Uma das minhas experiências mais interessantes no campus da universidade foi descobrir a biblioteca. A JNU library, de fora, parece um grande mealheiro, talvez guardando saberes que ainda não encontrei. É um edifício todo em pedra de tijolo e muito alto, e situado no ponto mais alto de todo o terreno universitário, ali a observar tudo à volta, o saber omnipresente, lembrando-nos da sua existência e da necessidade de ser conhecido.
São mais de sete andares, ligados por um elevador que treme bastante e um dia destes deixará de funcionar ou talvez irá sofrer um acidente e morrerão algumas pessoas. Mas voltemos a entrar. A entrada do edifício, como em toda a Índia e acho que nos Estados Unidos também, tem uns degraus que nos lembram que estamos subir para um templo, a elevar-nos para um local sagrado. Mas parece que este ano se lembraram dos estudantes deficientes (há muitos, crápulas, rastejam pelo chão porque muitas vezes não têm dinheiro para uma cadeira de rodas). Porque há uma pequena rampa de acesso.
Antes de se entrar, duas barragens. A primeira obriga-nos a deixar as nossas malas e objectos volumosos. Mas, em vez de nos darem uma ficha em troca, há só uma mulher – sempre a mesma – sentada numa cadeirinha, a observar tudo e todos. O problema é que parece que está em transe, olha para o vazio, no seu colete azul, e nunca abre a boca. Não recebe malas, não as devolve – são as pessoas que as põem nos cubículos do armário em madeira e as retiram à saída. Simplesmente, ela olha para um lugar incerto. Nunca foi roubado nada. Nunca ninguém levou uma mala que não lhe pertencia.
A segunda barragem é composta por dois velhinhos sentados numa escrivaninha de madeira a apodrecer. Estes, ao contrário da mulher, estão sempre a conversar um com o outro, a escrever alguma coisa num caderno poeirento ou a beber chá. É proibido entrar com livros, mesmo que de propriedade pessoal. Eles supostamente controlam isso. Nunca olham, nunca perguntam, nunca mandam ninguém parar. Mas no primeiro dia em que com a minha esperteza saloia pensei poder enganar os supranaturais e milenares poderes indianos, fui apanhado. O meu livro, fino e ensanduichado por entre dois cadernos, foi prontamente identificado e mandaram-me parar.
Lá dentro, basicamente, é tudo igual a todas as outras bibliotecas universitárias do mundo. Alguns computadores para pesquisa – para as partes da biblioteca já informatizadas. Uma sala com revistas, jornais, publicações periódicas nacionais e internacionais. Várias salas de leituras, as mais tradicionais com ventoinhas e bancos e cadeiras em madeira dura, e as mais modernas com um ar-condicionado ensurdecedor e que gela até a alma estudiosa mais fervorosa. Nesta sala, a maioria dos estudantes – a qualquer hora do dia – dorme. Com a cabeça apoiada nos livros supostamente abertos para leitura, descansam. O que já me levou a teorizar sobre a possibilidade de no sistema de ar condicionado haver um produto sonífero. É bem possível.
Nessa sala está também um colega meu de turma. Sempre. A qualquer dia da semana, a a qualquer hora do dia, vejo-o sempre sentado no mesmo local, rodeado de livros, na mesma posição, lendo. Chama-se Khivraj e vem do Rajastão. Tem óculos de armadura dourada e identifiquei-o imediatamente como o marrão clássico de qualquer filme de categoria B de Hollywood. Descobri no entanto, recentemente, que ele até é capaz de dizer umas coisas interessantes. Talvez eu deva repensar a minha estratégia de categorizar as pessoas a priori – e dar-lhes uma hipótese. Mas isso é tão cansativo.
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