's strife-torn Darfur region, officers here say.

India's Border Security Force (BSF) said it received a request last week from the United Nations to send the specially schooled animals to the troubled African region. (...)

The BSF in India also warned that any deployment of trained camels to transport foot soldiers in Darfur may be some time away.

"All our camels are engaged in border-guarding duties and this whole process could take a long time," said BSF spokesman Vijay Singh, adding the agency could currently spare up to 60 of its 700-plus battle-ready animals for Sudan.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

As bolhas e os ditados

(29 Out): It was a terrific day for the Indian markets. The Sensex conquered the 20,000-mark on the back of frantic buying by foreign and local investors in blue-chip stocks. The Sensex made history after it hit an all-time intra-day high of 20,024.87 points during the last five minutes of trading on Monday.

Subitamente, lembro-me de dois ditados populares contraditórios:
A banda a tocar e o navio a afundar-se.
Os cães ladram e a caravana passa.

Andam os jornais indianos a celebrar o caminho para a catástrofe da sua economia, em direcção ao fundo do oceano? Ou serão os avisos e sinais de alarme internacionais (principalmente ocidentais) desmedidos, enquanto que o navio económico indiano ganha velocidade e rumo?


Qual dos dois ditados se aplicará à Sensex e às múltiplas bolhas de especulação que assolam a economia indiana?

Imagens de Deli: Barista, Connaught Place

Dizem que o café não presta, mas os cafés Barista, Coffe Day, Costa Coffee, entre outros, não deixam de atrair multidões. Numa cidade em que o conceito de esplanada é inexistente, e em que os espaços de lazer ao ar livre são raros, é compreensível. Mesmo assim, nunca me conseguiram convencer, excepto no pico do Verão, quando vale a pena pedir um muffin para saborear o ar condicionado.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Citações de Deli: Ken Livingstone

O Mayor de London, Ken Livingstone (de visita a Deli hoje), em artigo de opinião no Times of India de hoje. Do título à última palavra, uma gigantesca hiperbóle. Mas vindo do quem vem, é profundamente simbólico, um sinal dos tempos diplomáticos.

Britain As India's Colony

India and Britain inhabit a world changing so rapidly that to bring out its character let's deliberately put it in stark, even 'provocative', terms. In 20 years time, only three people are guaranteed a place at the top table of the world's affairs - the presidents of the US and China and the prime minister of India. By then, the world will have shifted so much that if there were to be war between Britain and India, Britain would be more likely to end up as a colony of India than the other way round....

Noite em Deli

Ao longe, os camiões deslizando ruidosamente pela avenida, a caminho dos mercados abastecedores, no centro da cidade. Aqui perto, por baixo da janela, o guarda nocturno, tossindo tuberculose e apitando segurança.

Hino nacional

Logo após um anúncio da Pepsi com a selecção nacional de críquete, e antes de se iniciar Bourne Ultimatum, o cinema inteiro levanta-se e deixa as pipocas salgadas de lado, para cantar o hino. Afinal, já não são só os irredentistas estados do Sul que precisam da dose nacionalista. A febre chegou a Deli.

"Ordinarily resident"

Num documento legislativo, o seguinte parecer da Comissão de Eleições indiana, sobre a definição e entendimento de "ordinarily resident", critério constitucionalmente essencial para que um cidadão indiano se possa recensear eleitoralmente no círculo de que é natural:

"A person is said to be ordinarily resident in a place if he uses that place for sleeping. He need not be eating in that place and may be eating from a place outside. Temporary periods of absence from this ordinary place of stay can be ignored. It is not necessary that the period of stay should be continuous for any particular length of time and should be without any break."

"On the other hand even persons living in sheds, and persons living on pavements without any roof are eligible for enrolment provided they are ordinarily resident in the sheds or on pavements in a particular area, do not change the place of residence and are otherwise identifiable."

"Inmates of jails, hospitals, beggar homes, asylums etc. should not be included in the electoral rolls of the constituency in which such institutions are located as they are staying in these institutions only for a temporary period. However, eligible inpatients of sanitaria, leprosaria, etc., where they undergo prolonged treatment may be taken as ordinary residents of these areas where such sanitaria etc. are located."

Imagens de Deli: Tibetanos

Há uma semana, à saída do aeroporto, de madrugada, pela uma da manhã: centenas de tibetanos, silenciosos, aguardam a chegada do Dalai Lama.

domingo, 18 de novembro de 2007

Minute Maid

Na mercearia da esquina passou a haver sumo de laranja Minute Maid, da Coca-Cola. Poucos dias depois, desapareceram todos os outros sumos, na sua maioria indianos. "Deixaram de enviar", responde-me uncle, encolhendo os ombros, "mas este é mais saboroso, e mais barato!".

sábado, 17 de novembro de 2007

Advogados atacam acusados

Estado da justiça indiana:

Angry lawyers assault JeM terrorists
Lucknow, Nov 17: Lawyers manhandled three JeM militants, charged with the plot to kidnap Rahul Gandhi, in the Lucknow session court premises while they were being taken to be produced before the chief judicial magistrate Saturday.

