sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Confiando: Passas e amêndoas

Velho, a cara e as mãos enrugadas, rodeado de saquinhos de especiarias coloridas e frutos secos, encostado a uma parede caiada com ocre, descalço, sorridente, desdentado. Entrega-me um saquinho de passas e outro de amêndoas e promete-me que são do melhor, de longe. São, de facto, deliciosas.

Na minha Inbox

Caro Constantino, descubra a Índia com a Lufthansa.

Papéis de Deli



Quando na cantina lhes falta troco, passam-nos esta declaraçãozinha de crédito. Neste caso, "Three Rps. only".

Imagens de Deli

Já não encontro imagens novas na pasta Pictures. Vou ver se tiro mais. Por enquanto, contentem-se com os Papéis de Deli. Obrigado.

Obnoxious little weed

Ligo a televisão, para a desligar logo de seguida: o críquete, o nacionalismo indiano e a sua relação com o mundo já foram objecto de estudo em dezenas de doutoramentos, mas ainda merecem muito mais estudo e atenção.

Passaportes

When machine-readable passports are standardised worldwide by the International Civil Aviation Organization (ICAO) and most countries use these along with biometric ones, Bangladeshi nationals carry passports prepared manually using primitive technologies.

A passport issued in December last year reads the bearer's occupation 'Pnirale Sunrice' instead of 'Private Service' and hometown 'Meenliganj' instead of 'Munsiganj'.
...
Rokeya Begum, a resident of Rampura, was stunned to see she was sharing the same birth date and year with her eight-year-old daughter.
...
Another passport was issued with the expiry date 1917 instead of 2007.

Daqui

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Fragmentos da leitura

The same person can, for example, be a British citizen, of Indian origin, a man, a believer in gender equity, a Muslim, a Malayali, a stock-broker, a non-vegetarian, an asthmatic, a linguist, a poet, a pianist, an astrologer, and one who believes that Australians do not really play good cricket but win consistently because of excellent luck in the fields.
Amartya Sen; Is nationalism a boon or a curse?

Imagens de Deli: Gwalior

Fragmentos da leitura

Real-life films such as Monsoon Wedding and Bend it Like Beckham have been extraordinarily successful not only because each was, in its own right, simply a great film, but also because the Indians portrayed in these films are so much like, well, everyone else.

Mira Kamdar, Lights, camera action

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Papéis de Deli: Gate Pass



Gate Pass - Formulário que autoriza a retirada de bens pessoais da residência universitária.

Fragmentos da leitura

On the way back, my taxi driver was from Chandigarh. He, too, was eager to talk, to tell me about his life here ... But he was happiest telling me about his relationship to his old life. ‘You know, I call my boss back in India, and now he talks to me differently,’ he kept telling me. ‘He used to talk to me badly. Now he speaks to me good.’

Marina Budhos, Living the American dream

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Imagens de Deli: Gwalior

inverno e verão

e na sexta-feira saí à rua, eram talvez umas seis e meia da tarde, quando normalmente escurece e um manto de brisa e neblina e gelo cobre a cidade, caído dos himalaias, e saía então de casa pela primeira vez nesse dia, depois de o passar em frente ao computador e com os pés protegidos na escalfeta, e assim protegido por um casaco e o cachecol à volta do meu pescoço, reconheci-o logo, da companhia que me fez nos anos passados, aquele bafo, aquele cheiro, aquele calor do verão, e senti saudades, saudades do inverno e do frio, e senti medo, pânico, medo mesmo, medo do verão e do calor e do suor e do pó e do sol de deli.

Fragmentos da leitura

Earlier, Mr. Barotia had told me that because the Hindus had killed so many Muslims earlier that year in Gujarat, a change had come about. ‘We have created fear,’ he boasted. ‘Yeh garmi jo hai, main India mein phaila doonga. This heat that is there, I will spread it in India. And those who write against us, their fingers will be cut.’ But, for now, he was quietly stuffing pakoras into his mouth: a retired immigrant worker eating in a cheap immigrant restaurant.

