Expresso, 18 Agosto 2007, Internacional
60.º aniversário
60.º aniversário
A independência valeu a pena? Os indianos, eufóricos, dizem que sim. Os paquistaneses, inseguros, vacilam
Certezas e dúvidas existenciais
Guardas fronteiriços do Paquistão (esq.) e da Índia marcham perto do «checkpoint» de Wagah, no passado dia 1 de Agosto FOTO AMAN SHARMA/AP
Índia
"Mais sexy do que nunca"
O balanço não poderia ser mais triunfante. Aproveitando-se das comemorações do 60º aniversário da independência, os indianos lançaram uma vaga de patriotismo, exprimindo o orgulho em fazerem parte de um país de sucesso.
Há uma década reinava ainda um espírito pessimista. Os mais pobres emigravam em massa para o Ocidente. Muitos questionavam-se sobre os benefícios da independência.
Hoje, o espírito é o oposto. Ostentar em público a bandeira nacional deixou de ser proibido pela Constituição. Nos cinemas, antes de qualquer filme, seja ele de Hollywood ou de Bollywood, os espectadores levantam-se e entoam o ‘Jana Gana Mana’, o hino nacional. O orgulho reflecte-se também na imprensa. O ‘Times of India’, por exemplo, observava que a idade não dá sinais de pesar, considerando que a Índia está hoje “mais sexy do que nunca”.
Motivos para celebrar não faltam. O crescimento económico ronda os 10%, provocando um consumo desenfreado da classe média - entre 300 e 400 milhões de pessoas. Há 20 anos eram necessárias várias semanas e autorizações para instalar uma linha telefónica. Hoje vendem-se dois milhões de telemóveis por mês. Os mais de 500 mil médicos indianos, cobiçados nos melhores hospitais dos Estados Unidos e da Europa, ajudaram a reduzir a mortalidade infantil para um terço e a duplicar a esperança de vida para 67 anos.
No entanto, segundo várias sondagens, o que mais orgulha os indianos é o seu sistema político democrático. Exceptuando o breve episódio autoritário de Indira Gandhi, nos anos 70, a Índia afirmou-se como um raro caso de sucesso pós-colonial, mantendo a sua democracia em funcionamento ininterrupto, desde 1947. Se no Paquistão a política é vista como um monopólio dos militares, na Índia é simbólico serem duas instituições democráticas - a Comissão de Eleições e o Supremo Tribunal - a recolher maior simpatia popular.
Perante tanta euforia, o primeiro-ministro Manmohan Singh tentou moderar o optimismo, alertando para os desafios que o país ainda enfrenta. No seu discurso oficial, classificou de “vergonha nacional” o facto de haver ainda milhões de crianças indianas a sofrer de malnutrição. Mas perante a imensa ambição e confiança dos indianos, estes obstáculos parecem minúsculos, se não irrelevantes. O próprio Singh admitiu aliás que “o melhor ainda está por vir”. Por enquanto, a hora é de celebração.
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
Guardas fronteiriços do Paquistão (esq.) e da Índia marcham perto do «checkpoint» de Wagah, no passado dia 1 de Agosto FOTO AMAN SHARMA/AP
Índia
"Mais sexy do que nunca"
O balanço não poderia ser mais triunfante. Aproveitando-se das comemorações do 60º aniversário da independência, os indianos lançaram uma vaga de patriotismo, exprimindo o orgulho em fazerem parte de um país de sucesso.
Há uma década reinava ainda um espírito pessimista. Os mais pobres emigravam em massa para o Ocidente. Muitos questionavam-se sobre os benefícios da independência.
Hoje, o espírito é o oposto. Ostentar em público a bandeira nacional deixou de ser proibido pela Constituição. Nos cinemas, antes de qualquer filme, seja ele de Hollywood ou de Bollywood, os espectadores levantam-se e entoam o ‘Jana Gana Mana’, o hino nacional. O orgulho reflecte-se também na imprensa. O ‘Times of India’, por exemplo, observava que a idade não dá sinais de pesar, considerando que a Índia está hoje “mais sexy do que nunca”.
Motivos para celebrar não faltam. O crescimento económico ronda os 10%, provocando um consumo desenfreado da classe média - entre 300 e 400 milhões de pessoas. Há 20 anos eram necessárias várias semanas e autorizações para instalar uma linha telefónica. Hoje vendem-se dois milhões de telemóveis por mês. Os mais de 500 mil médicos indianos, cobiçados nos melhores hospitais dos Estados Unidos e da Europa, ajudaram a reduzir a mortalidade infantil para um terço e a duplicar a esperança de vida para 67 anos.
No entanto, segundo várias sondagens, o que mais orgulha os indianos é o seu sistema político democrático. Exceptuando o breve episódio autoritário de Indira Gandhi, nos anos 70, a Índia afirmou-se como um raro caso de sucesso pós-colonial, mantendo a sua democracia em funcionamento ininterrupto, desde 1947. Se no Paquistão a política é vista como um monopólio dos militares, na Índia é simbólico serem duas instituições democráticas - a Comissão de Eleições e o Supremo Tribunal - a recolher maior simpatia popular.
