Há um lugar aqui perto, em Priya. É uma zona em que se situam as lojas melhores, o McDonalds, um cinema etc. Entre os vários estabelecimentos há um cibercafé que também oferece ligações telefónicas internacionais a preços muito competitivos. Tipo "Call US / UK at Rps. 2 per minute". Chama-se Sify e prima pelo vermelho berrante dos seus painéis publicitários.
Obviamente, estando na Índia, este é um local que atrai todo o tipo de estrangeiros. É isso que torna aquele espaço de poucos metros quadrados fascinante, reflectindo uma impressionante diversidade em termos culturais, económicos e sociais. Aqui cruza-se um emaranhado de indivíduos temporariamente exilados na Índia e que quer comunicar com as suas origens.
Muitos dos quais são os meus colegas na JNU, o que já por si mesmo representa uma enorme diversidade que inclui uzbeques, coreanos, etíopes e demais estudantes internacionais. São pobrezinhos, coitados, que a bolsa indiana não dá para muito. E geralmente também são enviados pelos pais para estudar como bolseiros no estrangeiro porque não há possibilidade de os sustentar no próprio país. Deslocam-se por vezes em pequenos grupos ou comitivas nacionais. Assim, há dias em que encontro lá quase toda a comunidade tailandesa. As conversas são curtas – por óbvios constrangimentos económicos – mas extremamente emocionais. Muitas vezes é a única vez no mês que comunicam com os pais, com as namoradas e namorados ou mesmo com os maridos e filhos. Já assisti a muito chorar e soluçar.
Depois há as enormes comunidades africanas, legais e ilegais, que trabalham na Índia (ainda não percebi bem em que ramo, mas há muitos que são apanhados pela polícia por burla e fraude). Destacam-se os nigerianos. Há um campo de futebol perto de minha casa onde todos os dias se encontram pelo menos 30 para jogarem. Primam pelo estilo e parece que têm feito daquele cibercafé um ponto de encontro. Hoje até vi um deles apertar o nariz do dono do cibercafé, no que, mais do que uma demonstração de carinho, me pareceu uma clara demonstração de força e autoridade. Não me surpreenderia saber um dia que aquilo se tornou na segunda embaixada nigeriana. Os africanos mantém diversos tipos de conversações telefónicas. Há as ruidosas que fazem tremer o edifício todo e há as silenciosas em que provavelmente se acorda uma separação emocional.
Há também os empresários estrangeiros, geralmente brancos, que de passagem que ficam alojados num dos bom hoteis que há nas redondezas. Como não chegam a ser mesmo ricos, mas mais pequenos negociantes forretas à procura de uma fortuna à custa dos emergentes indianos, recorrem muitas vezes a estas ligações mais baratas – certamente também porque os hoteis devem cobrar somas astronómicas.
Finalmente, há os diplomatas. Talvez também para poupar dinheiro, talvez para fugir ao controle paternal ou marital, recorrem a este serviço. Saem dos seus luxuosos carros com matrícula azul CD e entram para os pequenos cubículos telefónicos para ligarem para os mais diversos países imagináveis e conversar sobre as mais diferentes coisas imagináveis. Depois, saem, pagam com notas grandes sem tempo para coligir o troco e desaparecem na carroça.
Em todos os casos, assisti já a muitos episódios originais. Como os cubículos são transparentes e pouco insonorizados, ouve-se bem o que as pessoas falam e percebe-se quando é em inglês. Assim, há momentos constrangedores. Há uns dias assisti a um senhor branco de meia idade que discutiu durante mais de uma hora (eu estava à espera de uma amiga) com alguém. Às vezes acalmava-se, depois agitava-se e insultava a pessoa em inglês bem audível. Dizia coisas como "I took care of you for so long and now you do this to me?", "ok I have to go now, I don't have patience any more, you're a sick person" e "why don't you trust me, why can't you just wait?" etc.
Hoje foi a vez de um jovem repetir uma dezena de vezes, aos berros, "Who are you with? Tell me now, or you'll see! Who are you with, I heard someone. Who is this someone?". Entre outros, também oiço filhos a pedir mais dinheiro aos pais, declarações de amor, declarações de ódio, pedidos de demissão, pedidos de desculpa e tantas mais coisas que se discutem ao telefone quando se está longe, muito longe, de casa.
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