terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Goa Bachao (Expresso)

Ora cá está um dos resultados da minha ida-relâmpago a Goa, por dois dias, aquando da visita do Presidente da República a Goa. Acompanhando a Luisa Meireles e o Luiz Carvalho (fotografia), dei-lhes a conhecer uma Goa diferente daquela dos nostálgicos velhinhos goeses lusófonos de olhos azuis em lágrima, ou daquela dos cafés e restaurantes com nomes portugueses. A Goa de hoje, portanto.

Esta reportagem, publicada na Única, é por isso, de certa forma, uma resposta minha às críticas que tenho lançado sobre a forma (displicente, simplista ou superficial e emocional) com que a imprensa portuguesa tem, na maioria dos casos, olhado para Goa e a Índia, em geral. Há excepções, é claro (ver a minha Passagem para a Índia na revista Atlântico de Março). Mas, regra geral, a grande distância que ainda separa Portugal de Goa, deve-se em grande medida a esta incapacidade mediática portuguesa em apreender a Goa de hoje, tal como ela é, para além de todas as saudades e lágrimas.

Expresso, Revista Única, 27 Jan. 07, edição 1787
GOA BACHAO

O pequeno paraíso perdido e frágil de Goa está em perigo. Um movimento, Salvar Goa (Goa Bachao), quer preservá-lo

IGREJA da Nossa Senhora da Imaculada Conceição, um ícone da velha Goa

É quase um grito de desespero: «Goa Bachao», Salvar Goa! Desde há dois meses, é isto que se ouve em Goa, é disto que se fala neste minúsculo paraíso cada vez menos perdido de 3.700 quilómetros quadrados, uma área só um pouco maior do que o distrito de Leiria. «Devolvam-nos a nossa verde Goa» - «Aamchem goem amka parat zai» - assim apela em concani, a língua local, o médico Óscar Rebelo, um goês que fala um português perfeito e que lidera o movimento: «Que este grito de guerra ressoe em cada aldeia do estado de Goa.»

Num domingo à tarde, faz agora 15 dias, era também isto que se ouvia num comício realizado na praça municipal de Quepem, uma pequena vila do interior. Um sol ainda abrasador apesar do adiantado da tarde, mas que não afastava os participantes do pequeno comício: mulheres gastas, idosas, sentadas nas cadeiras com os seus panos na cabeça a protegerem do sol, os homens de pé, junto aos muros. No palco, tudo preparado para receber o estado-maior do movimento Salvar Goa (Goa Bachao Abhiyan), que tarda. São cinco horas e o comício anterior, na cidade de Margão, ainda não acabou.

Bela Hortênsia Matilde Fernandes, de seu nome completo apesar de não falar uma palavra de português, é uma goesa de 53 anos que veio ao comício porque quer protestar: «Estão a vender Goa aos nossos inimigos.» Inimigos? «A gente de fora, estrangeiros e de outros estados.» Junto dela, Ajay Pereira, que se apresenta como um empresário-agricultor de 35 anos e parece ser o elemento de ligação local do movimento, acrescenta que ali, em Goa, «a cultura é diferente do resto da Índia». «É ocidental por causa da herança portuguesa», diz ele, mas não tem ilusões de que são todos indianos. «Acreditamos na Índia, mas não acreditamos nas pessoas que trazem para cá imigrantes, que constroem casas e nos tiram as terras. Como é que depois nos vamos alimentar?», pergunta.

PROGRESSO Goa tornou-se uma mistura de novos e velhos goeses e muitos imigrantes. Está na encruzilhada entre o progresso e a necessidade de preservar a sua identidade

As pessoas vão chegando, juntando-se rente aos muros onde estão expostos vários mapas, fotografias e recortes de jornais. Falam do Plano Regional de Desenvolvimento 2011, uma espécie de plano de ordenamento territorial, e que está na origem de toda esta confusão. Aprovado pelo Governo goês em Agosto de 2006, nos bastidores políticos, prevê a urbanização acelerada do estado, principalmente junto à costa, o alargamento das zonas mineiras, a transformação de muitas zonas florestais em zonas de habitação, tudo para dar lugar a um turismo maciço. Pelo menos cinco megaprojectos estão previstos com os seus condomínios exclusivos, campos de golfe e «resorts».

