terça-feira, 5 de outubro de 2004

Sou um cata-vento

Levei um puxão de orelhas de um familiar meu porque o tom de algumas das minhas últimas mensagens de Deli era num tom muito negativo da Índia. Ao reler algumas linhas dos últimos episódios de uma vida em Deli, percebo o motivo da chamada de atenção. Transparece um certo ressabiamento, uma frustração e uma perspectiva azeda do que observo na Índia.

Primeiro, não há motivos para preocupação. Estou a saborear ao máximo esta vida em Deli e não tenciono alterar o projecto, nem o alteraria se pudesse voltar atrás (porque há outras coisas que certamente alteraria, se pudesse). Estou felicíssimo. Podem estar contentes por mim, não me importo.

Depois, quando me entusiasmo na escrita, adopto um estilo livre cujo resultado só posso interpretar quando tiver acabado. Assim, basicamente sou tão leitor como vocês. Que o estilo tenha sido negativo (e admito que passe a ser sempre, por enquanto) é tão natural como eu abrir os olhos para ver. Ou como um cão babar saliva quando vê um naco de carne.

No entanto, admito que o estilo possa ter causas mais profundas na minha personalidade. Talvez um espírito crítico que intrinsecamente domina o meu carácter, fruto do esquizofrénico contexto multicultural em que cresci e em que insistentemente me movimento. Já me trouxe muitos dissabores porque transparece um eventual descontentamento meu com tudo o que me rodeia, uma crítica destrutiva constante, o que, no entanto, não corresponde à realidade, porque acho que sou uma pessoa tão feliz como todas as outras, talvez um pouco mais até.

Em Lisboa, era conhecido por criticar Portugal e os portugueses. Quando estou em Goa lanço os meus olhares críticos sobre Goa. Agora, em Deli, debruço-me sobre a Índia que me rodeia. É natural.

Não é por acaso que por muitos amigos meus era conhecido como "cata-vento", a beber um pouco de tudo, num relativismo às vezes cego mas tão enriquecedor. Prefiro ver-me como camaleão daltónico, que observa a realidade erradamente (diferentemente) e consequentemente não se adapta, como talvez gostaria, no fundo, mas se diferencia, às vezes excessivamente. Mas, em memória dessa alcunha, escrevi um poema, talvez o meu primeiro.

Cata-vento
Sou um cata-vento, sim,
com orgulho busco novos horizontes.
Pobre tu, ó triste seta rígida
apontada a um destino estático e imutável,
que não saboreias a beleza da brisa descobridora.

1 comentário:

  1. Para os que te conhecem, este post é daquelas coisas que nos deixa com um sorriso secreto, cúmplice, quente.
    Gostei do teu poema.

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