quinta-feira, 26 de agosto de 2004

Top floor, DDA Flats Munirka

Estou sentado à escrivaninha do meu quarto, no top floor do nº14, Street E, DDA Flats Munirka, Nova Deli. Passei um dia belo, um dia de chuvas, o acordar acompanhado pelas grossas gotas que polvilham o nosso terraço em pedra que imita o mármore que ninguém na Índia tem.

Queria escrever sobre as aulas, sobre os alunos e os professores, mas estou pouco inspirado para isso, não sei porquê mas prefiro falar do meu quarto, afinal o ninho que me recebe nas escuras e silenciosas noites delienses.

O chão é de pedra escura, a imitar um mármore, o mármore de Pêro Pinheiro, ou de Pêro Negro ou talvez de S. João das Lampas. Comparado com o quartito no sétimo andar do 16ème que me albergava em Paris, talvez uns oito metros quadrados, este espaço é um palácio. Tenho uns trinta metros quadrados. De um lado, a secção mais pessoal, com a minha cama com lençóis azulados que contrastam com as paredes caiadas de branco. Por cima da cama a minha mítica rede mosquiteira romântica que trouxe de Portugal protege-me a mim e eventualmente a quem me faça companhia – evento que irei obviamente cobrir aqui no blog ao vivo e em directo, não se preocupem.

O outro lado do quarto tem a nossa chamada sala de estar, com um sofá e dois cadeirões em madeira talhados à indiana, bem como uma mesa para poisar os copos de água, os pés ou os jornais diários. Embora seja o nosso único espaço comum, a sua utilização depende sempre da minha autorização, condição que impus desde o início. Mais duas estantes e armários compõem o resto, bem como uma escrivaninha da qual vos escrevo e uma cadeira com rodas que me dá um certo ar de empresário gatuno. De registar também as duas ventoinhas instaladas no tecto (“fans”, utensílio sem o qual a Índia não existira, certamente), as duas janelas e uma porta (convém).

Vamos então ao plano mais geral. Uma grande porta conduz-vos ao terraço onde está a roupa estendida, vários tanques de água e as portas de entrada para os três quartos. É um terraço simpático, sem grande vista, mas dá para umas festas agradáveis com umas 20 pessoas, abrindo os quartos. A vista resume-se aos telhados dos outros prédios, o que tem o seu charme e a sua falta de privacidade. Nos fins de tarde emergem dos telhados os papagaios coloridos e os gritos entusiasmados de centenas de crianças. Até perder de vista vêem-se os pedaços de cartolina, de plástico e de papel invadir o espaço aéreo. No outro dia estava a ler o jornal no terraço e um papagaio rasou a minha cabeça, ficou à minha frente suspenso por dois segundos, como me observando ou pedindo desculpa, e depois voltou a ganhar altitude e desapareceu. Era vermelho e branco.

Os quartos do Chacate (Moçambicano, mas não, não é muçulmano, chama-se Acácio Dinis Chacate e é marxista, mas insistiu em termos empregada todos os dias e logo que chegou foi comprar dois pares de Levi’s) e do Jean-Baptiste (Sciences Po Lille, típico francês que todas as manhãs abre o Times of India em busca da tabela de medalhas olímpicas e lança ou um orgulhoso e prolongado Ahhhh Ouiii! ou um surpreso e indignado Mais non!!, joga ténis e come Chocapic ao almoço que comprou numa loja para diplomatas a 20 km, por 15 Euros) são idênticos ao meu, mas mais pequenos, talvez metade. Depois, há o espaço da cozinha, com um pequeno fogão, um grande frigorífico e um armário que serviriam excelentemente como objecto de estudo de uma tese de doutoramento sobre a alimentação de uma geração globalizada.

A casa de banho também é simpática, com retrete ocidental (e não o buraco indiano normal) e um chuveiro que de vez em quando nos abençoa com água (senão só de balde).

Fim da visita guiada. Podem deixar as vossas contribuições no cesto com o pano azul. Levem um panfleto e voltem sempre.

2 comentários:

  1. Gostei de conhecer a tua casa. Fico também contente por já estares finalmente instalado e, lentamente, a adaptares-te à tua nova vida. Como vês, não está a ser assim tão difícil.
    Com o desejo que continues essa tua caminhada,
    (e que continues a dar-nos novidades)
    um abraço com saudades,
    j.

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  2. Já não era sem tempo esta descrição do teu novo habitat. Estou a imaginar-te sentado ali a ler o jornal e parece-me que conseguiste um tecto bem mais agradável do que o tal chambre de bonne. Mas tem que ser assim mesmo: agora já és dr. e mereces melhor. Chambre de bonne em Deli também não era de recomendar. Fico muito satisfeita. Agora faltam umas fotos da vizinhança ou mesmo de dentro do flat. Eti

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