Num portefólio, estilo antes e depois, pregado no muro, mostra-se um desses sítios, uma idílica vila piscatória no Sul do estado que foi vendida a um consórcio estrangeiro. O Plano prevê a construção de um «resort» com um hotel de cinco estrelas, 800 «villas», cinemas, casino, restaurantes, bares, «boutiques», sala de conferências e de banquetes, uma marina. Para os habitantes de Quepem, por cujas ruas ainda circulam as vacas e onde só raramente se avista um turista, nada disto faz sentido.



Goa, que no fundo é uma sucessão de pequenas aldeias, tem uma linha de costa de 105 km e um máximo de comprimento para o interior de 65 km. Entre o mar e a fértil terra irrigada por dois grandes rios, o Zuari e o Mandovi, Goa tem um ecossistema frágil e delicado, santuário de muitas espécies protegidas. Para Patrícia Pinto, número dois do movimento Goa Bachao, o pequeno estado está em perigo. Mulher bonita e morena, vereadora municipal na capital Pangim, circula pelo recinto do comício, falando com as pessoas, enquanto no palanque discursa Óscar Rebelo. Em concani, pergunta se eles conhecem o plano e o que ele vai provocar e, numa verdadeira lição de política, diz-lhes que eles «é que elegem os políticos e estes têm de fazer o que eles querem, não o contrário.»

LUTA O Salvar Goa/Goa Bachao percorre todas as aldeias do Estado em sessões de esclarecimento popular, explicando as razões por que estão contra um novo plano regional

É este o método do Goa Bachao/Save Goa. Criado em Novembro e formado em Dezembro depois de um enorme comício realizado em Pangim, percorre cada aldeia das 12 talukas (concelhos) de Goa e realiza sessões de esclarecimento popular. A ideia, conta ela ao EXPRESSO, é acabar com o plano, «porque é ilegal e errado»: não cumpre as leis que protegem a floresta, nem as que regulam a costa, é contra as Comunidades (gaunkari, a histórica organização rural de Goa) e estrutura mal as cidades.

«Queremos um novo plano que tenha em conta as necessidades das pessoas, que não esteja só focado no imobiliário, que respeite os campos de cultivo e crie infra-estruturas, que não existem. Os políticos não têm visão para o futuro», acusa. «Nós não temos nada contra o facto de Goa ser um destino turístico, mas a terra e as pessoas têm de ser respeitadas.» E pergunta: «Já imaginou meter um pescador ou um agricultor dentro dum apartamento? Que vida vai ser a dele?» Afinal, ao destruírem a beleza de Goa, transformando o território numa selva de betão, acabam precisamente com aquilo que querem promover, conclui Patrícia Pinto.

O dinamismo do movimento, criado a partir de forças espontâneas, gente com influência na sociedade mas sem representação política, e muito ajudado pela Igreja católica, acabou por alarmar o Governo. A 18 de Janeiro, perante o «ultimato» que lhe foi dado pelo movimento, retirou o Plano, mas apenas «com efeitos prospectivos». Os líderes do Goa Bachao querem agora saber o que se vai passar com as obras que estão em andamento e prometem intensificar a pressão se a retirada não for «completa e retroactiva». A decisão, seguramente, será difícil. Se, por um lado, com eleições à vista para Maio, se compreende a destreza do Governo em se ver livre dum problema, melhor se entende que muitos negócios já foram realizados e muito dinheiro passado de mão para mão, conforme dizia um observador.

Mas o problema persiste e ilustra a encruzilhada em que se encontra o minúsculo estado de Goa, confrontado por um lado com as necessidades do progresso e, por outro, com o tremendo impacto da abertura.

