Foram uns dias de silêncio, causados pelo exame que escrevi hoje de manhã (Theory of International Relations) e o que está agendado para próxima Quarta-feira (Indian Political System). Mas, como todos os dias de uma vida em Deli, foram dias agitados, cheios de novas pessoas, novas vivências, novos cheiros e novos sabores.
Aqui, na Índia, acorda-se cedo. Como vivemos no topo do nosso prédio (top floor) e porque a água é um bem escasso no sub-continente indiano (polvilham os livros sobre "Water Wars"), temos que acordar cedo também, para ligar a bomba que suga a água das profundidades. Tem que ser entre as 5 e as 6 da manhã ou (às vezes e) entre as 6 e 7 da tarde.
O Chacate, o Jean-Baptiste e eu dividimos a tarefa em fatias de uma semana cada. Obviamente que custa acordar às cinco da manhã, subir ao telhado e ligar a bomba, mas é também uma forma ímpar de conhecer a Nova Deli madrugadora.
A JNU e a nossa área residencial ficam na rota de aproximação dos aviões que de todo o mundo chegam a Deli, ao Indira Gandhi International Airport. Às vezes em intervalos de um minuto cada, às vezes de meia em meia hora, passam a escassas dezenas de metros acima das nossas cabeças, especialmente nos locais mais altos da JNU (nas românticas Rocks, por exemplo, o que lhes dá um carácter muito mais romântico ainda quando se está abraçado a alguém).
Diz-se que depois de dois anos da JNU os estudantes sabem identificar todas as transportadoras aéreas que voam para a Índia (muitas, entre as quais Air Uzbek). Não deixa de ser curioso este sobrevoar constante de um dos templos do saber indiano por jactos comerciais que transportam a fauna global daqui para ali e dali para aqui. Especialmente para os estudantes estrangeiros o simbolismo chega a ser estrangulador, lembrando-os constantemente de que estão longe de casa, embora todos os dias, o pássaro ali vai, parece que basta agarrar e voar para casa.
No outro dia reparei numa estudante coreana e na brilhante lágrima que escorria do seu canto do olho direito, enquanto a cabeça inclinada perseguia o azul e o vermelho que cobriam aquele aparelho voador direccionado a Seul.
Portanto, enquanto espero que o tanque encha, o que demora os seus vinte a trinta minutos, nada melhor do que observar os aviões que vão aterrando. Embora a luz do sol ainda não ilumine as coisas terrestres nessa altura, já espalha o seu calor sobre a altitude metálica em que os aviões se encontram. O efeito é então uma superfície nas brumas, mas distinguindo-se já as figuras das casas, das pessoas e das coisas e um brilhante avião, com as dezenas de luzinhas das janelas, tudo sobre o pano de fundo que é o azul raiar da aurora.
Claro que há outras coisas a fazer, caso não adormeça no telhado. Do topo do nosso prédio podem-se observar as luzes e os interiores dos quartos que já vivem a esta hora da manhã. As crianças a prepararem-se para a escola, os mais idosos que partem para a indiana caminhada diária para manter a forma, os berros dos bébés que recusam crescer e ser apenas mais um num bilhão.
E, no meio de todo este movimento, todas as manhãs, há uma árvore meio morta, na escuridão raiante. Sobre os troncos secos estão agachadas dezenas de gralhas pretas, manchas escuras e imóveis que se fossem de outra cor poderiam ser saborosos frutos de uma árvore cheia de vida.
sexta-feira, 1 de outubro de 2004
Ligar a bomba de madrugada
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