Ontem foi feriado na Índia. É o Divali, uma celebração hindu vulgarmente conhecido como festival das luzes. Comemora-se a mitológica vitória do deus Hanuman (deus-macaco) que com a ajuda de Kali (a deusa da morte, encarnação de Durga, deusa-mãe) e um vasto exército de símios desceu para Sul e, supostamente na ilha de Ceilão, derrotou Ravan, o deus-demónio.
Por toda a Índia o festival tem características diferentes. Mas não vou embarcar numa descrição monográfica ocidental desta comemoração, faz mais sentido inserirem "diwali" no google.com
A tal Flora, a filha de diplomata francês que já esteve em mais países do que o Papa, convidou-me a mim, ao Chacate e ao JB (Jean-Baptiste) para passarmos a festividade em conjunto com uma família amiga dela (é curioso como aos 22 anos já podemos ter "famílias amigas"). Ele era diplomata francês, e francês, e ela era diplomata francesa, e indiana. Receberam-nos à porta da luxuosa casa no luxuoso bairro com um grande sorriso e um bienvenus que não me convenceu.
O interior da casa é tal como o imaginam, casa de diplomatas, com peças museológicas de alto valor de todos os continentes, de todas as principais civilizações e com a óbvia preocupação de um correcto equilíbrio entre o histórico vaso inca e o contemporâneo quadro russo.
As crianças brancas correm pela casa, agitadas e deslocadas. Duas empregadas indianas – muito escuras – tiram-nos os casacos e desaparecem na clara cozinha. E começa o martírio das introduções, explicações, conversações, diplomacias, acrobacias no imenso vácuo indiano – e eles não se apercebem da futilidade.
O Divali é a festa das luzes porque se celebra a vitória do divino sobre o demoníaco, a vitória do Bem sobre o Mal, o rachar silencioso da escuridão perante o penetrante brilho da luz. Oferecem-se presentes, assim como no nosso Natal, mas em especial doces e a Índia é um universo de doçuras e açucares. Nas lojas os indianos empurram-se para chegar ao balcão antes que os vastos tabuleiros com guloseimas sejam engolidos pelos milhões de estômagos famintos ou saturados.
Assim pelas nove uma das branquinhas interrompe a conversa que estou a gerir com um chefe de departamento para o desenvolvimento da EU na Índia e pega-me na mão: come and see the firecrackers.
Para afugentar os demónios não só se iluminam as casas, as ruas e os corredores - velas por todo o lado - como tem lugar um fogo de artifício e um festival de foguetes. Quanto mais ruidosos e luminosos melhor. Nas semanas antes vendem-se foguetes por todo o lado. Pequenos, médios, grandes e gigantes, dependendo da capacidade de compra.
Saio para a rua. Estalos, bombas, canhões, fumo. Um amigo iraniano contou-me que há uns anos chegou à Índia por esta altura e que ficou fechado em casa por três dias, porque achava que tinha começado uma guerra civil.
Cada metro quadrado é ocupado por um mestre artilheiro, de meninos com 3 anos até velhos com 78, todos com fósforo ou vela na mão a iniciar uma variedade de utensílios pirotécnicos. Como o bairro é rico, há uma rivalidade novo-rica.
Qual passagem de ano na Praça do Comércio ou Parque das Nações. Num caos envolto de espessa neblina que em segundos invade a cidade rebenta um festival pirotécnico ensurdecedor, foguetes que sobem várias dezenas de metros capazes de abater o mais avançado jacto norte-americano. Milhões de foguetes e bombinhas em poucos segundos. Há bandas que passeiam pelas ruas e que preenchem os poucos segundos de intervalos de silêncio com os ritmos que ecoam dos seus largos tambores.
Se ainda havia demónios em Deli ontem à noite, eles a esta hora devem estar lá para o Paquistão.
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