Desde logo, é notório o descontentamento face aos imigrantes que foram chegando desde a entrada de Goa na União Indiana, em 1961, primeiro como território da União, depois como 25.º estado da República, em 1987. Ninguém sabe quantos são ao todo, mas pensa-se que, dos 1,3 milhão de habitantes que conta Goa, 500 mil serão oriundos de outros estados indianos. «Tenho medo de perder a Goa que conheço, de sermos exterminados», dizia o jovem jornalista Andrew Pereira, que já não fala o português, é católico, mas não deixa de conhecer a sua divindade hindu, Kamakshi, nesse sincretismo religioso tão próprio dos goeses. «Cada vez são menos os que falam concani. Goa está a ser explorada e nós temos de acordar», dizia.

Sentimentos como o de Andrew não são raros e inúmeros novos movimentos procuram dar-lhe voz, como o Save Dabolim Committee, que se opõe à construção de um novo aeroporto internacional e defende a ampliação do actual (ocupado pela Marinha indiana desde 1961) ou promove o reconhecimento oficial da língua concani em escrita romana (e não só no devanagárico indiano).

Há quem comece a defender opiniões mais radicais, a falar de autonomia e até de separatismo. Tudo efeitos do fatídico dia 18 de Dezembro de 1961 que alguns goeses não parecem ter digerido bem. Se para o discurso oficial foi o dia da «libertação», outros preferem o termo «invasão», vendo no pós-1961 um novo tipo de colonialismo, a partir da longínqua Nova Deli. Há quem se queixe de que nem o hino nacional indiano percebe, porque é cantado em bengali, língua desconhecida em Goa. E quem se afirme cada vez mais como «anti-indiano»: «Goa é diferente», afirma peremptório Anthony Fernandes, um outro jovem, trabalhador numa empresa de telecomunicações.

Mas diferente em quê? A ouvir Nagesh Karmali, poeta e escritor hindu, membro dos chamados Combatentes pela Liberdade, um movimento que lutou contra o regime português, Goa não é diferente em nada do resto da Índia. «Somos social, étnica, cultural e racialmente os mesmos», dizia ele ao EXPRESSO, sentado na cadeira de baloiço da sua casa. Anti-português que fala português perfeitamente, Karmali tem no escritório da sua casa a colecção completa das obras de Fernando Pessoa em português - «porque a sua poesia é universal». Mas o legado português, resume, «não foi nenhum e limita-se às casas e à arquitectura».


AMEAÇA As antigas várzeas onde desde sempre se cultiva o arroz estão agora em perigo de se transformarem em condomínios de luxo para fins turísticos


Narana Coissoró, goês de origem há muito radicado em Portugal, diz o contrário: «Existe uma goanidade, uma identidade goesa forte.» Na sua opinião, ela baseia-se no facto de desde cedo ter tido uma estrutura ocidental de Estado moderno, completamente diferente do que acontecia no resto da Índia e de o Código Civil ser aplicado no território desde finais do século XIX a toda a população, mesmo a hindu. «A 18 de Dezembro de 1961, Goa era administrada totalmente por goeses», afirma ainda, enquanto acrescenta a rir que, em Goa, «até os brâmanes comem carne».

Goa testemunha agora um consenso alargado de que está em perigo. Dos saudosistas lusonostálgicos aos nacionalistas hindus que vandalizam património português de picareta na mão, e até entre as gerações mais novas, há um sentimento geral de pessimismo, de receio perante os novos desafios. Para Vivek Menezes, escritor goês formado nos Estados Unidos, Inglaterra e França mas que optou por ir viver na sua terra-natal, o futuro não se afigura tão mau assim. «Goa foi o epicentro da primeira vaga de globalização, versão 1.0», afirma, comendo um bife no arejado primeiro andar do Clube Vasco da Gama, em Pangim. «500 anos depois, estamos do lado dos perdedores nesta globalização 2.0, mas temos excelentes condições para criarmos a versão 3.0», diz, sublinhando o facto de um movimento local, como o Goa Bachao, estar a provocar repercussões e atenção a nível nacional e mesmo mundial.

