Hoje acordei às 08:45 com o filho da nossa empregada da limpeza. Chama-se Mohammed Kash e tem 13 anos. Tocou a campainha e fez-me afastar o leve cobertor (já começa a fazer frio em Deli) e levantar da cama, atravessar o terraço e abrir a porta de madeira em tom creme. Com um grande sorriso diz-me Good morning Sir.
Não fala inglês, ou fala muito pouco. Comunicamos com gestos, palavras soltas. Cada frase demora alguns minutos a ser transmitida ao outro. Imaginem a complicação quando na semana passada me tentou explicar algo com ruídos, rastejando no chão. Percebi que se tratava de um animal. Mas pensei que me estava a oferecer carne para comer, porque afinal somos carnívoros europeus. Recusei educadamente.
No Domingo a seguir estava em nossa casa, com uma gaiola cheia de coelhitos branquitos e queridos, não para comer, mas para brincar. Libertou-os no nosso terraço e puseram-se a pular pela casa toda. Divertimo-nos muito, o Jean-Baptiste insistindo em puxá-los pelas orelhas (c'est comme ça qu'on fait dans la campagne en France perante o olhar aterrorizado do rapaz) e a sua namorada Nivi encostando o pêlo claro dos animais à sua escura pele.
Voltando a esta manhã, deixei-o entrar e lá começou a fazer as limpezas, é normal ele às vezes chegar mais cedo que a mãe e começar já com algum trabalho. De facto, poucos minutos depois – ando eu ainda um pouco zonzo de boxers pela casa – chega a mãe, Sayida, uma senhora sorridente que terá os seus quarenta anos mas que também poderia ter 18. Enquanto lavam a nossa roupa, acorda o Chacate, cantarolando. Como acabo de receber a Voz do Oriente pelo correio, revista goesa de Portugal para a qual escrevo, começa uma discussão sobre colonialismo e relações rácicas etc. Discutimos Portugal, Moçambique, Goa, tudo numa vibrante hora que passa num abrir e fechar de olhos. Esquecemo-nos de tomar o pequeno-almoço e saímos de casa a correr para as aulas.
Segui de bicicleta – vermelha, com mudanças, 37 Euros – para a faculdade, são uns 10 minutos a pedalar pelo campus que acorda.