Amitava Kumar, Lunch with a bigot

Papéis de Deli: Bilhete de autocarro

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Fragmentos da leitura

The figuring of Apache Indian as a ragamuffin, in style and substance, created an essential challenge to a more authoritative Indianness positing financial and educational success as part of an ethnic profile, just as being another kind of Indian (Apache) established an almost prior form of distantiation from that mainstream ethnicity.

Sandhya Shukla, India Abroad

Desestabilizadores

No Delhi Times de hoje (sem ligação:)

Delhi is busy adding 308 cars and 600 two-wheelers everyday to its tally of 5.036.842 automobiles (2006).

Imagens de Deli: Gwalior

Pergunta genial (talvez a S. Valentim?)



Resposta de alguns elementos do grupo radical Bajrang Dal, procurando legitimar o seu ataque a um casal que encontrou a namorar num parque, mas se veio a saber depois que era afinal casado:

If they were married for four months, why did they meet in a park, under a tree on Valentine's Day?

(aqui)

Dia de S. Valentim, segundo alguns aqui

Daqui:

“alien culture.”

“a rotten imported culture thriving on the neo-rich with easy money to squander.”

“encouraged by commercial considerations.”

“peaceful raids”

“aping the western culture”

“decadent culture”

“save the future generation from degeneration and the country from disintegration.”

Give me a break

Se quiserem mais sobre as celebrações e os protestos no Dia de S. Valentim na Índia, podem ir agora à BBC, a outros blogues ou talvez aos telejornais portugueses (embora talvez não ainda).

Não deixa de ser fascinante, exótico e sociologicamente interessante analisar o Dia de S. Valentim na Índia, como aliás o fiz em anos passados, por exemplo aqui e aqui. Mas já estou um pouco farto - é sempre a mesma coisa e eu não gosto do S. Valentim, nem dos mentecaptos shiv sainiks, e desconfio sempre de temáticas indianas que são "fascinantes, exóticas e sociologicamente interessantes" para a comunicação social estrangeira.

Imagens de Deli: Gwalior

Fragmentos da leitura

They continually talked of going back to India, but when the opportunity came, many refused, afraid of the unknown, afraid to leave the familiar temporariness. And every evening they came to the arcade of the solid, friendly house, smoked, told stories, and continued to talk of India.
Naipaul, A House for Mr. Biswas

Papéis de Deli: Recibo Internet banda larga

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Acordar hoje

Como sempre, sem electricidade. O rapaz dos jornais anda preguiçoso. Já não os vem deixar à porta, limita-se agora a atirá-los ruidosamente da rua para o terraço. De qualquer maneira, hoje também não trazem nada de novo.

Comendo em Deli: Spice Route (The Imperial)



A moda dos tailandeses também pegou na Índia (de há dois ou três anos para cá), mas o Spice Route, nas gloriosas instalações do The Imperial, não deixa de ser o melhor. O ambiente é incomparavelmente mais genuíno (afinal, é isso que ser quer, num restaurante étnico, ou não?). O serviço não tão genuíno, mas, ao menos, parecido (as mulheres do nordeste indiano chegam a enganar). E a comida, moderada no picante e, mesmo assim, soberbamente tailandesa, na medida dos possíveis.

Vale ainda a excelente localização, no centro da cidade e no seio de um dos seus hotéis mais carismáticos, bem como o atractivo de estar ali, logo ao lado, uma das mais apetecíveis esplanadas de Deli, a verandah lounge do 1911.

Imagens de Deli: Khajuraho (pormenores)




Fragmentos da leitura

The complete anglicisation of an interpreter class, which Lord Macauly contemplated, was evidently impracticable. We cannot, by education, transform the "intellect" of an ancient people, or reconstruct their "tastes" and "opinions" in exact accordance with foreign models.

Imagens de Deli: Khajuraho

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Fragmentos da leitura

He told of the husband of an Indian woman, who struck the overseer who violated his wife, and was sent to jail. The women fled from her seducer, and was herself sent to prison. Both had to return to work under him when their sentences finished.