Reportagem de Luísa Meireles (textos) e Luiz Carvalho (fotografias), enviados à Índia, com Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli


A autonomia goesa através dos tempos

Século XI
A dinastia goesa dos Kadamba separa-se de outros reinos e governa Goa, com grande autonomia


1629
Entre a saída e a chegada de um novo Vice-Rei, a administração da Índia Portuguesa passa a caber a Conselhos de Governo locais, que incluem goeses

1787
A Revolta dos Pintos, engendrada por padres goeses de ideais republicanos, é abortada pelas autoridades coloniais


1821
Caso único no Ultramar, a Índia Portuguesa passa a ser representada por deputados goeses em Lisboa


1835
Bernardo Peres da Silva é proclamado governador, sendo o primeiro e único goês a ocupar essa posição


1866
O deputado Francisco Luís Gomes publica a sua obra «Os Brahamanes», em que se reflecte um emergente sentimento nacionalista


1928
Com a fundação do Goa Congress Committee, por Tristão de Bragança Cunha, inicia-se o movimento anticolonial a favor da integração na Índia


1945-61
Alfredo de Mello, deputado em Lisboa, e os intelectuais do Círculo de Margão, liderados por António Bruto da Costa, defendem a autonomia ou independência de Goa


1967
Em referendo, a maioria dos goeses vota contra a integração de Goa no estado vizinho do Marástra


1987
Após maciças campanhas de protesto, o Parlamento da Índia reconhece oficialmente a língua concani e Goa como estado

5 comentários:

  1. Este artigo é vergonhoso, não só pelo seu faccionismo como pela forma tendenciosa como é tratado o problema. Em primeiro lugar cabe dizer que 80% das pessoas referenciadas no artigo têm sobrenomes portugueses, o que indicia a sua pertença à religião católica e portanto um presumível maior simpatia por Portugal. Ora, a maioria ESMAGADORA da população de Goa (há muitos anos) é hindu, com cerca de 60-65%, os católicos não passam de 25%. Caracterizar o sentimento de uma população com base numa amostra só por si limitada e facciosa logo à partida não dá muita credibilidade ao argumento. Por outro lado, não há qualquer sentimento anti-Índia que seja digno de registo, até porque nas eleições estaduais, quer nacionais, os partidos nacionais, Congresso e BJP são largamente dominantes. O único partido com ideologia autonomista, o UGDP está reduzido a nada.
    Por outro lado, na Índia não existe um protótipo "indiano" homogéneo. Desde os arianos no norte, dravidianos do sul, mongolóides do nordeste, "negritos" das ilhas Andaman e Nicobar, dos africanos "Siddis" até aos Austrolóides, são mais de 2,334 grupos étnicos. Em termos religosos, há hindus, muçulmanos (2º maior país muçulmano do mundo), cristãos (que não existem só em Goa: muitos estados do nordeste também são de maioria católica, e Kerala tem mais de 10% de cristãos anglicanos), sikhs, jains, zaratustras e budistas. Só para falar da pluralidade da Índia basta referir que o Presidente é muçulmano, o Primeiro-Ministro sikh e a presidente do partido no poder, cristã. Se o facto de não se entender o hino indiano (em bengali) fosse um motivo de pretensões separatistas na Índia, a Índia não seria hoje um estado, mas sim 23 estados (o número de línguas oficiais na Índia). Agora eu pergunto apenas duas questões: qual é a particularidade de Goa que a distingue do resto da Índia? E qual o país no mundo com maior diversidade étnica, religiosa, e linguística representatada no governo e órgãos de soberania?
    O que você fez foi apenas dar voz a uma parte muito reduzida da população apresentando-a como representativa de todo um Estado. Terminando, apenas resta-me surgerir-lhe que não siga a carreira de jornalista.

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  2. (escrito sem acentos)
    Sr. "observador", permite-me um comentario?
    Acho muita graca a quem vem destilar raiva para a caixa de comentarios. Ainda por cima quando se dao ao trabalho de usar percentagens e numeros tao exactos como 2334. Senhor "observador", se esta assim tao por dentro da realidade indiana, fico a espera que num futuro comentario nos indique o endereco electronico do seu blogue sobre a India (ou, talvez, sobre a politica internacional). Ou pretende continuar com uma atitude franco-atirador do "bota abaixo", criticando alegremente sob a capa do anonimato?
    Acima de tudo, parece-me que deveria ao menos respeitar o esforco de pessoas como o Constantino, e ter mais calma antes de classificar de faccioso ou vergonhoso o trabalho dos outros.

