segunda-feira, 14 de abril de 2008

Viju

Os vendedores ambulantes de gelados, com os seus pequenos triciclos frigoríficos coloridos e campainhas alegres, não costumam ser pessoas muito dadas a preocupações ambientais. Por isso, salvo em zonas mais turísticas ou desenvolvidas (como na zona circundante ao India Gate), nunca se fazem acompanhar dos legalmente obrigatórios contentores de lixo, em que o cliente deve colocar a embalagem do gelado consumido.

Aqui na minha zona residencial isto reflecte-se da seguinte forma: a poluição (papel colorido e paus de gelado espalhados pela rua) é tanta que permite aos residentes identificar onde o vendedor esteve por último e assim seguir-lhe o rasto.

Viju apareceu numa destas esquinas há talvez uma semana. Deve ter uns sete ou oito anos, mas a sua cara escurecida por anos de sol e violentas cicatrizes deixa adivinhar uma adolescência precoce. Veste-se como todos os outros pobres: uma enorme camisa XL, cinzenta e esfarrapada, cobre-o quase até aos joelhos, enquanto que a calça se encontra coberta por um masala de manchas.

Viju toma conta de um desses pequenos triciclos frigoríficos, é um vermelho, da Wall’s. Do seu interior gelado retira as delícias que empanturram de alegria as crianças limpas, bem-cheirosas e alegres que vivem nos prédios à volta.

Foi assim que eu reparei no Viju, nos primeiros dias em que passava por ele. Ontem, no entanto, parei para comprar um Cornetto Choco-Blast, daqueles grandes, dos mais caros, e as mãos de Viju desceram até ao fundo da arca, à procura de realizar o meu pedido, e acho que, por um breve momento, ele sorriu, quando finalmente encontrou o Cornetto Choco-Blast e me o entregou, orgulhoso. Quando lhe perguntei pelo seu nome, procurando estabelecer algum contacto humano, e lhe ofereci o generoso troco, a sua expressão facial voltou ao normal; ausente, introspectiva, resignada.

Foi então que, ao preparar-me para deitar a embalagem do gelado para o chão, testemunhei um momento especial. Viju exclama algo, atrai a minha atenção, e aponta para um pequeno contentor, vermelho também, convidando-me a depositar ali o papel do Cornetto Choco-Blast. Correspondi, hesitando: haverá alguma campanha ambiental em curso que eduque estes vendedores de gelados? Porquê este apelo, ainda por cima deste miúdo tímido?

Ao afastar-me rua acima, fintando motas, camiões, vacas e pedintes, a curiosidade obrigou-me a regressar e a observar Viju à distância. Um outro cliente tinha acabado de se afastar e surgiu um tempo morto, de espera, ao sol tórrido de Deli. Viju aproximou-se então do pequeno contentor de lixo para o qual tinha chamado a minha atenção. Retirou de lá a embalagem de papel que se ainda encontrava em melhor estado (evitando as rasgadas em várias peças) e muito cuidadosamente, com a ajuda de uma tesourinha, começou a recortá-la numa forma geométrica.

Já ao início da noite passei novamente por Viju e comprei outro gelado, só para observar as suas pequenas obras de arte de perto. Consegui lançar um olhar enquanto me aproximava, mas as pequenas árvores, casas e nuvens em papel desapareceram num instante no seu bolso XL.

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