quarta-feira, 8 de setembro de 2004

Nada funciona

É claro que há diversas explicações para tal, mas a realidade é que nada funciona neste país. Ou, pelo menos, é essa a minha impressão, partilhada por muitos outros estrangeiros. Lembro-me de lançar um riso sarcástico quando a Flora me contou que a mãe dela não trabalha porque está sempre ocupada a tentar arranjar e consertar alguma coisa ou a tratar de papelada. Compreendo-a agora perfeitamente.

A minha nova bicicleta, por exemplo. O Emeric, colega francês, e eu, comprámos duas bicicletas de montanha novinhas em folha. Negociamos, pagamos e partimos. Menos de 200 metros depois, com um intervalo de poucos segundos, saltaram as correntes das duas bicicletas. Depois de três dias, o primeiro furo. Ou melhor, quatro, tendo em conta os remendos que me fizeram na câmara de ar.

Assinei um contrato com uma operadora de telemóveis, Idea. Enviaram uma pessoa para verificar se eu morava mesmo onde moro. Ligaram-me 3 vezes a confirmar o meu endereço postal para enviarem a factura no fim do mês. E eu já adivinhava o que viria a acontecer, porque a factura nunca chegou e vou fui forçado a correr hoje para a loja, pagar o devido, porque a partir de amanhã seria aplicada uma "late payment tax".

Abrir uma conta via ICCR, a instituição cultural do Governo Indiano que gere a minha bolsa. Preenchi os formulários todos e prometeram-me que iriam enviar o cartão de débito e mais impressos por correio num prazo de poucos dias. Ainda não chegaram, nem nunca chegarão. You have to come personally, it seems there was a problem with your address. Come here on Wednesday. E o local para onde me encomendam fica a meia hora de táxi, e vou ter que faltar a aulas.

Uma das razões directas é a falta de precisão e rigor. Não há endereços postais exactos, por exemplo. Na teoria existem, mas são deturpados com a imprecisão de landmarks, opposite to, next to, near, behind ou after. O que mina desde já o rigor. Em vez de concentrar a informação e a precisar e apurar, na Índia prefere-se uma amálgama solta de dados vagos e meramente indicativos, na esperança que a imperfeição do particular seja superada pela hipotética perfeição mediana do conjunto. O que tem as suas vantagens no plano sociológico e filosófico, de que falarei um outro dia.

Claro que há causas mais gerais, como o enorme volume populacional que leva as estruturas mais apuradas do Ocidente a falharem miseravelmente perante a força do número. O clima também contribui para o imperfeito funcionamento dos aparelhos eléctricos e da maioria da tecnologia. É sabido que carros com fecho centralizado eléctrico e janelas automáticas são evitados na Índia, pelo simples facto que deixam de funcionar com as primeiras húmidas chuvas de monção. O subdesenvolvimento indiano e a consequente fraca qualidade dos produtos é obviamente outra razão. Nada resiste.

Mas, perante utilizadores que batem ao ritmo de segundo na tecla ENTER do PC quando este está a iniciar, duvido que haja tecnologia que resista. Cheguei a assistir a um episódio onde um cibernauta visivelmente desconhecia que as páginas na Internet demoram alguns segundos a abrir.

Assim, carregava em média 5 a 10 vezes em cada link, reforçando o processo com mais dez batidelas no ENTER. Para além das centenas de janelas que abriu em poucos minutos, a consequência foi obviamente a quebra do processador. Pacientemente, esperou, reiniciou, e continuou com a mesma estratégia. Reiniciou o computador por três vezes, até um amigo meu intervir. Nada resiste, nem nada funciona.

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