Papéis de Deli: Panfleto de partido estudantil

Aldrabando: Bilhas de gás

Para poupar umas Rupias, o proprietário do nosso apartamento decidiu não instalar gás canalizado. Assim, continuamos a depender das bilhas de gás e do seu fornecimento errático. A loja de abastecimento fica a menos de cem metros, mas demoram habitualmente dois, três e mesmo quatro dias a trazer uma nova bilha. O mais curioso é que poucas horas depois de telefonarmos para a loja a encomendar uma nova bilha (desesperados, claro, porque sabendo-nos sem gás para cozinhar durante um período indeterminado), aparece quase sempre, como que caída do céu, uma "solução" milagrosa - que grande e abençoada coincidência! Toca-nos à campaínha um dos ciclistas que distribui as bilhas de gás para o dito estabelecimento (público: Indane, Nripro Gas Agency) e promete-nos trazer, em menos de cinco minutos, uma bilha repleta de gás, fresquinha, prontinha. Mas em vez das 300 Rupias habituais, cobra 400: "special emergency fee", exclama, sorridente.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Fragmentos da leitura

Of all the aspects of sickness and mortality on the plantation, the most sombre was that of suicide. It was common for the emigrants to throw themselves overboard on the voyage.

Imagens de Deli

Fragmentos da leitura

Both Surinam and Demerara are dull places to visit. I saw one hill in two months; and it was forty miles away.

Fragmentos da leitura

Para me irem acompanhando: frases, fragmentos de, citações, palavras das minhas leituras diárias. Sem referências, notas, apontamentos, comentários ou crítica. Só mesmo frases, fragmentos de, citações, palavras.

Nomes, profissões, histórias

Acho que, num dos anos anteriores desta vida, eu já me referi aos curiosos nomes de família indianos que, muitas vezes, reflectem a respectiva profissão ancestral, em língua inglesa. Encontro aqui, no meio de uns papéis, uma lista com mais algumas anotações:

Rajesh Pilot, Sachin Pilot
(pai e filho, deputados do partido do Congresso)

Ronnie Screwalla
(magnata de Bollywood e televisão)

Buswalla
(meu colega)

Allibhai Premji Tyrewalla
(empresário, indústria automóvel)

Manager Pandey
(professor na minha universidade)

Vikram Doctor
(jornalista)

Ashgar Ali Engineer
(académico)

e ainda este, igualmente interessante:

Arvinder Singh Lovely
(ministro da educação de Nova Deli)

Papéis de Deli: Recibo da lavandaria

Just what is‘eve teasing’?

Dados estatísticos publicados recentemente no semanário Tehelka.

Blank Noise Project ran an online poll asking respondents what specific acts they thought constituted sexual harassment. Here are some of the results:

Staring 66%
Whistling 79%
Staring at breasts 81%
Talking to breasts 80%
Rating 50%
Passing lewd comments 82%
Singing suggestive songs 66%
Rubbing 86%
Groping 81%
'Accidentally' touching 76%
Flashing 75%
Blowing kisses 81%
Making kissing sounds 82%
Stalking 73%
Fingering 78%
Masturbating in open view 74%
Adjusting rearview mirror 50%
Unsolicited conversation 55%
Unsolicited photography 77%
Spitting 49%
Winking 75%
Crashing vehicles 70%
Honking to get attention 70%
Following a woman driver 76%

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

One of ours



Filho de um antigo
greenkeeper do Royal Calcutá Golf Club, Shiv Shankar Prav[s]ad Chowrasia serviu anos como caddie e fazia incursões nocturnas ao campo de jogo, enquanto miúdo, para bater bolas. Por vezes era apanhado. Entretanto tornou-se profissional de golfe, comprou uma casa lá próxima e tornou-se membro ilustre do clube. Ontem, com 29 anos, venceu o I Masters da Índia, em Nova Deli, alcançando o estatuto de novo herói desportivo indiano. ...

Jornal Público de hoje, p. 36

Porquê, pergunto-me. Porquê sempre assim, ali num quarto de página, uma coluna do topo ao fundo da página, do lado esquerdo, suficientemente pequeno para não ser notícia que nos faça pensar e confrontar a diferença, contudo igualmente suficientemente grande para depois se poder invocar que até se deu um tempinho de antena a uma agenda diferente, à Índia exótica? Porquê este fait-divers, até num jornal como o Público (que, por acaso, publica na mesma edição de hoje, um editorial sobre do normalmente excelente José Manuel Fernandes que me desiludiu, porque diz um pouco de tudo e nada de novo sobre a Índia tal como ela é vista predominantemente).

