No Expresso (Internacional) de Sábado passado:
Interesses falam mais alto
Os generais de Rangum dão privilégio de acesso à ajuda chegada da China e da Índia, países que mimam o regime
Poucas horas depois de se conhecer o rasto catastrófico deixado pelo ‘Nargis’, um Boeing 747 chinês e dois Antonov indianos aterravam no aeroporto internacional de Rangum, carregados de ajuda de emergência.
Enquanto isso, organizações humanitárias de países ocidentais, bem como as Nações Unidas, continuavam à espera de vistos e de luz-verde para poderem iniciar as operações de socorro.
O trato privilegiado dado à China e à Índia reflecte uma clara orientação estratégica dos generais, que apelidam de ‘países amigos’, contrastando com o tom gélido com que receberam ofertas de ajuda europeias e norte-americanas. Os dois gigantes asiáticos têm-se desdobrado em mimar o regime militar birmanês, procurando desesperadamente ganhar influência num país-charneira que é estratégico para o futuro da Ásia.
Em Setembro do ano passado, após a repressão brutal dos monges revoltosos, foram precisamente Nova Deli e Pequim a sair em defesa de Rangum, bloqueando as propostas de sanções económicas.
Com a sua longa costa para a Baía de Bengala, o país é um parceiro vital para as marinhas chinesa e indiana, que ambicionam controlar o Oceano Índico. A concorrência levou mesmo Pequim a alugar as ilhas birmanesas Coco, localizada a menos de 30 quilómetros do arquipélago indiano de Andamão e Nicobar, onde a Índia mantém a sua mais importante base militar integrada. Ambos os países partilham também extensas fronteiras territoriais com a Birmânia, atravessando florestas polvilhadas por tráfico de estupefacientes e humanos, e separatistas tribais armados.
Por outro lado, ministros chineses e indianos têm-se desdobrado em visitas oficiais aos generais, oferecendo pacotes de ajuda económica, investimentos e equipamentos militares, em troca de contratos de exploração das imensas reservas de gás natural birmanês.
Em inícios de Abril, Nova Deli recebeu autorização para avançar com um corredor de transporte estratégico entre a sua fronteira do Nordeste e o porto de Sittwe, ao longo do rio Kaladan. Entretanto, a China tem apostado no comércio bilateral, escoando os produtos da sua província fronteiriça de Yunnan para o apetecível mercado birmanês.
Os generais de Rangum têm gozado os mimos chineses e indianos ao máximo, seguindo o equilibrado ‘caminho do meio’ recomendado pela sabedoria budista. Resta saber até quando.
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
internacional@expresso.pt
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