Perante tanta euforia, o primeiro-ministro Manmohan Singh tentou moderar o optimismo, alertando para os desafios que o país ainda enfrenta. No seu discurso oficial, classificou de “vergonha nacional” o facto de haver ainda milhões de crianças indianas a sofrer de malnutrição. Mas perante a imensa ambição e confiança dos indianos, estes obstáculos parecem minúsculos, se não irrelevantes. O próprio Singh admitiu aliás que “o melhor ainda está por vir”. Por enquanto, a hora é de celebração.
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
Deixa-me fazer um prólegómenos. Este Constantino não descansa. Ele é a Vida em Deli, ele é o Expresso (do Oriente, claro), ele é a Rádio Renascença, ele é o Goan Observer, ele é a Atlântico, ele é a Supergoa.com, ele é, enfim; o Ecos do Oriente. Leia-se pela ordem que se quiser, de trás para a frente ou da frente para trás, pelas beiras sem asfalto - vão todos dar ao mesmo: Constantino Hermanns Xavier. É obra. É de homem.
ResponderEliminarSe não fosse chamar a isto um pretencioso prolegómenos, ficar-me-ia por aqui. Mas, consultado o velho Torrinha, o Universal da Porto Editora e, até, o neolítico Lello igualmente Universal e em dois tomos, todos me confirmam o que sabia, mas, por vezes, me alimentava alguma interrogação. Longa nota introdutória a. Isto é, pior do que a légua da Póvoa. Ponto final, parágrafo. Na outra linha.
Um dia, já lá vão uns anos entrevistei em Deli Indira Gandhi. Escassos anos depois, foi a vez de conversar com Rajiv Gandhi. O Diário de Notícias publicou textos e fotos.
Também falei com a Sónia, já mais indiana do que italiana. E tenho falado com o Eduardo Faleiro - meu colega de estudo (???) em Lisboa, vezes sem conta, estando ele no Governo ou fora, na Lok Sabha ou fora, em Raia ou em Lisboa. E mais gente da política do Baharat, que é o nome do País em devanágri (creio que é assim...), da cultura, das ciências, das artes, do desporto, da religião, eu sei lá.
Mas, a última vez que por aí estive, foi em 89, quando as coisas ainda eram muito difíceis. Pois, de tudo isto me ficou a imagem de muitos milhões de pobres párias, vida nos passeios, cremações incompletas, soldados mal fardados e polícias ainda piores.
Daí até hoje, muitos Amigos têm visitado o Hindustão. Bastantes familiares, pois minha mulher é Goesa. E praticamente todos me têm referido o salto em frente, impressionante, deste País.
Vem agora o Constantino - citando o Times of India (onde já publiquei nos idos de 80 umas duas ou três crónicas, sabe-se lá por que artes...) -, falar nos 60 anos sexy dela. Dela, India, está bem de ver.
É uma expressão lindíssima, para não entrar com o pleonástico «lindérrima» brasileiríssimo. Que se aplica ao Bharat. Eu vi as pessoas a dormirem nos passeios de Bombaim (como então se dizia), isto é, a viverem: nascerem, fornicarem, fazerem as necessidades e filhos e morrerem, tendo nos entretantos questões rijas com os iguais que lhes tentavam ocupar o espaço. Nos passeios.
Eu vi em Calcutá, pela madrugada e levado por um membro do Governo comunista do Estado, camiões camarários a despejarem nas cloacas dos esgotos, cadáveres aos montes. E vi a Cidade da Alegria, levado pelo Lapierre. E vi a madre Teresa.
Eu vi em Bubanheshwar homens sagrados, cegos, cobertos de cinzas, entregarem a alma a um qualquer criador, junto aos campos de criquete. E vi, e participei, numa adivinhação de um deles, longas barbas brancas, um sumário pano, o bordão e a marmita para o arroz oferecido.
Ele pegou-me na mão e os seus olhos fechados para sempre, pareceram fitar-me. E a lenga-lenda que o intérprete traduziu. Português, na força da vida, os seus antepassados passaram por aqui, casado, três filhos e dado às letras e à política. Eu vi - e senti.
Ora, é este País que comemora com euforia as sessenta décadas da sua existência. Vem-me à memória o Esta noite, a Liberdade dos meus Amigos Dominique Lapierre e Larry Collins. Começo a estar velho. Não adianta o desabafo ou o lamento: no dia 20 de Setembro, ao virar da esquina, completo 66.
Pois esta India que todos os dias se renova, se moderniza, progride, é, ainda, sexy. Ou, melhor: continua a ser sexy. E, pelos vistos, continuará.
Um abração, Constantino. E até já.
Tenho cópia da entrevista da Indira sim senhor.
ResponderEliminarMuito bem