Simplesmente, porque é este o único paradigma, o único filtro, com que o Ocidente, e especialmente ainda Portugal, consegue abordar a mudança a Oriente. Ao contrário do que, por exemplo, se escreve muitas vezes por aí (a Europa ignora e não quer saber o que se passa por estes lados), o problema é bastante diferente: a Europa sabe muito bem o que se passa por aqui. O problemático é a forma com que aborda o que se passa por estes lados; tristemente confrangedora, básica, primária - infantil.

Sim, isso mesmo: pequenas histórias, contos e lendas que evocam em nós as fantasias com que adormecíamos descansados com o mundo e os outros à nossa volta, aquelas gatas borralheiras, aqueles pequenos patinhos negros, os camponeses de turbante na cabeça e telemóvel xpto na mão, ou seja, aqueles Outros outrora escravos, agora libertados e príncipes, porque reconhecidos. Reconhecidos tal como nós os queremos reconhecer, nos nossos termos e nas nossas condições. Parabéns, Shiv Shankar, you are one of ours.

Imagens de Deli: Colorantes

Vidas indianas: A vida numa Goa

Não há duas sem três. Este é um blogue brasileiro e lusófono, sobre Goa, com nome parecido a esta vida. Vai já aqui para o lado, para as vidas indianas.

Vidas amigas: Sidh (Jaipuriano)

E já que estamos a recomendar outras vidas, vai esta também para as amigas: Sidh, no seu jaipuriano, que já foi uma mini-vida indiana mas, de momento, se encontro por terras lusas.

Vidas asiáticas: Postas do Oriente



Uma excelente iniciativa aqui a Oriente, da autoria do Rui, junta todos os blogues lusófonos pela Ásia: Postas do Oriente. A vida em Deli agradece o convite e orgulha-se em poder fazer parte deste original blog ring. Passa a integrar as vidas amigas.

Papéis de Deli: Cartão de estudante



No verso do cartão de estudante, os autocolantes cobertos de assinaturas e rabiscos representam o número total de semestres contabilizados na Universidade (neste caso, quatro). É um pouco como aquelas coloridas medalhas e condecorações no peito dos militares de alta patente. Quanto mais são, mais senior e mais respeitado se é nos serviços administrativos.

Sea Change (Economic Times)

Um artigo sobre a diáspora indiana em Portugal, que se baseia (demasiadamente e às vezes erradamente) numa entrevista que eu dei à jornalista Ishani Duttagupta, do Economic Times. Mesmo assim, uma generosa meia página no maior diário económico indiano. Em relação ao "expert on the Indian diaspora in Portugal", é obviamente fruto de hipérbole jornalística e que recuso. Não sou expert nem sobre mim mesmo.


Portugal attracting skilled Indian immigrants
7 Feb, 2008, 1820 hrs IST,Ishani Duttagupta, TNN

An interesting statistic about Indian immigrants in Europe is that Portugal has among the largest numbers of people of Indian origin. According to the report of the high level committee on the Indian diaspora, Portugal has about 70,000 PIOs and NRIs. “Indian immigration to Portugal has happened in different waves from the 16th Century onwards. The first wave was the Portuguese ships which carried craftsmen, tailors and others with specialised skills from India to Portugal. They have had a distinct influence on the architecture and culture of our country. The second wave was of Goan intellectuals who went to Portugal to study and then settled down and the third and most significant wave was in 1961, when the people of Goa were given the choice of opting for Portuguese citizenship.

