É normal os visitantes estrangeiros a Nova Deli referirem-se à sua extrema poluição sonora como um caos de buzinadelas. Foi assim, aliás, que se referiu à cidade a jornalista Leonete Botelho, do Público, numa caixinha de curiosidade paralela à cobertura da visita oficial de Cavaco Silva à capital indiana. Para quem, pela primeira vez, aterra na Índia, a primeira reacção, legítima, é mesmo essa: os condutores indianos buzinam por tudo e por nada. Uma cacofonia sem rei, nem roque. Incompreensibilidade. Logo caos.
Estive a pensar, a ouvir e a observar. Especialmente nas viagens mais longas de riquexó pela cidade em que tenho pouco com que me entreter. Na realidade, não há caos nenhum. Há uma certa ordem na acção indiana do buzinar. E, por sinal, essa ordem é oposta à nossa.
Nós, em Portugal e, regra geral, na Europa e no Ocidente, buzinamos a posteriori. Em Lisboa, por exemplo, recorre-se maioritariamente à buzina como reacção, protesto, exclamação (porventura por alegria desportiva ou política). Isto é, a buzina é uma resposta.
Aqui, na Índia, regra geral, buzina-se a priori. A emissão sonora serve de sinalização, de aviso e de intenção de manobra. Tal e qual um radar GPS, em que podemos observar outros objectos móveis sinalizados por pontos luminosos, o radar indiano é sonoro, indicando por via da buzina a localização precisa dos outros objectos. Aqui buzina-se, quase sempre, para avisar os outros. É extremamente raro alguém utilizar a buzina à nossa maneira, isto é, para reagir à manobra de algum outro veículo ou transeunte ou animal. Basta um ligeiro desvio. E a vida continua, sem stresse.
Mais. O GPS sonoro indiano tem uma sofisticação adicional. O tipo de emissão sonora reflecte o tipo de objecto. Camiões de longa distância, autocarros, carrinhas, jeeps, limousines, táxis, carros normais, auto-rquexós, motas de gama alta, motas de gama média, motas de gama baixa, bicicletas, ciclo-riquexós, carroças, transeuntes e até animais: todos têm buzinas (ou outra fonte sonora) emitindo sons peculiares e originais, permitindo permear o sistema de uma ordem que, imperceptível aos nossos olhos e ouvidos, nos parece assumir contornos caóticos.
Não é, portanto, exagero quando alguns estrangeiros dizem, a brincar, que os indianos parecem conduzir de olhos fechados. É mesmo verdade. Basta a buzina.
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