quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Duas bolsas para mil milhões (Expresso)

No 1ºCaderno do Expresso de 13 de Janeiro, nº 1785

Duas bolsas para mil milhões

“Aprendemos português porque queremos trabalho, é só isso”, diz Prem Kumar, um jovem indiano, fluente na língua de Camões, que trabalha numa multinacional em Bangalore. “A maioria dos estudantes não quer saber de Portugal, nem da sua cultura”, lembra, adiantando que é, acima de tudo, o mercado brasileiro que os atrai.

Prem é um caso típico entre os milhares de jovens indianos que vêem na aprendizagem da língua portuguesa uma oportunidade para fazer parte do milagre económico do seu país. Aos jovens que dominam minimamente a língua é oferecido um salário mensal de, no mínimo, vinte mil rupias. São cerca de 360 euros mensais para contabilidade lusófona ou a atender chamadas do Brasil e de Portugal também. “As empresas até preferem que falemos com sotaque brasileiro”, confidencia.

A autêntica caça aos falantes de português leva a que empresas de Bangalore e Chenai coloquem anúncios de uma página inteira nos jornais de Goa, a antiga colónia portuguesa, apelando a candidatos. O salário mensal para um operador de língua portuguesa, para assistência informática, chega a ultrapassar os mil euros. Mas há também uma grande procura para o sector de turismo e das traduções, reflexo da intensificação das relações económicas entre a Índia e os países lusófonos.

Mas os obstáculos são imensos e o Instituto Camões (IC) é alvo de fortes críticas por parte de vários estudantes. É o caso de Prem, que já usufruiu uma bolsa de um ano, do IC, mas só pôde ir a Lisboa porque a acumulou com uma outra, da Fundação Oriente. “Em Portugal devem pensar que somos ricos”, queixa-se, lembrando que a bolsa exclui os custos de viagem e se limita a 450 euros mensais. Prem, originário do Bihar, um dos estados mais pobres da Índia, critica ainda o facto de haver só “uma única bolsa anual para centenas de interessados”. Na realidade, com a outra bolsa oferecida em Goa, são duas para toda a Índia.

Outros exemplos reflectem o abandono a que tem sido votada a política cultural portuguesa na Índia. Na cidade capital do segundo maior país do mundo há só um leitor, na Universidade de Deli, enquanto que na Universidade Jawaharlal Nehru, onde Prem estudou, o ensino da língua está nas mãos de dois professores de espanhol e de uma leitora paga pelo Governo do Brasil. No próprio Centro Cultural da Embaixada, a falta de fundos leva a que os alunos fotocopiem os manuais. Também ali o ensino da língua tem estado nas mãos de professores indianos, moçambicanos e brasileiros.

Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli

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