Comendo em Deli: Andhra Bhawan

Não é segredo nenhum, porque aos fins-de-semana chega-se a estar mais de meia hora à espera de mesa. Mas não deixa de ser um dos melhores sítios para comer um thali central indiano, ainda por cima no centro da cidade, a uns trezentos metros do India Gate.

O Andhra Bhawan é a casa/representação oficial do estado do Andra Pradexe (Haiderabad) na capital. A sua cantina oferece, seis dias por semana, ao almoço e ao jantar, um simples, mas delicioso menu: um thali vegetariano custa menos de 1 Euro (INR 50), e há sempre a possibilidade de adicionar uns pedaços de frango ou preixe grelhado (INR 50 a dose). Para os mais famintos, há garçons que circulam por entre as salas a distribuir generosas porções extra. É tudo rápido e eficiente, e muito picante!

A P Bhawan Canteen
A P Bhawan
1, Ashoka Road
New Delhi - 100 001
Telefones:
(011) 23382031, 23889182

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Rupias indianas


Num restaurante de categoria média, depois de eu pagar a conta com uma nota de 500 Rupias, o empregado só me entrega o troco em notas, ficando-me assim a dever três rupias, cerca de seis cêntimos de Euro. Mas limita-se a sorrir e a agradecer, preparando-se para me acompanhar até à saída.

Sem qualquer explicaçao, como se as moedas não existissem. Sem qualquer explicação, como se me desafiasse a enfrentar vergonha pública por pedir três moedas de uma Rupia. Sem qualquer explicação, como se três Rupias não bastassem para dar um chamuça e meia a umas quantas crianças lá fora, na rua.

O conceito de grande potência na política externa indiana (Relações Internacionais)

O conceito de grande potência na política externa indiana
Relações Internacionais, nº 15, Setembro 2007, pp. 007-020
Constantino Xavier

Este artigo argumenta que a política externa indiana é orientada, entre outras determinantes, para a obtenção de um estatuto de liderança no sistema internacional. Analisa o conceito de grande potência, identificando oito focos produtivos que sustentam e legitimam a reivindicação na óptica indiana, tais como o seu passado civilizacional, a sua concepção hierárquica do sistema internacional, o sentimento de discriminação de que se sente alvo, ou a predominância das teses realistas na sua academia e diplomacia. Propõe ainda que esta ambição deve ser integrada como variável na explicação, análise e previsão da política externa indiana, bem como na elaboração de incentivos que facilitem uma maior integração sistémica do país, minimizando assim o choque da transição para novas arquitecturas regionais e globais.

Índia: novos horizontes (Relações Internacionais)

Da minha nota de apresentação ao número 15 da revista Relações Internacionais (Setembro 2007), do Instituto Português de Relações Internacionais, num dossier "Índia: novos horizontes" que coordenei:

"...torna-se urgente interpretar a pluralidade de novos horizontes indianos como mais do que um mero sintoma de futuras transformações radicais, de fim de mundos actuais, e de início de outros. Isto é, as transformações a Oriente, neste caso específico a maior integração sistémica da Índia, representam certamente desafios significativos, mas que estão longe de constituírem
ameaças imediatas para a estabilidade e o equilíbrio actual.

É justamente este o objectivo moderador que guia o presente dossiê, que procura enquadrar os novos horizontes indianos numa paisagem estratégica regional e global mais ampla. Tal passa necessariamente pela contextualização da nova política externa indiana, associando-a às dinâmicas regionais da Ásia do Sul, à corrida desenfreada aos recursos energéticos ou à cultura estratégica e Weltanschauung indiana.

O facto de todos os cinco artigos que o compõem serem resultado de investigação conduzida in situ, na Índia, contribui assim também para compreender o mundo tal como ele é visto e imaginado a partir de Nova Deli."

versão integral

sábado, 27 de outubro de 2007

Sinalização rodoviária


"Heavy Vehicles / Bus to the Left"

"Light Vehicles to the Right"

diz uma placa rodoviária em Nova Deli, no meio de uma via rápida em obras. Perante 40% de população analfabeta, e uma percentagem minúscula de condutores que saberão ler inglês (muito menos ao conduzirem, num espaço de poucos segundos), é curioso registar que a sinalização rodoviária na Índia insiste em extensos imperativos herdados da época colonial, em vez de recorrer a pictogramas.

