sexta-feira, 17 de agosto de 2007

A zanga dos deuses da chuva (Expresso)

Expresso, Edição 1815, 11 Agosto 2007

Sul da Ásia
A zanga dos deuses da chuva

As maiores vítimas são as mulheres e crianças. Só na Índia, o prejuízo está avaliado em 200 milhões de euros

Foto: Em Dhaka, capital do Bangladesh, vítimas das cheias salvam os parcos haveres FOTO PAVEL RAHMAN/AP

O rio Ganges, um dos principais símbolos espirituais para os hindus, tornou-se mortífero com as suas águas a fazerem capotar várias lanchas de salvamento que prestavam socorro às vítimas das cheias que afectaram cerca de 50 milhões de pessoas - principalmente na Índia, no Nepal e no Bangladesh - provocando mais de 28 milhões de deslocados e a morte de quase duas mil pessoas.

Na sua grande maioria, os mortos são mulheres e crianças vítimas de afogamento, fome, mordeduras de cobra, electrocussão, ou que perecem esmagadas durante as operações de socorro e distribuição de alimentos.

Duas semanas depois destas chuvas torrenciais de monção terem começado a inundar a Ásia do sul, já se faz sentir o impacto daquilo que as Nações Unidas classificam com “uma das piores catástrofes naturais de sempre” na região. Falha o abastecimento de água potável e 40% das planícies do Bangladesh - um país que tem a maior parte do território abaixo do nível do mar - encontram-se submersas.

Na Índia, no estado de Bihar, um dos mais pobres do subcontinente, 13,8 milhões de pessoas foram atingidas e 1,1 milhões de hectares de terras agrícolas ficaram parcial ou totalmente submersas.

Também os estados indianos de Uttar Pradesh (norte), de Assam (nordeste) e do Orissa (leste) - onde cerca de 6,5 milhões de pessoas foram atingidas - estão submersos pelas águas. No país de Gandhi, há dois milhões de hectares de terrenos agrícolas inundados, 130 mil habitações totalmente destruídas, e 70 mil cabeças de gado vitimadas.

No Nepal, nas zonas montanhosas mais remotas, a assistência médica aos feridos está, muitas vezes, a ser feita pela guerrilha maoísta que combate o regime que governa o país.

Depois do dilúvio, o impacto começa a sentir-se em termos políticos. Esta semana, a Índia e o Nepal trocaram acusações, com um ministro estadual indiano a denunciar a falta de barragens para parar a água do lado nepalês, e o Governo de Katmandu a ripostar que as cheias no Sul do seu território se devem à construção excessiva de barragens do lado indiano.

Entretanto, Nova Deli receia que entre os milhares de refugiados do Bangladesh que cruzaram a fronteira indiana nos últimos dias se encontrem elementos das organizações separatistas e terroristas islâmicas que operam no Nordeste do país.

Mas a grande preocupação continua a ser o impacto a longo termo destas cheias que o secretário-geral das Nações Unidas já apelidou de “devastação económica”. Segundo a UNICEF, no estado indiano do Bihar, já antes do dilúvio, 60% das crianças estavam malnutridas. Com o turbilhão das águas podem começar a ser atingidas pela diarreia, febre tifóide, malária e várias outras doenças potencialmente letais.

Este ano, a força da monção ainda está a ser mais longa e mais forte do que é habitual.

Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli

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