That was when a large number of Goans in administrative services and military officers immigrated,” says Constantino Hermanns Xavier, a researcher and expert on the Indian diaspora in Portugal. He adds that a large number of Gujaratis and Maharashtrians joined the Indian immigrants in Portugal from former European colonies such as Mozambique, Macau, Angola and Kenya, when they got their independence. Continuação

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Imagens de Deli: Algures em Orcha

Mini-vidas indianas: Postais da Índia (Geração de 60)

No blogue Geração de 60, Pedro Norton apresenta-nos uma atraente série fotojornalística, os Postais da Índia. Excerto:




Postais da Índia - IV

"Aires Sebastião Araújo é taxista em Goa. Tem dois filhos de nomes portuguesíssimos e em vez do incontornável Ganesh de outras paragens tem um crucifixo pendurado no espelho retrovisor. Com uma indisfarçável felicidade passa-me para a mão uma carta do Consulado de Portugal em Goa que atesta que está a prestes a acabar o longo calvário que há-de valer-lhe o tão desejado passaporte português. Mas Aires Sebastião não fala uma palavra da língua de Camões. Nem tão pouco sabe pronunciar o seu próprio nome. Duvido que saiba onde fica Lisboa. Ingénuo, confesso que a pergunta me pareceu naturalíssima: «então para que quer ir para Portugal?». A resposta dificilmente podia ter sido mais eloquente: «Portugal? Quero o passaporte para ir viver para Londres». Seria de esperar outra coisa de um país que votou os seus ao mais completo abandono e esquecimento?"

"...Mas Mahomed não se queixa. Tal como outros 380 milhões de indianos, votou nas últimas eleições legislativas. Pôde escolher livremente entre 5.398 candidatos de 220 partidos políticos diferentes. E a escolha até foi surpreendentemente informada. A leitura de imprensa é um hábito de rua e a Índia pode justamente orgulhar-se de publicar alguns dos grandes jornais do Mundo. Economicamente a sua vida mudou muito desde que, ainda rapaz, deixou a sua Calcutá natal. Não ignora que é já um dos membros de pleno direito de uma classe média indiana que, segundo rezam as crónicas, há-de contar com 500 milhões de representantes lá para 2025. Queixas para quê? O sorriso fácil e afável diz tudo. Mahomed acredita no futuro."

Mini-vidas indianas: A bem da nação

Impressões de Henrique Salles da Fonseca sobre a sua recente viagem à Índia, que incluiu uma palestra em Goa, presidida pelo Cônsul Geral de Portugal. Excertos:

Nacionalismo indiano
"Mas se a Índia tem problemas – e quem os não tem? – reconheçamos que eles são livremente discutidos e essa é uma virtude fundamental: os indianos podem concordar ou não com as políticas em vigor, discutem essas políticas dentro e fora dos Parlamentos, nos meios de comunicação, nas ruas mas as políticas são conhecidas, têm uma lógica própria e os poderes constituídos têm toda a legitimidade democrática para acertarem e para errarem. O sistema é globalmente transparente. Do mesmo não se podem vangloriar os chineses que são nomeados voluntários para o trabalho e não podem discutir os objectivos que o Partido único define no seio de uma gerontocracia de legitimidade revolucionária e, portanto, opaca. Por isso acredito na Índia como potência do futuro a curto prazo e da China espero um estoiro a qualquer momento."

Índia - 1
"A Índia não será uma verdadeira potência mundial enquanto não tiver mais cuidado com a qualidade de vida dos seus cidadãos. Impõe-se um nível mínimo de cuidados na higiene pública, o lançamento de redes de saneamento básico, a criação de hábitos de higiene pessoal na classe política. Enquanto os políticos não tiverem hábitos de higiene pessoal não será possível convencê-los a seguirem políticas de higiene pública. Não há democracia quando tantos milhões de indianos resvalam no esterco e chafurdam em busca de sobrevivência."

Papéis de Deli: Reader's tickets



Cada estudante recebe estes tickets para o empréstimo de livros na biblioteca da JNU. Os estudantes de pós-graduação (M. A.) têm direito a quatro (encarnados), os de mestrado (M.Phil.) a seis (verdes) e os de doutoramento a seis também (amarelos).

I wanna gum

- I wanna gum, I wanna, gum, I wanna gum, gum, gum.

O miúdo nem contar até três deve saber ainda e provavelmente faz chichi na cama todas as noites (depois de ver os X-files em hindi, com o pai), mas sabe exactamente o que quer, na mercearia aqui da esquina, em frente ao jardim infantil novo, pintado a mil e uma cores, mas com as esquinas já mijadas.

- Tik hai, ok ok. Tik hai!

