domingo, 1 de agosto de 2004

Room to let?

Duvido que haja melhor maneira de conhecer a cidade de Nova Deli, as suas tradições e as suas pessoas, do que galgando de mota as ruelas, becos e esgotos desta metrópole de 12 milhões de habitantes, à procura de um quarto para aluguer.

Beep beep. Pomp pomp. Buzinas à esquerda, à direita, por cima e por baixo. Nem uma impaciência ou um palavrão por parte dos condutores. A hierarquia está mais do que estabelecida. O maior passa primeiro. Os outros que se amanhem (talvez no cemitério).

Primeiro dilema ocidental. Como explicar educadamente e sem ferir susceptibilidades proto-nacionalistas indianas, que eu prefiro alugar um quarto ou um apartamento fora do campus e não usufruir from our nice hostels where you can find sooooo many new people and you will luuuuse this by being outside, do yu have something aginstd our conditions? You should dthink bedder. Chuuuse as you like.

Valem-me (ou não, hei-de descobrir em breve) as minhas anteriores experiências pelo subcontinente indiano. Assim, como legitimação para não ficar enclausurado num cubículo partilhado com outro colega escolhido à sorte, argumento que vou ter constantemente amigos do estrangeiro que me quererão visitar (vejam se não me deixam ficar mal visto), o facto de querer cozinhar comida portuguesa de vez em quando e que vou precisar de ligação telefónica para aceder à Internet. No fim, depois de alguns momentos de tensão (lembrem-se, este grupo com que ando a lidar é composto maioritariamente por ferrenhos marxistas-leninistas), normalmente acabam por me dar razão, alguns com aquele ar de complacência para o coitadinho-do-ocidental que nos veio colonizar há 500 anos mas agora até dos mosquitos tem medo.

Bem, as viagens ao fim da tarde têm sido agradáveis, dizia eu, especialmente para conhecer a cidade, ou pelo menos as redondezas do campus, porque não quero viver demasiadamente longe. Primeiro, ontem, Katwaria Sarai, um bairro enlameado (de momento pó) onde as ruelas têm em média três metros de largura, e cerca de 4 estabelecimentos comerciais em cada rés do chão B. As primeiras visitas foram aterradoras, com pequenos cubículos onde estudantes se amontoavam para dormir, ar abafado, casas de banho com canos de esgoto onde só mais uma banana (ou outra coisa qualquer) bastaria para entupir o sistema de saneamento do bairro inteiro.

Fiquei mais descansado em Bihr Sarai. Aqui vimos um quarto simpático, com casa-de-banho e cozinha anexa (tipo studio em Paris), grande janela (sim, vimos quartos sem janela) e frente a um terraço simpático que dá para uma ruela calma. Mas era um pouco caro. Toda esta procura não é brincadeira. Há que abordar as pessoas com imenso tacto, e o Suhail tem sido excelente ao acompanhar-me. Há que ter o cuidado de não lidar com aldrabões e gatunos, e tentar negociar quando todos cheiram a milhas que eu sou estrangeiro, de nada valendo a minha camisa para dentro das calças.

Ontem negociámos e conversámos com uma velha que não tinha dentes, com um migrante do Querala que fez logo amizade com o Suhail (os dois da mesma cidade, e por isso quase que fui obrigado a ficar com uma espelunca), com um comerciante de farinhas que afugentava galinhas enquanto falava connosco, com um grupo de seis jovens sob efeito de ópio que jogavam às cartas no topo de um prédio, com um lavandeiro de roupa que passava camisas com o seu ferro aquecido a carvão, com um grupo de três barrigudos terratenentes (proprietários de prédios neste caso) que recomendaram uma agência imobiliária ao Suhail, o que, tendo em conta a resposta negativa de inclinação marxista que este deu “we do not go for that because we are against this type of exploitation”, deu logo azo a uma longa discussão política da qual eu obviamente percebi peanuts.

Têm que perceber que cada contacto destes chegava a demorar entre 20 e 30 minutos, às vezes só para perceber que não havia quarto nenhum nas redondezas. A comunicação à indiana, já por si pacientemente lenta, é abrandada (para não dizer interrompida) pelos parcos conhecimentos de hindi do Suhail que só há três anos aqui estuda, mas que mesmo assim tem sido incansavelmente amável.

Hoje encontrei já uns estudantes estrangeiros e soube logo de lugares bons bem como de estudantes que procuram room-mates. Ainda vimos o quarto de um austríaco, alto e loiro, claro, mas não tinha ventilação alguma (o quarto). Ao lado, um quarto no primeiro andar com uma família simples indiana, mas tão atenciosa e amorosa que me custou imenso a dizer que iria dar uma resposta amanhã (porque não existe um não definitivo na Índia). Se o quarto fosse maior, tivesse um acesso que não o de lama e vacas e esterco e lixo, talvez pensasse duas vezes.

Veremos o que o dia de Sábado nos traz em termos de habitação em Nova Deli. (texto escrito na sexta-feira)

3 comentários:

  1. tendo em conta a resposta negativa de inclinação marxista que este deu “we do not go for that because we are against this type of exploitation”- Tou a ver q o bloco chegou à india...
    Gonças

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  2. Hehehehehe... India sounds sooooo much fun... BWAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!! Parece q te tás a divertir à grande!!! E vais continuar a fazê-lo durante 2 anos!!! FantÁSTICO MELGAAAAAA!!! Tou a ver q qdo saires de lá Goa vai ter um Mao Tse Tung IIº à pala das tuas intervenções maquiavélicas, LOL!!!

    1 abraço,

    Fabian

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  3. Muito engraçado o teu post, especialmente a parte da camisa para dentro das calças. Vejo que te estás a adaptar, em breve estarás a mascar bétel a todo o momento. Espero que acabes por encontrar alguma coisa apropriada - sim, um quarto onde possa estender uma esteira para dormir lá uns diazitos, lá para Maio.
    Parece-me também que, ou sais da Índia convertido ao marxismo, ou sais anti-comunista. Por via das dúvidas, uma barba seria boa ideia. Faz-nos a vontade.

    Abraço.

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