terça-feira, 23 de novembro de 2004

Talvez escreva sobre isso (ou No banco de trás)

Estavam lá muitos, talvez uns 5000. Camelos. Turistas eram mais. Foi um fim-de-semana bem passado, mas um tanto cansativo. Subi a duas montanhas em tempo recorde. Lá em cima um pequeno templo e dois padres rodeados de macacos. Há um macaco que procura piolhos entre os brancos pêlos de peito do padre. Talvez com sucesso.

Camelos são interessantes e exóticos, mas desde que em 2002 cavalguei durante dois dias pelo deserto Thar na Índia e fiquei com o rabo esfolado que desconfio do conceito "Wüstenschiff" (navio do deserto). E são feios e podem morder. Mas havia lá mesmo muitos, espalhados pelas dunas, de várias cores e tamanhos e decorados para turista ver. Que giro.

Gostei de ver cavalos. Acho que os cavalos ficam melhor na Índia. Os camelos são animais parvos e presunçosos e têm mais a ver com o deserto por excelência, lá para o Médio Oriente e as Arábias. Aqui na Índia o cavalo faz mais sentido. Porque a Índia esteve por vários séculos sob domínio mogul, dinastias persas e turqumenos e demais povos da estepe da Ásia Central. É o cavalo muçulmanos e árabe que na arte sacra e militar indiana aparece oposto ao elefante hindu e indiano indígena. O camelo no meio dos dois fica ridículo. Os cavalos que vi, na feira paralela à dos camelos, eram lindos. Verdadeiros animais.

Portanto, excluindo a eventual necessidade de os habitantes do Rajastão precisarem mesmo dos camelos para sobreviver no dia-a-dia (remota, mas pertinente porque vi uns camelos arrastar carroças atrás e dizem que as camelas dão leite), acho que é tudo uma manobra do Department of Tourism, Government of India, para atrair aqueles grupos de turistas brancos de chinelo e meia branca, perdida por um segundo, logo reconfortada quando vê a bandeirinha suiça do guia destoar da multidão um pouco mais à frente.

Mas no fundo também há um lago que é bastante importante na mitologia hindu. Pushkar came into existance when Lord Brahma, the Creator, dropped his lotus flower (pushpa) to earth from his hand (kar) to kill a demon. At the three spots where the petals landed, water magically appeared in the midst of the desert to form three small blue lakes, and it was on the banks of the largest of these that Brahma subsequently convened a gathering of some 900 000 celestial beings – the entire Hindu pantheon. Supostamente há 500 templos à volta. Só vi uns 10 ou 15. O lago propriamente dito é sujo e tem peixes muito grandes lá dentro. Vi umas pessoas a banharem-se e vi muitos estrangeiros.

Acho aliás que começa a deixar de fazer sentido este texto. O que mais me impressionou não foi o misticismo mitológico nem a cambada de camelos. Foi a estranguladora estrangeirada esgueirante a cada esquina. Passei longas horas bebericando um sumo de manga e observando as multidões. Talvez escreva sobre isso.

PS: Na volta testemunhei a mais louca viagem de carro de sempre (menos aquela em que me apontaram uma pistola à testa, em Goa). Os 400 quilómetros foram diabólicos (mais de 9 horas), com a morte a espreitar a cada cem metros. Estradas, pó, caminhos, auto-estradas, rochas, florestas, ribeiras, ruelas. Camiões à frente, ao lado e atrás. Trânsito de uma hora para entrar em Deli às três da manhã. Os franceses histéricos (todos sem carta de condução) aos berros mandões e arrogantes com o humilde e experiente condutor indiano. E eu, claustrofobicamente enlausurado no meu cantinho do banco de trás do jeep diplomático, a jurar que nunca me iria voltar a dar com europeus. Talvez escreva sobre isso.

2 comentários:

  1. Isto de post comments é como o chocolate. Agora ñao quero mais nada!
    Comentário:"Ai os Europeus, que praga!"
    Desde o deserto aragonês, escreve o teu amigo chinês:
    Chau Soy Topai

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  2. Olá!
    Estava a lembrar-me de outra viagem mirabolante: autocarro até Udaipur durante a noite. Ah, mas nessa estavas a roncar que nem um porco. É pena, porque perdeste a música em volume máximo (para manter o condutor desperto) e o cheiro dos pés dos militares de origem tibetana que de vez em quando gritavam 'Ai!' - sempre que os solavancos na estrada os faziam saltar nos bancos mais de 20cm. E por favor nem fales em rabo esfolado a andar de camelo: quer-me parecer que não tens bem consciência do que isso é... :)
    Um abraço.

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