Suhail. É o meu bom amigo, com o qual fiquei no ano passado no quarto, bem como desta vez, na minha primeira semana à procura de casa. È de Kerala, Sul da Índia, fala mal inglês, tem um nariz grande, cabelo e barba aparada, está a tirar o doutoramento em Arabic literature. Descobri que tem 30 anos. É a pessoa mais amável e dedicada que jamais conheci. Não acredito que possa fazer mal a uma mosca.
Mas ontem de manhã, num intervalo de aulas, a Flora, a tal filha de diplomata francês, contou-me que aceitou a boleia de mota dele, depois de virmos de uma festa, de madrugada.
(chegam de mota, ela desce sem o tocar e por isso quase que cai)
So, here we are .
Yes, thank you for bringing me. See you tomorrow.
No problem, it was a pleasure for me.
Ok, thank you.
I would like to learn French.
Oh, nice.
Can you teach me?
Yes, perhaps, but I think Emeric is better, because you can teach him Hindi in exchange.
No, I want you.
(silêncio)
I will take you into your house.
Oh, no …My mother is inside sleeping.
We should go travelling one day.
Yes, we can talk to the others.
No, only you and me. What do you think?
I don't know, my parents will not allow me.
Or we can go, now, to a bar or club, or my room. Let's go.
No, thank you. Bye bye. (afasta-se e atinge a salvadora porta de casa)
A situação descrita assim até pode parecer engraçadas e cómica. Mas isto passa-se às três da manhã numa rua deserta no Sul de Deli. Uma amiga da Flora, sueca, foi quase violada por um taxista ainda há poucas semanas. Claro que é um caso extremo, mas as raparigas e mulheres de pele branca, e as mulheres em geral, diga-se, têm uma vida extremamente complicada na Índia. São confrontadas com uma constante intromissão na sua esfera privada e com assédios repetitivos.
Quando fomos com a Camille, outra francesa branca, para o mercado de Old Delhi, ela queixava-se de cinco em cinco minutos de subtis e "acidentais" encontrões e apalpões e fomos forçados a partir. As minhas colegas de turma, mesmo as mais liberais, só atendem números que conhecem.
A Flora queixou-se a mim, sendo eu amigo dele. Eu disse que não conseguia acreditar, mas também não podia negar. Pensei como deveria agir, mas o próprio Suhail veio logo a minha casa nessa noite, estava eu a jantar. Não poderia imaginar cara mais envergonhada e submissa. A barbinha muçulmana e o nariz em forma de batata despontavam confusamente.
Depois de longos minutos desagradáveis de conversa geral, lá desembuchou e balbuciou desculpa depois de desculpa, I was just trying to be nice, I should have known this would create problems, you are my friend and she being your friend I only wanted to be nice to her. Don't think I am bad. I'm sorry. E eu sei que sim, que tudo não passou de um microchoque cultural entre a complexa sexualidade indiana na confusa cabeça de um solitário Suhail que nunca beijou uma mulher e a ofuscante pele branca feminina, tão apetecível, tão vulnerável.
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