De regresso

Depois de algumas semanas algo atribuladas, regresso à vida em Deli. Obrigado pela paciência.

domingo, 16 de setembro de 2007

Imagens de Deli: Canalizador

Agosto passado. Estivemos mais de uma semana sem uma gota de água em casa. Durante esse período a bomba de água foi aberta por quatro canalizadores diferentes que avançaram com quatro teses e quatro orçamentos diferentes. Um quinto adivinhou uma fuga de água na parede do vizinho de baixo. Como não havia humidade sequer, recusámos.

Um sexto canalizador voltou à tese do primeiro, que tinha sido ridicularizada pelos congéneres intermédios: a fuga tinha sido provocada a uma dezena de metros de distância, por umas obras realizadas na conduta de gás natural. Em menos de duas horas, abriu um fosso e resolveu o problema. Uma semana, seis canalizadores e dezenas de chamadas telefónicas com o dono depois, voltávamos à civilização. Na foto, o canalizador Gopal já a fechar a obra.

India Shining

Black out, durante quase todo o dia de ontem e partes da noite. Passeando por uma rua escura, de copito de chá na mão, um amigo naga observa, sarcasticamente: "You see, how India is shining?".

sábado, 15 de setembro de 2007

Leituras de Deli: Deli (Khushwant Singh)

O meu amigo João há mais de um ano que me o recomendava. Armado em especialista deliense, com mais que fazer, fui adiando a leitura até ao dia em que finalmente, acotovelado no meio de dois punjabis num apertado avião da Turkish Airlines, o ataquei.

Talvez por eu nele reconhecer alguns elementos dos meus adorados Naipaul e Houellebecq. Talvez por o ter subestimado durante tanto tempo. Ou talvez porque narra uma vida em Deli que me é tão familiar. E finalmente, talvez por ter sido objecto de uma tradução exemplar (Luís Coimbra), de uma qualidade só raramente vista em Portugal (especialmente porque informada historicamente, culturalmente e geograficamente).

Uma narrativa solta e sincera que foi capaz de me iludir, por completo, no que concerne a sua situação temporal. Não me refiro aos saltos cronológicos seculares, da Idade Média, dos tugluques e dos mógois ao presente.

É mesmo a situação contemporânea que é contenciosa: por vezes parece que estamos ainda na Deli pacata pré-liberalização económica, capital das elites e em que tudo - da política e dos negócios ao amor - se fazia lentamente, com a calma que caracteriza qualquer civilização milenar. Uma capital em que o poder residia nas mãos de poucos, em que uma elite opulenta se encontrava no hoje decadente Gymnkhana e por lá, à volta de uma cup of tea, decidia o destino de milhões. Mas há também rasgos de uma Deli já pós-moderna, em que os Ambassadors são substituídos por Mercedes, em que as avenidas largas se encontram polvilhadas de soldados de metralhadora em punho e em que se fecham negócios multimilionários e se discute a ratificação de tratados estratégicos nucleares.

Durante a leitura inclinava-me para a primeira opção, confirmada agora por uma ida ao Wikipédia: a obra foi lançada em 1990, portanto antes do frenesim das reformas económicas e das transformações profundas de que a capital foi alvo.

E explica-se assim, mais uma vez, porque é que me deixei entusiasmar tanto por este Deli. Dá-me a conhecer uma Deli que só raramente se me apresenta, que só com muito esforço consigo imaginar à minha volta, mas que, aqui e acolá, continua a resistir aos ventos da mudança. Uma Deli omnipresente, mesmo que em rápido desaparecimento. É uma Deli que habita Defence Colony, que sobrevive em Chandni Chowk, nos Ambassadors e Marutis cobertos de ferrugem na minha rua, no gigantesco tomo em que o funcionário anota o número do meu recibo, ou nas ladies que ocupam as primeiras filas de um concerto de música clássica no India International Centre e exclamam repetidamente marvellous! .

A Cavalo de Ferro está assim de parabéns. Apresenta aos leitores portugueses mais do que um simples romance neo-orientalista, na linha do que têm oferecido os muitos escritores indianos chic no Ocidente. Apresenta uma magnífica porta de entrada para o subcontinente, em que o enquadramento histórico se lê como um livro de aventuras e em que o passado recente dos anos oitenta nos serve de referência e Norte na descoberta de uma Deli do presente que soluça por orientação.

Imagens de Deli: Instalando ligação Internet "broadband"

Desilusão

Pela parca quantidade de comentários que este espaço recolheu durante estes últimos quinze dias de silêncio, só posso chegar à conclusão seguinte: afinal, esta vida não evoca assim tanta curiosidade. Mas continuará.

