quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Nova frente de guerra (Expresso)

Expresso, Internacional, 15 de Julho de 2006

Índia na rota do terrorismo pan-islâmico

OS BREVES 11 minutos em que, na passada terça-feira, deflagraram oito bombas em sete comboios em Bombaim representaram a abertura de uma nova frente do terrorismo internacional: a Índia.

Acusada pelo Paquistão e grupos separatistas caxemires de manter parte da região de Jamu e Caxemira (de maioria muçulmana) sob ocupação militar desde 1947, a Índia não tinha porém sido vítima de um atentado terrorista de maior envergadura com a marca do extremismo pan-islâmico.

Mas tudo mudou nesta semana. As suspeitas recaíram de imediato sobre o Lashkar-e-Taiba (LeT), um grupo terrorista sediado na Caxemira paquistanesa, e sobre o Movimento dos Estudantes Islâmicos da Índia (SIMI) (ver caixa). Mas a natureza específica dos atentados de Bombaim trouxe à memória Madrid e Londres e parece ter o cunho da Al-Qaeda: durante a hora de ponta, num sistema ferroviário suburbano que transporta diariamente mais de seis milhões de pessoas e tudo de forma quase simultânea.

É essa a opinião defendida por B. Raman, ex-operacional dos Serviços de Informação Externa da Índia (RAW) e que dirigiu a sua divisão antiterrorista entre 1988 e 1994. «Tendo em conta o planeamento, a execução e a sofisticação dos atentados, é impossível ignorar a mão da Al-Qaeda», disse ao EXPRESSO. «Tudo parece indicar que os atentados foram planeados sob sua orientação e inspiração, enquanto o LeT e o SIMI ofereceram os militantes para a operação no terreno».

Para Raman, abre-se uma nova era na luta contra o terrorismo internacional: «Devido ao conflito na Caxemira, a Índia passou a ser um dos alvos da ‘jihad’ global. Estes atentados são só o começo».

Neste sentido, as referências à Índia nas mensagens da Al-Qaeda difundidas semanas depois da visita de George Bush a Nova Deli poderão ter servido de aviso. Osama bin Laden ameaçava então a «nova aliança entre cruzados, sionistas e hindus».

Expansão radical.

Embora seja o país com a maior minoria muçulmana no mundo (cerca de 150 milhões de pessoas), a Índia sempre sublinhou o facto de, até à data, nunca ter havido cidadãos seus nas listas de operacionais da Al-Qaeda. Mas os atentados de Bombaim indicam o contrário e espelham a crescente expansão do extremismo islâmico na sua própria sociedade.

Ainda segundo Raman, algumas franjas da minoria muçulmana têm vindo a radicalizar-se. «Desde os atentados em Nova Iorque, Madrid e Londres que os militantes paquistaneses da Al-Qaeda têm estado sob controlo constante dos serviços de segurança ocidentais. É por isso que os muçulmanos da Índia oferecem agora uma excelente base de recrutamento», afirmou.

Está ainda por contabilizar o número exacto de vítimas mortais (mais de 200, até agora). Mas a oposição dos nacionalistas hindus do Baharatiya Janata Party já acusou o Governo, liderado pelo Partido do Congresso, de criar um «ambiente propício à expansão e promoção do terrorismo no país inteiro». A oposição exige do primeiro-ministro uma «resposta firme», especialmente no plano externo, em relação ao Paquistão, cujos serviços secretos acusa de financiar e treinar os terroristas islâmicos.

Uma nova subida de tensão entre os dois rivais nucleares da Ásia do Sul não é, no entanto, do interesse de Nova Deli, que quer garantir a estabilidade interna e o crescimento económico.
Mas a mensagem telefónica de apoio que o primeiro-ministro Manmohan Singh recebeu, na quinta-feira, de George Bush, foi ouvida com grande agrado na capital, dado que a Índia acusa a comunidade internacional, há já vários anos, de ignorar o seu estatuto de «vítima do terrorismo».

Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli


Principais suspeitos

LASKAR-E-TOIBA
É o principal grupo suspeito, embora tenha recusado qualquer envolvimento logo no próprio dia dos atentados, considerando-os «desumanos». A Índia acusa a organização de ter executado a maioria dos atentados bombistas no seu país e de operar com o conhecimento e equipamento dos serviços secretos paquistaneses (ISI). Foi inicialmente activo no Afeganistão, onde contou com o apoio norte-americano na luta contra a ocupação soviética. Veio a estabelecer-se depois no Paquistão, com um quartel-general perto de Lahore, onde Osama bin Laden era, até recentemente, presença frequente. Nos últimos anos, tem procurado internacionalizar-se, em estreita colaboração com a Al-Qaeda. Opera dezenas de campos de treino na Caxemira paquistanesa e movimenta-se facilmente na parte indiana.

MOVIMENTO DOS ESTUDANTES ISLÂMICOS DA ÍNDIA
Com várias centenas de militantes, é o principal grupo extremista islâmico fora da Caxemira. Tem a sua base principal de apoio no Estado do Utar Pradexe, no norte, onde tem estado envolvido em diversos atentados a comboios. Desde que foi interdito pelo Supremo Tribunal de Nova Deli, em 2001, expandiu a sua base de apoio para sul, especialmente para o Estado de Maharastra (de que Bombaim é capital) e para o Estado do Qerala. Alguns dos seus operacionais foram treinados em campos do grupo terrorista Harkat-ul-Jihad-i-Islami (igualmente próximo da Al-Qaeda), implicado na série de 400 atentados bombistas que assolaram o Bangladesh em Agosto de 2005.

REDES CRIMINOSAS
Com 16 milhões de habitantes e diversas minorias étnicas e religiosas (principalmente muçulmana), Bombaim alberga poderosas redes criminosas de tráfego de armas, estupefacientes e pessoas, que mantêm relações estreitas com os poderes políticos. Algumas, de orientação religiosa, servem de bases de apoio aos terroristas caxemires e estiveram alegadamente implicadas nos violentos atentados bombistas de 1993, pelos quais Abu Salem (extraditado de Portugal em 2005) é agora acusado. Uma das maiores redes era então liderada por Dawood Ibrahim, o criminoso mais procurado da Índia, actualmente refugiado no vizinho Paquistão.

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