quinta-feira, 9 de março de 2006

Uma nova ordem nuclear mundial (Expresso)

EXPRESSO, Edição 1740, 04.03.2006, Internacional

Uma nova ordem nuclear mundial

Índia assina acordo de cooperação nuclear

«HOJE fizemos história», disse o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, no final da conferência de imprensa conjunta com George W. Bush, na quinta-feira. O acordo de cooperação para a energia nuclear estabelecido entre a Índia e os Estados Unidos, no decurso da visita de três dias do Presidente americano, concede àquela um novo estatuto nuclear, convida-a a participar no reactor experimental de fusão termonuclear (ITER) e aproxima-a mais do que nunca aos Estados Unidos. Razões de sobra para comemoração.

Sexto maior consumidor mundial de petróleo, importando 70% das suas necessidades, a Índia procura alternativas para o sector energético e quer garantir o crescimento económico anual de 8%. O seu programa nuclear foi iniciado nos anos 60, com ênfase no sector militar, tendo o civil permanecido sub-aproveitado e contribuindo em menos de 2% para a produção energética.

Mas o facto de a Índia nunca ter assinado o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e de ter sido alvo de sanções internacionais depois de ter realizado testes atómicos em 1998, conferiu-lhe um papel de pária, que agora deverá cessar.

Índia nuclear.

O acordo permite também a Nova Deli afirmar-se no plano internacional. No Parlamento, Singh disse mesmo que ele «criará espaço para a Índia emergir como membro pleno de uma nova ordem mundial nuclear». Estima-se que a Índia mantenha várias dezenas de ogivas nucleares e mísseis balísticos com alcance superior a dois mil quilómetros.

O Governo conta, porém, com forte oposição interna. Cientistas indianos receiam que as condições impostas pelo acordo (separação do programa civil do militar e inspecções internacionais) venham a pôr em causa a independência de um sector estratégico que se encontra em franca expansão (ver infografia).

Nas várias manifestações de protesto organizadas durante a visita de três dias de Bush, Singh era acusado de «sucumbir ao imperialismo americano» e de «esquecer a tradição não-alinhada do país».

Para Manosh Joshi, membro do Conselho Consultivo para a Segurança Nacional, a nova orientação é menos dramática. «A diplomacia indiana está a adaptar-se há já vários anos às novas realidades», declarou ao EXPRESSO, lembrando que «relações mais positivas com Washington irão cimentar a sua emergência e satisfazer também o desejo americano de conter a China na Ásia».

O ex-diplomata minimiza os receios da Índia fazer proliferar tecnologia nuclear, apontando para o seu passado «responsável, em contraste» com o vizinho Paquistão.

Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli

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