Chandni Chowk (Atlântico)


Na Atlântico nº 30, de Setembro:


PASSAGEM PARA A ÍNDIA
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI

CHANDNI CHOWK

" Do topo do minarete da Jama Masjid, com a brisa a secar o suor dos braços, miramos o imenso bazaar de Velha Deli, também conhecido por Chandni Chowk. Ao fim da tarde, o movimento é tremendo. Os ciclo-riquexós serpenteiam pelo labirinto imundo, empurrados por multidões. À venda, de tudo: joalharia, gado, pneus, vibradores, sedas, arroz e caril. Nenhum planeamento urbanístico ou coerência arquitectónica. Os edifícios encontram-se quase todos arruinados. Aqui e acolá, por baixo dos cabos suspensos no ar e por entre as emendas em betão, zinco e plástico, emerge um raro pormenor tradicional de um poço medieval, de um haveli real ou de um armazém colonial.

Do conforto das alturas, observo que este bairro tem o potencial de vir a ser um dos patrimónios históricos mais visitados da Ásia. Anuncio: um dia, ainda durante as nossas vidas, veremos Chandni Chowk convertido numa espécie de Bairro Alto, Marais ou Kreuzberg, urbanisticamente domesticado, intelectualmente cosmopolita e turisticamente atractivo. A profecia é ridicularizada pela minha companhia e apresso-me a voltar a descer para colocar os pés em terra. Ensanduíchado por um pedinte leproso, um vendedor de bugigangas e uma mulher de burca, recupero do sonho celestial: afinal, quem sou eu para prever que esta eterna e imutável Índia se irá transformar? (...) "

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Imagens de Deli: Entregando água potável (Bisleri)

«Mais sexy do que nunca» (Expresso)

Expresso, 18 Agosto 2007, Internacional

60.º aniversário

A independência valeu a pena? Os indianos, eufóricos, dizem que sim. Os paquistaneses, inseguros, vacilam


Certezas e dúvidas existenciais

Guardas fronteiriços do Paquistão (esq.) e da Índia marcham perto do «checkpoint» de Wagah, no passado dia 1 de Agosto FOTO AMAN SHARMA/AP

Índia
"Mais sexy do que nunca"

O balanço não poderia ser mais triunfante. Aproveitando-se das comemorações do 60º aniversário da independência, os indianos lançaram uma vaga de patriotismo, exprimindo o orgulho em fazerem parte de um país de sucesso.

Há uma década reinava ainda um espírito pessimista. Os mais pobres emigravam em massa para o Ocidente. Muitos questionavam-se sobre os benefícios da independência.

Hoje, o espírito é o oposto. Ostentar em público a bandeira nacional deixou de ser proibido pela Constituição. Nos cinemas, antes de qualquer filme, seja ele de Hollywood ou de Bollywood, os espectadores levantam-se e entoam o ‘Jana Gana Mana’, o hino nacional. O orgulho reflecte-se também na imprensa. O ‘Times of India’, por exemplo, observava que a idade não dá sinais de pesar, considerando que a Índia está hoje “mais sexy do que nunca”.

Motivos para celebrar não faltam. O crescimento económico ronda os 10%, provocando um consumo desenfreado da classe média - entre 300 e 400 milhões de pessoas. Há 20 anos eram necessárias várias semanas e autorizações para instalar uma linha telefónica. Hoje vendem-se dois milhões de telemóveis por mês. Os mais de 500 mil médicos indianos, cobiçados nos melhores hospitais dos Estados Unidos e da Europa, ajudaram a reduzir a mortalidade infantil para um terço e a duplicar a esperança de vida para 67 anos.

No entanto, segundo várias sondagens, o que mais orgulha os indianos é o seu sistema político democrático. Exceptuando o breve episódio autoritário de Indira Gandhi, nos anos 70, a Índia afirmou-se como um raro caso de sucesso pós-colonial, mantendo a sua democracia em funcionamento ininterrupto, desde 1947. Se no Paquistão a política é vista como um monopólio dos militares, na Índia é simbólico serem duas instituições democráticas - a Comissão de Eleições e o Supremo Tribunal - a recolher maior simpatia popular.

Perante tanta euforia, o primeiro-ministro Manmohan Singh tentou moderar o optimismo, alertando para os desafios que o país ainda enfrenta. No seu discurso oficial, classificou de “vergonha nacional” o facto de haver ainda milhões de crianças indianas a sofrer de malnutrição. Mas perante a imensa ambição e confiança dos indianos, estes obstáculos parecem minúsculos, se não irrelevantes. O próprio Singh admitiu aliás que “o melhor ainda está por vir”. Por enquanto, a hora é de celebração.

Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

EPL-Índia

Nas ruas de Deli, vêem-se miúdos indianos a jogar à bola com os pés. Começou a English Premier League.

sábado, 18 de agosto de 2007

Indianização (Atlântico)

Excerto da minha crónica mensal "Passagem para a Índia", na revista Atlântico de Agosto, nas bancas ainda.

Correspondentes de Guerra

PASSAGEM PARA A ÍNDIA
Constantino Xavier em Nova Deli

INDIANIZAÇÃO

"Em 1947 Nehru e Patel conseguiram reunir, sob uma soberania, centenas de grupos étnicos, linguísticos e religiosos, mas a unidade era uma mera ilusão, formal e no papel. A nomenklatura procurou traduzi-la na prática. Ao longo de várias décadas centralizou o sistema político, obrigou os jovens a frequentarem “campos de integração nacional” e apostou no intercâmbio de militares e quadros administrativos, entre outras medidas homogeneizadoras para criar mais “indianos”. Contudo, as tentativas foram saudadas com um entusiasmo moderado, se não resistência.

Como surgiu então o sucesso da indianização? Surpreendentemente, pela via económica e não-governamental. As reformas de 1991, as privatizações e a abertura da economia criaram condições ideais para que a indianização se fizesse de forma natural, subtil e silenciosa, sem o barulho da imposição estatal.
"

Imagens de Deli: Vendedor de chá

Comentários: Cheias e o 15 de Agosto

Para a Antena 1, um comentário meu às cheias que assolaram o país, na Quinta feira da semana passada (sem ligação). Para a Rádio Renascença, um comentário sobre o Dia da Independência, celebrado no passado dia 15 de Agosto, e marcado pela tragédia das cheias (aqui, mas sem ficheiro áudio). Ficam aqui os apontamentos que me serviram para produzir a peça:

A Índia celebra hoje o 60º aniversário da sua independência do colonialismo britânico, com muita euforia, muita cor e grande confiança.

Logo de manhã, os jornais saudaram o dia histórico com capas coloridas e destaques triunfantes.

O HT antevê uma Índia “superpotência global” já em 2067, enquanto que o Times of India, faz o balanço com números, sublinhando a redução na taxa de mortalidade infantil, hoje três vezes menor do que há 60 anos.

Por todo o lado ecoa o hino nacional, conhecido como Jana Gana Mana, composto pelo grande filósofo Rabindranath Tagore.

O símbolo deste novo orgulho é a bandeira nacional, a tricolor conhecida como tiranga, que reveste as cidades e aldeias do país de tons verdes, brancos e cor de açafrão.

Há poucos anos ainda, a Constituição proibia os cidadãos de a ostentarem publicamente. Mas hoje, é o próprio Governo que distribui milhares de bandeirinhas nas escolas e em locais públicos, encorajando a onda de patriotismo que varre o país.

Mas o aniversário ficou também marcado pela devastação provocada pelas cheias no Norte do país, que as Nações Unidas apelidaram de “uma das mais graves catástrofes naturais” nesta região do mundo.

As chuvas incessantes, desde finais de Julho, provocaram um balanço dramático: quase 2 mil mortos, milhões de deslocados, 130 mil habitações totalmente destruídas e um prejuízo total de centenas de milhões de Euros.

Foi talvez por isso, que o Primeiro-Ministro Manmohan Singh, se referiu esta manhã aos grandes desafios que o país ainda terá que enfrentar para se tornar numa superpotência. Chamou por exemplo atenção para as dezenas de milhões de crianças que continuam a sofrer de mal-nutrição, ao que chamou de “vergonha nacional”.

Discursando em frente ao histórico Forte Vermelho, na parte antiga da capital, a Velha Deli, Singh referiu-se ainda ao perigo de as diferenças religiosas ou de casta poderem por em causa o sonho indiano. “Sejam indianos primeiro, e acima de tudo” pediu.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A zanga dos deuses da chuva (Expresso)

Expresso, Edição 1815, 11 Agosto 2007

Sul da Ásia
A zanga dos deuses da chuva

As maiores vítimas são as mulheres e crianças. Só na Índia, o prejuízo está avaliado em 200 milhões de euros

Foto: Em Dhaka, capital do Bangladesh, vítimas das cheias salvam os parcos haveres FOTO PAVEL RAHMAN/AP

O rio Ganges, um dos principais símbolos espirituais para os hindus, tornou-se mortífero com as suas águas a fazerem capotar várias lanchas de salvamento que prestavam socorro às vítimas das cheias que afectaram cerca de 50 milhões de pessoas - principalmente na Índia, no Nepal e no Bangladesh - provocando mais de 28 milhões de deslocados e a morte de quase duas mil pessoas.

