sábado, 26 de agosto de 2006

Leituras indianas (1)

Já aqui tinha referido o sucesso literário do Mein Kampf por estas bandas. Na minha universidade não são poucas as cópias do livro de Adolfo que eu vi, naturalmente abertas numa página qualquer, numa esplanada ou num quarto de residência. Inquiridos sobre o porquê desta leitura, a maioria responde que se trata de um "clássico" e que, "muito bem escrito", dá "ideias claras e puras".

É verdade que não são necessariamente os jovens comunistas a lerem o livro. Entre os casos que observei, contam-se especialmente os jovens alistados no ABVP, a juventude partidária dos nacionalistas hindus do Bharatiya Janata Party, que formou governo entre 1999 e 2004. O que deixa adivinhar os motivos de interesse pelo livro alemão. Há uma tremenda tentação indiana de sucumbir ao autoritarismo e à disciplina totalitária.

A discussão sobre o perído de Emergência, em que Indira Gandhi governou o país com mão de ferro nos anos 70, é, alías, das mais apaixonadas. Fê-lo em nome da democracia, ou a custo da democracia? Fê-lo em nome da maioria, ou a custo da maioria? "Regenerou" ou "dilapidou" o património democrático indiano?

Confrontados com uma sociedade assente em pilares que negam toda e qualquer racionalidade de cunho moderno, há esta vontade de disciplinar o caos. O caos do tráfego rodoviário, mas também o caos das centenas de castas e subcastas, e o próprio caos cósmico hindu.

Quando começam a falhar os mecanismos tradicionais de ordenamento social (a religião, por exemplo), e quando se lhe junta o namoro com a doce opção da modernidade racional e formal (especialmente num campus universitário nehruviano), emergem alternativas radicais, como a proposta pelo nacional-socialismo.

Não é, portanto, a simples vontade de exterminar minorias ou homogenizar a sociedade que leva estes jovens a ler "A minha luta" com admiração. É mais do que isso: é a necessidade de procurarem métodos e fórmulas alternativas de reorganização da sua sociedade, ou civilização, afectada por uma turbulenta fase de transição. Não querem ser párias, escravos, órfãos ou mestiços. Querem continuar a ser "indianos".

2 comentários:

  1. Faz sentido...

    E isso, para eles (e para nós) seria procedentes ou um erro?

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  2. Não consigo deixar de me lembrar de uma coisa... uma das minhas professoras de Alemão considerava Mein Kampf como uma obra escrita num alemão básico, incorrecto até. Nunca li, mas fico sempre a interrogar-me se as traduções não andam a dar qualidade.

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