domingo, 7 de novembro de 2004

Eleições

E achava eu que a minha experiência eleitoral para a Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Socias e Humanas da Universidade Nova de Lisboa em Portugal tinha sido o testemunho mais agudo da agitada vida política. Enganei-me.

Nos últimos dias testemunhei a vida política por excelência, a agitação eleitoral, o empenhamento e a violência que tomaram conta do campus da JNU para as elieções anuais para a Students Union. Cada estudante tem o direito de votar para cinco delegados na sua faculdade e expressar quatro votos para o que é a Direcção da Students Union propriamente dito, o central panel, como o chamam aqui.

Já devem ter ficado com a impressão que a universidade é altamente politizada. Classicamente foi sempre um bastião da esquerda e das correntes socialistas. Diz-se que a participação indiana no movimento dos não-alinhados teve início aqui, na minha School of International Studies. Ainda hoje, aquando de qualquer evento internacional, é para aqui que vêm os jornalistas entrevistar. É daqui que saem aqueles que detêm a chave para a capacidade nuclear indiana, que lideram os serviços secretos e toda a panóplia estratégica que orienta o Estado. Há muitos que escrevem nos jornais diários que recebo aqui em casa. O ideólogo da insurreição maoísta no Nepal tirou o doutoramento na minha faculdade e foi colega do meu professor de Indian Political System.

Portanto, imaginem a agitação quando há eleições e todos os movimentos concorrem para os diversos postos. Embora em Portugal haja uma partidarização do movimento estudantil, aqui isso é ainda mais óbvio, havendo partidos estudantis, informalmente ou formalmente ligados a partidos políticos indianos ou correntes ideológicas nacionais. Dois dias antes da eleição há o "presidential debate" em que à frente de uma multidão de centenas de pessoas (senão milhares) os candidatos trocam ideias e insultos até de manhã cedo. Ninguém arreda pé.

Todos os movimentos têm apuradas máquinas de campanha eleitoral. Mas, curiosamente, na tradição esquerdista do campus só são permitidos cartazes eleitorais pintados à mão, o que dá uma beleza colorida acrescida ao campus. Panfletos podem ser em formato impresso e são massivamente distribuídos por centenas de "campaign workers" 24 horas sobre 24 horas. Sucedem-se os comícios por todo o campus que afinal é do tamanho de uma pequena cidade. Sucedem-se também os rumores, estratégias eleitorais, alianças, desistências, independentes misteriosos, tudo o que caracteriza qualquer eleição política por excelência.

Não me vou alongar em testemunhos. Basta talvez referir que estavam à volta da minha faculdade 4 carros de exterior de televisões nacionais a cobrir em directos tudo ligado às eleições. Para além disso várias câmaras móveis e jornalistas iam interagindo com estudantes, professores etc. Eu mesmo fui entrevistado duas vezes. Todos os jornais nacionais dedicaram aos resultados um grande espaço na primeira página. Diz-se que os resultados na JNU servem para perceber as tendências a nível nacional. Houve confrontos entre dois movimentos rivais que fizeram um ferido grave (hospitalizado por algumas semanas) e vários feridos ligeiros (escoriações etc.). Uma das mesas eleitorais foi encerrada à força por estudantes que acusaram a comissão eleitoral de fraude. Estiveram a impedir confrontos e a patrulhar o campus várias dezenas de polícias com diversas viaturas de choque. A entrada na universidade chegou a estar encerrada aquando dos confrontos mais graves.

Depois, para a contagem dos resultados, ao ar livre, abrem-se várias esplanadas ao ar livre que servem comida quente e o tradicional chá. Lado a lado, muitas vezes as feridas ainda por sarar, os movimentos vão rivalizando, cantando, dançando, gritando slogans, agitando bandeiras, numa competição ferrenha, mas aqui pelo menos pacífica. Há tendas montadas para os activistas e estudantes pacientes dormirem. No topo das escadarias vão aparecendo candidatos, activistas, anónimos que, levantando a voz, atraem a atenção da massa e iniciam longos discursos políticos. Uns são apupados depois de poucos minutos e forçados a fugir. Outros, geralmente independentes, são ouvidos com atenção. Há também um maluco, dos seus 45 anos e ex-aluno, que faz o discurso mais surreal que alguma vez ouvi na minha vida, num tom poético, misturando inglês e hindi, declara as eleições inválidas, exige a presença do reitor, proclama a fundação do seu movimento New School of Radicalism & Renaissance arranca gargalhadas, aplausos, palavras de ordem em apoio.

Os resultados? No meio da controvérsia, foram só proclamados quase 48 horas depois do fecho das urnas. Com pesada escolta policial, todos os movimentos precipitaram-se a fazer grandes cortejos com centenas de participantes, gritando palavras de ordem e reivindicando vitória, embora haja vencedores e derrotados, como em todas as eleições. Afinal, estamos na Índia. O jovem estudante indiano que trabalhou durante uns anos no sector informático no Japão e preparou belos e informativos gráficos de análise eleitoral, distinguindo os vencedores dos derrotados, por menos clara que a distinção em alguns casos seja, foi ignorado na caótica sala da comissão eleitoral e ridicularizado (para além de atropelado) pela turba lá fora. Há pouco espaço para a modernidade, ainda, aqui no campus.

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