Na sua grande maioria, os mortos são mulheres e crianças vítimas de afogamento, fome, mordeduras de cobra, electrocussão, ou que perecem esmagadas durante as operações de socorro e distribuição de alimentos.

Duas semanas depois destas chuvas torrenciais de monção terem começado a inundar a Ásia do sul, já se faz sentir o impacto daquilo que as Nações Unidas classificam com “uma das piores catástrofes naturais de sempre” na região. Falha o abastecimento de água potável e 40% das planícies do Bangladesh - um país que tem a maior parte do território abaixo do nível do mar - encontram-se submersas.

Na Índia, no estado de Bihar, um dos mais pobres do subcontinente, 13,8 milhões de pessoas foram atingidas e 1,1 milhões de hectares de terras agrícolas ficaram parcial ou totalmente submersas.

Também os estados indianos de Uttar Pradesh (norte), de Assam (nordeste) e do Orissa (leste) - onde cerca de 6,5 milhões de pessoas foram atingidas - estão submersos pelas águas. No país de Gandhi, há dois milhões de hectares de terrenos agrícolas inundados, 130 mil habitações totalmente destruídas, e 70 mil cabeças de gado vitimadas.

No Nepal, nas zonas montanhosas mais remotas, a assistência médica aos feridos está, muitas vezes, a ser feita pela guerrilha maoísta que combate o regime que governa o país.

Depois do dilúvio, o impacto começa a sentir-se em termos políticos. Esta semana, a Índia e o Nepal trocaram acusações, com um ministro estadual indiano a denunciar a falta de barragens para parar a água do lado nepalês, e o Governo de Katmandu a ripostar que as cheias no Sul do seu território se devem à construção excessiva de barragens do lado indiano.

Entretanto, Nova Deli receia que entre os milhares de refugiados do Bangladesh que cruzaram a fronteira indiana nos últimos dias se encontrem elementos das organizações separatistas e terroristas islâmicas que operam no Nordeste do país.

Mas a grande preocupação continua a ser o impacto a longo termo destas cheias que o secretário-geral das Nações Unidas já apelidou de “devastação económica”. Segundo a UNICEF, no estado indiano do Bihar, já antes do dilúvio, 60% das crianças estavam malnutridas. Com o turbilhão das águas podem começar a ser atingidas pela diarreia, febre tifóide, malária e várias outras doenças potencialmente letais.

Este ano, a força da monção ainda está a ser mais longa e mais forte do que é habitual.

Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli

Imagens de Deli: Tyler após a greve de fome


quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Leituras de Deli: Economic & Political Weekly

Considero o Economic & Political Weekly (EPW), de que sou assinante, um dos melhores produtos indianos da actualidade. É uma revista semanal de origem científica e académica, mas que mantém sempre uma grande acutilância sobre a actualidade política e económica nacional e mundial. De comentários a recensões, passando por artigos especiais de grandes comentadores, esta é uma daquelas publicações de que os cientistas sociais, de qualquer nacionalidade ou linhagem ideológica, se podem orgulhar.

Sanjay Rabo

Uma gralha (repetida ao longo de todo o texto) espelha, mais uma vez, a qualidade do nosso jornalismo na sua cobertura internacional. Como Dutt passa a Butt...:

Sanjay Butt, um dos maiores ídolos do cinema indiano, foi ontem condenado a seis anos de cadeia por ligações aos terroristas que em 1993 levaram a cabo os atentados de Bombaim, que mataram 257 pessoas e são considerados os piores de sempre na Índia...

Imagens de Deli: Manifestante do BJP


Fragmento histórico

Recorda um activista do Arya Samaj, no contexto do conturbado e violento de processo de integração do principado de Hiderabad na República da Índia, em 1948:

"The Nizam was also getting arms from Goa which was under the rule of Portugal".

Assustador, mas descabido

Mário Soares, no Público de hoje:

"A menos que sejamos tão insensatos que queiramos atirar a Rússia, contra os nossos interesses, para o triângulo estratégico que pode vir a desenhar-se na Ásia: China, Índia, Rússia. Já pensou nessa eventualidade?"

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

terça-feira, 31 de julho de 2007

Porteiro

Passa o dia enfardado, de pé, no mesmo meio metro quadrado: abre e fecha a porta, recebe e despede-se dos clientes, troca fichas numeradas por sacos e malas. À hora de almoço, opera a porta com a mão esquerda, enquanto que com a direita ensopa a apa no caril e mata a fome.