    P.S.: Parece-me ainda que tem uma visao algo ingenua sobre o papel do jornalista. O jornalista nao e um arauto da verdade factual, um monolito da imparcialidade. O jornalista tem sempre um ponto de vista, um conjunto de categorias pre-definidas e um proposito.

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  3. Regra geral, não respondo a comentadores anónimos que se entretêm neste espaço recorrendo ao insulto. Mas, deixando os atributos tendenciosos e facciosos à parte, julgo que coloca algumas questões interessantes e bastantes imprecisões, todas elas clamando por comentários. Meus.

    É verdade que a maioria dos entrevistados citados (e sublinho citados, porque o universo dos entrevistados é muito mais amplo) parece ser cristã. Mas daí a presumir que tenham uma “maior simpatia por Portugal” é uma generalização perigosa. Nesse caso, teriam sido só os goeses hindus a operem-se ao colonialismo português. Nesse caso, todo e qualquer goês cristão passaria, a priori, a ser visto como um simpatizante de Portugal, justamente o argumento apontado pelos radicais hindus do RSS, entre outras organizações fundamentalistas: cá estão os “estrangeiros” que ou fazem as malas e desaparecem da Índia, ou se reconvertem ao hinduismo. Nas palavras do seu líder: “já que os (cristãos) não podemos atirar ao mar, pelo menos procuramos convertê-los”. (referência neste mesmo blog)

    Mas porquê esta maioria cristã de entrevistados, pergunta com razão. É muito simples. O artigo não procura fazer nenhum inquérito à opinião política dos goeses em geral. Trata, isso sim, de um fenómeno em particular, nomeadamente o movimento Save Goa, Goa Bachao. É esse aliás o título do artigo. E este movimento, a começar pelos seus principais dirigentes e até à sua expansão geográfica, tem recebido o apoio principalmente dos goeses cristãos (mas não só). Arriscaria até uma estimativa de que os comícios do Save Goa, realizados desde Dezembro passado, têm tido audiências esmagadoramente cristãs.

    O que o “observador” poderia, isso sim, ter perguntado é: porquê é que os cristãos estão a sentir certas pressões mais do que os seus compatriotas goeses hindus? Porque é que este movimento, bem como outros identitários e de causas particulares, surge neste momento e ganha tanto apoio? É essa a linha que este artigo persegue: a maioria dos goeses, especialmente os cristãos, sentem-se ameaçados: as suas propriedades, a sua língua, o seu aeroporto, a sua economia, a sua segurança etc. são temáticas que estão a ser transformadas em bandeiras e movimentos políticos (ou sociais) nestes últimos anos e meses. O “observador” poderá achar que não há razão para eles se sentirem ameaçados, que tudo não passa de uma reacção conservadora aos ventos da mudança e que não há razão para politizar estes assuntos. Mas essa é a sua opinião. E, pelo que eu vi e vejo em Goa, não a dos goeses.

    Das duas questões finais que me coloca, a este artigo só interessa a primeira: “qual é a particularidade de Goa que a distingue do resto da Índia?”. É uma excelente questão que merece (e tem merecido), do lado académico, uns tantos doutoramentos. Mas é também uma excelente oportunidade para testarmos se as suas acusações de o artigo ser tendencioso e faccioso se aplicam verdadeiramente. Nesse sentido, convido-o a reler estas citações e a corrigir a sua percepção:

    ...Há quem comece a defender opiniões mais radicais, a falar de autonomia e até de separatismo. Tudo efeitos do fatídico dia 18 de Dezembro de 1961 que alguns goeses não parecem ter digerido bem. (...) E quem se afirme cada vez mais como «anti-indiano»: «Goa é diferente», afirma peremptório Anthony Fernandes, um outro jovem, trabalhador numa empresa de telecomunicações. Mas diferente em quê? A ouvir Nagesh Karmali, poeta e escritor hindu, membro dos chamados Combatentes pela Liberdade, um movimento que lutou contra o regime português, Goa não é diferente em nada do resto da Índia. «Somos social, étnica, cultural e racialmente os mesmos»,…

    Finalmente, aproveito este espaço para alguns comentários meus ao seu texto:

    ”não há qualquer sentimento anti-Índia que seja digno de registo”
    Depende do que, para si, é digno de registo. No meu caso, uma minoria é digna de registo, até e especialmente numa reportagem sobre uma questão de identidade cultural.

