Há umas semanas, com os canais por cabo sem sinal, fui parar ao canal público Doordarshan que estava a emitir um filme bastante antigo, parece-me que chamado "Baghi". Trata de uma família dálite (intocável) no Panjabe, cuja filha (Baghi), muito bonita e inteligente, mantém uma relação amorosa com o filho do chefe da aldeia, um temível sique de casta alta. Claro que a coisa dá para o torto e descamba numa violência brutal, a jovem Baghi sendo espancada pelo próprio pai, por tê-lo colocado numa situação embaraçosa perante toda a aldeia.
Aquilo depois resulta numa violência massificada e ainda mais cruel, incluindo milícias, o chefe da aldeia, tudo aos pontapés, murros e tiros. O interessante é que o conflito alastra, é moderado, agudizado e por fim solucionado por um conjunto de instituições diferentes - a família, a aldeia, a milícia local, etc. - enquanto que o estado (políticos, justiça, polícia) não intervém uma única vez (a certa altura, aparecem uns polícias, mas só mesmo para darem ainda mais porrada em Baghi). Por fim, é o tio de Baghi, um imponente coronel regressado da linha da frente, que se afirma como a figura central, denunciando tudo e todos: "No exército somos todos iguais, como irmãos", moraliza, no fim.
Saberão agora adivinhar qual é a instituição em que os indianos mais depositam confiança, logo após o Supreme Court e a Election Commission.
As Forças Armadas Indianas são respeitadas por todos incluindo aqueles que estiveram detidos em Goa 1961.
ResponderEliminarEles conhecem a alta disciplina dos Indian Army.
Nando
Há que relativizar um pouco as coisas. As FA indianas são relativamente mais respeitáveis que outras instituições, modernas ou pré-modernas, mas estão longe de ser um modelo de comportamento. A sua imagem é fortemente projectada por um conflito externo que é muito conveniente... e mais não digo. (Quanto a Goa, um respeitadíssimo prof. de direito, indiano, de origem goesa e com carreira na Índia, contou-me uma história bastante instrutiva. Nada que se não veja noutras circunstâncias, note-se, mas demonstrativa de que há que... relativizar as coisas.)
ResponderEliminarSérgio
E mais não diz Serginho...
ResponderEliminarClaro, leia o livro A queda da India colonial Portugueza do Major Morais que sublinha alto e bom som a disciplina, aprumo,organização, desempenho, honestidade, correcção etc.
Nando
Ó Nandinho, está a falar do livro do meu vizinho, o Major Carlos Morais?
ResponderEliminarComo eu disse, tudo é relativo. Há em Goa muita gente que continua a destacar o aprumo, organização, desempenho, honestidade, correcção, ec. da polícia portuguesa. Em Goa e em Portugal, reportando-se ao mesmo tempo, o do Estado Novo.
Já agora, uma pequena história para compreender o tal aprumo, organização, etc. das FA indianas. Aí por 1963 um oficial indiano foi convidado para um chá na casa de uma senhora da alta sociedade católica. Ao longo da tarde a senhora foi falando para com familiares e pessoal doméstico. Em português. Com o oficial indiano falou em inglês porque, compreensivelmente, ele não dominava o idioma de Camões.
Ao sair o oficial não se conteve e perguntou à sua anfitriã (de forma absolutamente correcta) porque é que ela continuava a falar na língua do colonialista.
Ao que ela retorquiu, se não era na língua do colonialista que estava a falar com ela? Porque é que ele se sentia no direito de falar na língua do seu colonialista e achava que ela não devia falar na língua do colonialista dela?
O oficial calou-se, fez meia volta e pôs-se a andar.
Ou seja, a correcção de comportamento tem muito a ver com o contexto. Para os indianos Goa não era um país estrangeiro, logo não devia ser tratada como e habitual em tais circunstâncias.
Já agora a história mais desenvolvida do meu tal informador. Trata-se de um professor indiano de origem goesa católica. Como ele me disse, esteve há anos numa conferência sobre a paz onde era orador principal um general indiano. Este, na sua alocução, fez um panegírico do comportamento das FA indianas. Quando chegou ao período das perguntas e respostas o meu informador foi o primeiro a falar e para contar a seguinte história (que cito de memória):
"Eu era estudante em Belgão e, como toda a gente, estava na rua no dia 17 de Dezembro de 1961 para aplaudir as nossas tropas que íam entrar em Goa.
"Semanas mais tarde eu estava de novo na rua para aplaudir as nossas tropas que regressavam da libertação de Goa. O que eu vi nesse momento foram camiões carregados de soldados, electrodomésticos e todo o tipo de equipamento, todo ele capturado em Goa. Os soldados tinham os pescoços cheios de colares de ouro, os dedos de anéis, os braços de pulseiras."
Ao que ele me disse o tal general enfiou a viola no saco e não voltou a insistir no comportamento irrepreensível das FA indianas.
Há muitas histórias da conquista, invasão ou libertação de Goa. Cada uma reflecte uma visão parcial e a do meu visinho não vai além disso, por muito que eu o aprecie e aprecie o seu livro.
Agora o meu caro Nandinho devia saber que não basta um livro com o testemunho de uma pessoa para traçar uma história tão complexa como a da intregração de Goa na União Indiana. E não basta um episódio na vida de uma instituição como as FA para lhes traçar o perfil.
Mas o Nandinho pode querer mais. Que tal os casos de corrupção nas FA indianas? Estes normalmente têm bastante menos impacto do que os de corrupção na sociedade civil porque, 1º as FA não estão sujeitas ao mesmo escrutínio, e 2º contam com imensos recursos próprios que escapam completamente ao controlo do estado e da comunicação social.
Quer um exemplo? Dou-lhe um exemplo quase caricato. Aí por 2003 ou 2004, antes da passagem do ano, o governo do Gujarate onde há lei seca solicitou aos comandos locais das FA que... evitassem a "venda" (mais correcto seria contrabando) de bebidas alcóolicas disponibilizadas para militares para festas de civis! Foi um pedido muito urbano, quase a pedir desculpas pela impertinência. Da parte do governo mais agressivamente e boçalmente proto-fascista que existe na União Indiana.
As FA indianas não são melhores nem piores do que as do resto do mundo. Como é normal na maior parte dos países, são uma instituição altamnte considerada. E o povo está preparado e programado para não as pôr em causa. C'est la vie.