Internacionalização

Em conjunto com a sondagem que mantenho activa no Supergoa.com (Por que razão é que os empresários portugueses continuam ausentes da Índia?), recomendo este artigo de João Santos Lucas sobre a (fraca) internacionalização de empresas portuguesas na Ásia:

"a internacionalização se faz com colaboradores competentes e disponíveis que ganharam experiência nos mercados internacionais e, aí, se movem à vontade. E, por isso, é necessário capitalizar as comunidades portuguesas no estrangeiro e investir, aí, na formação de “agentes” locais de internacionalização da economia portuguesa. Como é igualmente necessário favorecer a dispersão, nomeadamente nos países sem emigrantes portugueses, de um número muito significativo de gestores e de profissionais portugueses que se entrosem nas empresas multinacionais e locais, que ganhem experiência nesses mercados, e que favoreçam, apoiem e promovam a expansão das empresas portuguesas. Com especial incidência na Ásia, do Japão à China, da Índia à Indonésia, da Malásia a Singapura."...

Imagem de marca

Sabões portugueses a serem anunciados num jornal diário de Bombaim. É assim que se faz branding, colocando Portugal como imagem de marca no imaginário dos consumidores indianos. É assim que podemos penetrar novos mercados. Que venham mais Claus Portos.






Go check out a Rs 2,000 ka sabun
Claus Porto hand made soaps are now available in amchi Mumbai

Why they could cost 2k?
>Because they are packaged in exclusively designed art deco prints that evoke the vintage charm of Portugal.
>Because they are natural, not tested on animals.
>Because they are 100% bio-degradable.
>Because they come from the oldest and most prestigious soap making factory in Portugal.
>Because these soaps are milled seven times so that you get a dense soap that’s fragrant till the end, doesn’t crack or chip.
>Because they are made with coconut oil and shea butter to moisturise your skin.
>Because they use high quality fragrances from France.

Kuch hazam nahin hua? Otherwise, you can make your way to: Good Earth, Raghuvanshi Mills Compound, Raghuvanshi Mansion, 11-12 next to High Street Phoenix, Lower Parel

Imagens de Deli: Sandeep, Vice-Presidente JNUSU

domingo, 29 de julho de 2007

Falando em sati e para animar isto

Shambo

Já me preparava para escrever aqui uma longa crónica, anotando as minhas observações sobre este surreal episódio. Não vale a pena:
1. O Shambo tinha que morrer, tal como, há uns anos, a minha cadela Saba.
2. Talvez o Shambo não seja o único doente: quando a BBC World abre o noticiário, em prime-time, com o Shambo, algo vai visivelmente mal neste mundo.

Sati e um sociólogo pouco cosmopolita

O sociólogo Alberto Gonçalves, numa edição do DN de há umas semanas.

"Há meses, no Expresso, o meu amigo João Pereira Coutinho lembrou o general Charles James Napier, comandante militar da administração britânica na Índia oitocentista. Uma ocasião, Napier recebeu uma delegação regional, que reivindicava o direito de realizar a "sati", a divertida mania de grelhar as viúvas na pira funerária dos maridos. O general propôs um encontro de culturas: "A vossa tradição inclui a queima de mulheres. Óptimo. A minha inclui o enforcamento das pessoas que queimam mulheres. Façam a pira, que ao lado faremos uma forca. Vocês cumprem o vosso costume, nós cumprimos o nosso." Obviamente, não foi o que se passou no século posterior. Aos poucos, a Grã-Bretanha (e a Europa) largou o império e os costumes. Os ex-colonizados levaram os costumes para a casa dos ex-colonos. E a sensatez de Napier não tem herdeiros."



Pergunto eu: que tal acostumarmo-nos um pouco aos costumes dos outros, em vez de insistirmos no (muito oitocentista e infantil) "olho por olho, dente por dente"?

Confiança e desconfiança

Índia e Portugal, ambos alvo de destaque no mesmo estudo, mas por razões opostas.

sábado, 28 de julho de 2007

terça-feira, 10 de julho de 2007

Citações de Deli: Ratan Tata

"We are not afraid of European carmakers, they don't make cheap cars," (Ratan) Tata told shareholders at Tata Motors' annual general meeting here. He, however, said: "But greater threat to us is when Chinese companies come to Indian market."

Lodhi Road

O sinal está vermelho e o sangue alcoolizado, mas o pé direito acelera a fundo.

A cara primeiro, depois o abafado e ensanguentado estrondo do embate no pára-brisas. Uma cara criança. Escura, tão escura que mal se distingue da noite negra, das árvores e dos arbustos, dos mendigos, meninos e mutilados adormecidos, todos aguardando a aurora e a letargia de mais um dia.