E a pura e maternal mão direita lá penetra as profundezas da sua mala, para emergir de novo com uma nota de quinhentas rupias, enquanto que, com a impura esquerda, segura o Motorola e fala com a amiga, a combinar a ida ao gym. Uncle, um pouco chateado (tal como eu, porque estou há minutos à espera de ser atendido), faz um esforço e sorri.

- Sorry, I have no change. Gum is actually only 2 Rupees.

E o puto.

- I wanna gum, I wanna, gum, I wanna gum, gum, gum.

E ela.

- Preity, I'm sick of the sauna, why don't we try the stepper today, that's where the cute guys hang out anyway.

E o uncle a olhar para ela e para a nota de quinhentas rupias e agora já não sou só eu a esperar.

- Ok ji, what, wait. Here, take.

E o cartão de crédito reluzente, douradinho, mas tão inútil, tão patético, ofensivo mesmo. Uncle agora nem diz nada. Já nem olha.

E o fedelho.

- I wanna gum, I wanna, gum, I wanna gum, gum, gum.

E já me começam a empurrar, uncle, uncle, yeh dedoh, voh karo. A lojinha vai abaixo a qualquer momento.

- Ok, whatever, how much for the whole pack? All the gums, give me.

A embalagem deve ter pelo menos cem pastilhas. A duas Rupias cada, são 200 Rupias.

- Sorry maam, I cannot give you all, other children want also, you know. Sorry.

- I wanna gum, I wanna, gum, I wanna gum, gum, gum.

O Motorola cai-lhe da mão.

- Shit.

Levanta-o, deixa a nota de quinhentas no balcão, pega na embalagem inteira de pastilhas e sai dali para fora, e o merdas a correr atrás dela, aos trambolhões.

- I wanna gum, I wanna, gum, I wanna gum, gum, gum.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Imagens de Deli: Orcha

Swagataam (Atlântico)



Revista Atlântico, (excelente) número de Fevereiro, já nas bancas!
Excerto:

Correspondentes de Guerra: Passagem para a Índia
Constantino Xavier em Nova Deli

SWAGATAAM

"Bem-vindo? Nem sempre é essa a mensagem com que a Índia acolhe os turistas. Todos os que já visitaram o país sabem que este não é um destino convencional para umas férias descansadas. É logo no planeamento da viagem que se apresentam as primeiras dificuldades. Os hotéis não respondem aos e-mails, as reservas foram pagas mas não se encontram confirmadas e um agente promete um circuito maravilhoso, mas o pacote inclui hotéis “very very good” que não existem nem no Google. Cerca de duas horas depois de o avião aterrar em solo indiano, encontrada a bagagem e ultrapassadas a imigração e a alfândega, dá-se então a recepção gloriosa: centenas de gatunos, todos estrategicamente posicionados para sacarem o máximo, o mais rapidamente possível: taxistas, agentes, guias e bagageiros, entre outros especialistas."

Papeis de Deli: Library Gate Pass



Na biblioteca da JNU, tal como em quase todas as outras do país, reina a lei da selva no que toca o respeito pelos direitos de autor e do editor. Fotocopia-se tudinho, da primeira à última página.

Apresentam-se ainda várias soluções sofisticadas para a versão fotocopiada ficar o mais parecida possível com o livro original (corte de páginas, encadernação, capa dura e a cores etc.). Aliás, quando os exemplares originais se encontram em estado de degradação avançado, são os próprios responsáveis da biblioteca que recorrem a este sistema, para manterem o livro nas estantes e acessível para os estudantes que desejam consultar (em vez de adquirirem uma nova cópia).

Este papelinho é um Gate Pass, provando (com data, valor em Rupias e assinatura em forma de cruz) que as fotocópias tiradas não são propriedade da biblioteca, mas tiradas a pedido e pagas pelo estudante, permitindo-lhe portanto passar com elas pelo segurança que controla a saída.

A Índia e a Iniciativa Quadrilateral (Janus)


No anuário JANUS 2008, do Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma e já em circulação (à venda com o jornal Público), um breve ensaio meu nas pgs. 26-27, integrando a parte "Aspectos da Conjuntura Internacional".

