sábado, 5 de abril de 2008

Como (não) vender um livro

Zimler é um pouco como os portugueses do século XVI que tanto critica nos seus escritos: vem à Índia munido de muitas verdades, mas interessa-lhe o mercado. (Mas ele é um pouco mais patético: escreve e opina sobre a Índia antes de ter cá posto os pés). Uma coisa é acharmos que a história está mal contada e procurarmos revê-la de forma sóbria, séria e moderada. Outra é fixar uma ideia, cristalizá-la para além de qualquer introspecção crítica e vendê-la aos berros, tal e qual no mercado do peixe.

A vontade cega e obsessiva de Zimler em aparecer nos jornais, em vender os seus livros, espelha-se nas afirmações que faz e na linguagem que utiliza para veicular as suas opiniões: "I see the golden candlesticks in Catholic churches, I try to remember that all that wealth was made, in part, by murdering Indians in Goa".

Não esconde aliás a motivação pessoal por trás da sua ficção que se quer não-ficção (apresenta-se como sendo um historical novelist): "I wrote this book as my vengeance against the power-hungry Catholic priests who tortured and murdered Indians under their rule, who almost succeeded in wiping out all traces of Hinduism from Goa."

Eu até o percebo quando diz que "(w)hat I find horrible is that the Portuguese still speak of Goa as if it was the exotic, friendly capital of the spice trade". Também me preocupa e leva a fazer esforços para que isso mude, para que Portugal se reveja de forma mais crítica no espelho pós-colonial que é Goa. Mas "vingança", quatrocentos anos depois? Por favor, senhor Zimler, deixemos os senhores padres pecadores descansar em paz e olhemos, com mais preocupação, para os neo-missionários de hoje.

Esta entrevista, dada a um semanário lido pela classe média liberal e bem-pensante indiana, e já está, uns quantos milhares de exemplares vendidos, pensará talvez Zimler. Engana-se: qualquer indiano condena certamente o passado colonial português violento que assolou o subcontinente há quase meio milénio, mas celebra-o igualmente, porventura mais do que os próprios portugueses, constrangidos pelo white man’s burden. Pessoalmente, não me interessa a dicotomia celebrar/condenar: o desafio é transcendê-la e retirar lições construtivas para o já suficientemente tenso e volátil presente.

Assim, resta-me recomendar, muito sinceramente, o seguinte: por favor, recolha a sua corneta sensacionalista, senhor Zimler (pelo menos aqui na Índia). Se não, talvez um dia dará por si a soprá-la entre os que anseiam por novos pogroms.

3 comentários:

  1. Os povos que foram colonizados são agora ensinados pelos impecáveis e intocáveis norte americanos a serem politicamente correctos e a odiarem a Europa (para servirem melhor a América?). Um angolano disse-me uma vez: "estou farto destes americanos que nos vêm ensinar a ser pretos". O Zimler nunca escreveu nada que se aproveite, ele que experimente antes ficcionar sobre a Ribeira do Porto...
    Alcipe

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  2. Ele está a recordar os Talibans e Al Qaeda cristãos que dominaram a Europa da Idade Média .
    I wrote The Last Kabbalist of Lisbon after accidentally discovering that there’d been a riot in Lisbon in 1506 in which 2,000 Jews who’d been forced to convert to Christianity were murdered and burnt in the main square. I’ve lived in Portugal since 1990, and none of my Portuguese friends knew anything about that massacre. Their ignorance shocked me. It’s very important to give voice to the ‘losers’ in history

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  3. Caro Alcipe, ainda bem que partilha da minha opinião sobre esta obra do Zimler e a sua publicitação na Índia. A sua correcção política é assustadoramente perigosa, especialmente para a Índia (Goa em particular), mas também para Portugal.

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