Retira o preservativo e enrola-o numa página de jornal. Fecha os olhos e saboreia o ar condicionado. Mais um, menos um, tanto faz, pensa, ainda suado. Amanhã é outro dia, quente e húmido, cheio de sucessos.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Imagens de Deli: Tyler em greve de fome

Já conheçem o meu amigo, colega e collocataire. Tyler Walker William, Vice-Presidente da Associação de Estudantes da JNU (JNUSU), eleito pelo partido estudantil de extrema esquerda, All India Students Association (AISA). A sua eleição, a sua nacionalidade, a sua ideologia e a sua fluência em hindi levaram-no, há dez meses, a abrir os noticiários televisivos por toda a Índia.

Levam-no agora a uma greve de fome, na luta estudantil para que os trabalhadores nas obras da universidade pública sejam remunerados com o salário mínimo estabelecido pelo próprio governo (menos de três Euros por dia - recebem actualmente menos de dois, e vivem com as suas numerosas famílias numa tenda, sem acesso a instalações sanitárias).

Assim, oito estudantes iniciaram, há mais de uma semana, uma greve de fome ininterrupta. Nesta foto o Tyler estava no seu sétimo dia de greve (no Sábado passado), ingerindo só água com sumo de limão puro. Dormem ao relento, a temperaturas superiores a trinta graus e com humidade acima dos 80%. Acabo de falar com o Tyler por telefone. Diz que está "óptimo" neste seu nono dia de greve e que "a luta continua".

Regresso

Concluído o seu contrato de três anos em Nova Deli, anuncia aos colegas e amigos o seu regresso a Oslo, num hotel, à volta de uma mesa em vidro cicatrizada pela base dos copos. Lá fora a humidade, a merda, os fetos em decomposição e o seu motorista. Dói-lhe a cabeça, mas só um pouco. Os olhos escandinavos não mentem. Já sente saudades.

Comendo em Deli: Mezbaan


Uma nova série, com pequenos apontamentos sobre os restaurantes da cidade que eu vou frequentando. Este primeiro é sobre o Mezbaan (9/1 Secular House, Aruna Asaf Ali Marg, Opposite JNU East Gate, New Delhi, Tel: 011-26966398; não confundir com o seu congénere mais luxuoso, de igual nome, em Connaught Place), um pequeno estabelecimento junto a uma das entradas paralelas da JNU. Serve comida mughlai, recomendando-se os seus tandooris (na foto: paneer tikka e chicken tandoori, com o sempre delicioso bindi masala).

O aspecto interior (austero) e a higiene (q.b.) não são o seu forte, mas a comida é segura e bem cozinhada. É muito frequentado pelos estudantes da JNU, que aqui usufruem de um desconto de 10% sobre a conta final. Um bom almoço para dois, com fresh lime soda e um pequeno gelado no fim, fica em pouco mais de 200 Rupias.

sábado, 7 de julho de 2007

Citações de Deli: Barka Dhutt

Hoje, no Hindustan Times:

But now, we are almost out of argument and standing eyeball to eyeball with a horrible, inescapable truth.The man who rammed a burning car into the airport at Glasgow was almost certainly an Indian. And no, he doesn’t have a long, flowing beard, he doesn’t wear a skullcap, he didn’t study Urdu or Arabic at a madrasa and he’s not even from Kashmir. Kafeel Ahmed is an aeronautical engineer who went to school and college in Bangalore, before moving westwards to Ireland and Britain. ... Glasgow may be several thousand miles away, but the lessons it has brought home are devastating and undeniable. The Indian connection to the terror plot in Britain has shifted the ground beneath our feet. It has taken away the comforting certainties that we had taken for granted as a modern, secular democracy.

Já o tinha previsto quando, em finais do ano passado, publiquei um artigo de análise pós-atentados terroristas de Bombaim, na revista O Mundo em Portugês, do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais:

"...o 11 de Julho fez a Índia acordar para uma nova realidade. Algumas franjas mais desfavorecidas da sua população muçulmana têm-se radicalizado ao longo dos últimos anos e entrado na órbita do terrorismo islâmico internacional. Embora tenha a maior minoria muçulmana do mundo (cerca de 150 milhões de pessoas), a Índia sempre se orgulhou do facto de os seus cidadãos nunca constarem das listas de operacionais da al-Qaida ou de qualquer outra organização terrorista islâmica.

Os atentados de Bombaim vêm, no entanto, provar o contrário. Têm claramente o carimbo operativo da al-Qaida, mas tudo aponta para que tenham sido executados por recrutas locais do LeT, do JeM ou do SIMI. Este fenómeno é de particular importância, tendo em conta que a al-Qaida procura garantir novas fontes de recrutamento. Enquanto que cidadãos paquistaneses e afegãos estão sob redobrada atenção desde o 11 de Setembro, a vasta minoria muçulmana da Índia apresenta-se como uma alternativa atractiva."

Hoje à noite, em Lisboa