Expresso, Economia, Edição 1874, 6 de Janeiro 07
O momento indiano
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
Avul Pakir Jainulabdeen Abdul Kalam. O perfil biográfico do Presidente da Índia, que na próxima semana servirá de cicerone a Cavaco Silva, representa bem o momento de transformação que se vive no segundo país mais populoso do mundo. Os perfis de Kalam e da nova Índia conjugam-se e confundem-se em três planos essenciais.
Primeiro, a primazia da ciência e da tecnologia como alicerces fundamentais para o desenvolvimento. Kalam é formado em Engenharia Aeronáutica e foi um dos grandes impulsionadores da investigação espacial indiana, além de ser o pai da estratégia «Visão Tecnologia 2020».
Depois, a crença no poder militar de produção interna, simbolizada pela liderança de Kalam no programa de mísseis balísticos e pelo seu papel determinante na realização dos testes nucleares, em 1998.
Finalmente, a aposta na educação, representada no seu currículo académico com mais de trinta doutoramentos «honoris causa» e pelo facto de o chefe de Estado dedicar especial atenção à escolarização obrigatória e à educação superior de excelência.
É justamente nestes três planos que a Índia tem coleccionado sucessivas vitórias a nível mundial e atraído a atenção de uma comunidade internacional que, ainda recentemente, a descartava como mais um país sofrendo de subdesenvolvimento crónico. É, por isso, com algum espírito vingativo que se vive o actual momento de euforia na Índia. De tal maneira que até os moderados elogios que o seu primeiro-ministro dedicou à colonização inglesa, num discurso na Universidade de Oxford, foram alvo de radical contestação.
“Este é seguramente o nosso tempo”, declarava a recente capa de um diário económico indiano, proclamando categoricamente que o “futuro do mundo faz-se aqui”. São doses inéditas de confiança, que levam o próprio Presidente Kalam a reivindicar, já em 2020, o estatuto de superpotência para o seu país.
Perante todo este optimismo oriental, emergem duas questões essenciais. Até que ponto é justificado interpretar este momento indiano como uma força embrionária de um mundo pós-ocidental, com centros de decisão na Ásia, e que tanto alarme está a fazer soar na Europa e nos Estados Unidos?
E no nosso caso, em particular, até que ponto é que Portugal poderá continuar a dar-se ao luxo de ignorar o impacto deste momento indiano, em vez de explorar as inúmeras oportunidades que ele nos apresenta? Seria recomendável se, no contexto da visita presidencial à Índia, reflectíssemos um pouco sobre estas questões.
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