    “único partido com ideologia autonomista, o UGDP está reduzido a nada”
    Nunca vi o UGDP ser caracterizado como defendendo uma “ideologia autonomista”. Para todos os efeitos, Goa é um estado autónomo no sistema federal indiano. Talvez quisesse dizer “ideologia separatista” ou “independentista”? E se UGDP estivesse “reduzido a nada”, não teria certamente conseguido eleger três dos seus candidatos para a Assembleia Legislativa Estadual, em 2002, e manter um, actualmente.

    “muçulmanos (2º maior país muçulmano do mundo),”
    A Índia não é um país muçulmano e, muito menos ainda, o 2º maior país muçulmano do mundo (o Paquistão ainda vai à frente). É, isso sim, o país com a maior minoria muçulmana no mundo.

    “muitos estados do nordeste também são de maioria católica”
    Não há um único estado do Nordeste indiano de maioria católica.

    Os “zaratustras” a que se refere, presumo serem os zoroastrianos?

    “a Índia não seria hoje um estado, mas sim 23 estados (o número de línguas oficiais na Índia)”
    Interessante: inclui o inglês nessas línguas oficiais e, portanto, um desses 23 estados seria de língua oficial inglesa, somente. Qual seria ele?

    De qualquer maneira, ainda bem que o artigo suscitou interesse e debate. Mas para a próxima, observe menos e leia com mais atenção, por favor, antes de me acusar e insultar.

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  4. Venho a este blog regularmente pois é, para mim, o melhor( e um dos poucos) relato sobre a Índia feito em português. E o melhor é que é uma visão assumidamente pessoal, o que para mim só acrescenta valor.

    Dito isto, e não percebendo a indignação do "observador", digo apenas que para o leitor é bom e bonito ter o privilégio de ler uma discussão que disseca ainda mais os temas. Mesmo que às custas de alguma polémica...

    Obrigado (principalmente ao Constantino)

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  5. Aquilo que é apresentado nesta reportagem é em grande medida imagem da Goa que conheci o ano passado, quando lá passei um mês de férias, entre a comunidade Goesa.
    É verdade que Goa está a ficar descaracterizada, é verdade que os goeses estão-se a tornar numa minoria, é verdade que este Estado quase bruto (por explorar) em breve será completamente absorvido pela Índia.

    Tudo isto é verdade e tal como a invasão da Índia em 61, inevitável. Como português, como amigo e brevemente familiar dessa comunidade goesa, é com pena e com apreensão que vejo esta 2ª invasão, desta feita da massa humana, da cultura de um país demasiado grande para ser controlado. Um país cheio de problemas, mas que em si também encerra algumas soluções únicas.

    Mas também me parece claro que sendo a maioria dos habitantes não-goeses, este problema é completamente inexistente para uma grande franja da sociedade. Mesmo entre os goeses, sobretudo nas novas gerações, fazer parte da grande nação indiana é um dado adquirido, do qual a maioria deles se orgulha.

    A questão de ordenamento do território e de defesa do património natural, essa sim me parece mais defensável, com capacidade de sucesso. Goa é um recanto lindo do mundo, completamente selvagem. Meia dúzia de resorts de pequena dimensão é tudo o que há. Praias fantásticas sem gente nem hotéis de apoio, florestas tropicais únicas. Para mim, enquanto europeu, até foi difícil compreender como está tão pouco explorada aquela potencialidade natural toda.
    Mas conhecendo como estas coisas podem correr mal (temos cá exemplos disso) temo que daqui a pouco tempo Goa esteja não só descaracterizada ao nível da sua população nativa, mas também ao nível natural. Construir Resorts, apartamentos, empreendimentos turísticos de forma descontrolada, poderá acabar com o que Goa tem de melhor… Isso, é um facto.

    Ricardo Castro

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