Resumo:
A entrada da Índia para a Iniciativa Quadrilateral com os EUA, a Austrália e o Japão, suscitou a apreensão da China e a possibilidade de uma Ásia dividida em dois eixos distintos. No entanto, a participação indiana integra-se num omni-alinhamento estratégico mais amplo que visa catapultar o país para o pelotão das grandes potências a que caberá procurar soluções multilaterais para a mutação em curso do complexo de segurança asiático.

Acordar ontem

Um Domingo deliense peculiarmente europeu: nuvens, neblina, uma brisa gélida e uma chuvinha ocasional. O nosso jogo de críquete é interrompido por aguaceiros mais fortes. A bola escapa várias vezes das minha mãos inertes e gélidas. Mas deixa marcas dolorosas. Passo rapidamente para o banco de suplentes.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Imagens de Deli: Orcha

Aldrabando: Tanques de água

Em Nova Deli é frequente os reservatórios de água de cada apartamento se situarem no topo de cada prédio, em tanques de plástico. Nós temos um de 500 litros, que se tem demonstrado insuficiente para os longos verões e associados cortes de água, algumas vezes durante semanas inteiras. Como precaução, mandámos hoje instalar um segundo, igualmente de 500 litros.

Regra geral, os terraços são partilhados por todos os inquilinos do respectivo prédio, justamente para poderem colocar os tanques de água, estenderem a roupa, dormirem ao sol, etc. O nosso vizinho de cima, no entanto, deu a volta à lei e ocupou o espaço com um novo apartamento (um andar extra) que aluga. Assim, o acesso aos tanques (que passaram para o novo topo, um piso mais alto) passou a depender da sua autorização prévia, porque o acesso faz-se por via deste novo fogo - ilegal.

O canalizador regressa à tarde e diz-nos que não o deixam ir lá acima para instalar o nosso segundo tanque. O vizinho vem-nos depois comunicar: as autoridades só permitem um tanque de 250 litros por apartamento, e vocês já têm um de 500 litros. Nem pensem em colocar um segundo, porque isso seria um tremendo risco de segurança para mim.

Quando estive lá em cima, há uns meses, a inspeccionar o nosso mini-tanque em reparação, lembro-me de ver lá o mega-tanque deles, do tamanho de uma piscina e com uma capacidade de mais de 3000 litros.

Papéis de Deli



Certificado passado por uma das residências universitárias da JNU, atestando que o/a estudante não tem dívidas pendentes ("no outstanding dues").

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A vala e o pedregulho

Numa avenida muito movimentada, aqui perto, abriram recentemente uma pequena vala. Num dos sentidos ela cruza ambas as vias, portanto sem hipótese de ser contornada. Foi depois tapada de forma medíocre, com algum entulho, à espera que o departamento de obras públicas se lembrasse de alcatroar o trecho de novo. É óbvio que este não apareceu durante semanas.

O desnível foi piorando até praticamente obrigar os condutores a pararem - se não o fizessem, não só danificariam a suspensão das suas viaturas, como provavelmente perderiam uma das rodas. A vala lá ia ganhando em profundidade, embarcando numa autêntica viagem ao centro da terra. E todos os dias, repetiam-se os acidentes e alinhavam-se os carros avariados - certamente os condutores novatos que passavam pela primeira vez por aquela avenida, ou algum mais distraído.

Confrontado e transtornado com a inacção das autoridades públicas, algum morador da redondeza ou algum condutor acidentado, passou à acção. Na ausência de qualquer sinalização de aviso, improvisou e colocou, no meio de uma das duas vias e em cima da vala, um enorme pedregulho. Deste modo, os condutores desprevenidos seriam avisados do perigo à distância.

Mas não é o pedregulho no meio da avenida um enorme perigo, exclamei em interrogação, enquanto que desviava, à tangente, a minha motinha daquele colosso. Pensei e lembrei-me que o responsável pela sua colocação, responder-me-ia da seguinte forma, indo-lógica: "Oiça lá seu estrangeiro armado em indiano, não me venha dar lições técnicas. Sem o pedregulho os condutores lixavam a suspensão e uma ou outra roda, enquanto que assim , no pior dos casos, é só chapa."