Na Atlântico nº 30, de Setembro:
PASSAGEM PARA A ÍNDIA
CONSTANTINO XAVIER EM NOVA DELI
CHANDNI CHOWK
" Do topo do minarete da Jama Masjid, com a brisa a secar o suor dos braços, miramos o imenso bazaar de Velha Deli, também conhecido por Chandni Chowk. Ao fim da tarde, o movimento é tremendo. Os ciclo-riquexós serpenteiam pelo labirinto imundo, empurrados por multidões. À venda, de tudo: joalharia, gado, pneus, vibradores, sedas, arroz e caril. Nenhum planeamento urbanístico ou coerência arquitectónica. Os edifícios encontram-se quase todos arruinados. Aqui e acolá, por baixo dos cabos suspensos no ar e por entre as emendas em betão, zinco e plástico, emerge um raro pormenor tradicional de um poço medieval, de um haveli real ou de um armazém colonial.
Do conforto das alturas, observo que este bairro tem o potencial de vir a ser um dos patrimónios históricos mais visitados da Ásia. Anuncio: um dia, ainda durante as nossas vidas, veremos Chandni Chowk convertido numa espécie de Bairro Alto, Marais ou Kreuzberg, urbanisticamente domesticado, intelectualmente cosmopolita e turisticamente atractivo. A profecia é ridicularizada pela minha companhia e apresso-me a voltar a descer para colocar os pés em terra. Ensanduíchado por um pedinte leproso, um vendedor de bugigangas e uma mulher de burca, recupero do sonho celestial: afinal, quem sou eu para prever que esta eterna e imutável Índia se irá transformar? (...) "
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