sexta-feira, 24 de setembro de 2004

Cartilha do Estudante

Acabo de chegar da universidade, são 1:32 da manhã. Fui a uma conferência sobre Indo-Naga Peace Talks, sobre o separatismo de um estado do Northeast indiano, Nagaland, uma região maioritariamente tribal que há mais de sete décadas luta pela auto-determinação.

A conferência realizou-se numa cantina das residências. Uma mesa principal com um moderador e dois oradores e muitos bancos alinhados com dezenas de estudantes atentos. O debate reduzido à essência, sem microfones, powerpoints, gravatas e coffee-breaks.

Falou uma das mais conhecidas e temidas advogadas indianas, defensora dos direitos humanos, Nandita Haksar. É filha de um dos mais poderosos e influentes políticos indanos, de igual apelido, que aconselhou Indira Gandhi no Governo, nos anos 70. Foi ela que defendeu com sucesso o caso do professor universitário cachemire, Geelani, que foi condenado à morte por suposta cooperação nos atentados terroristas ao Parlamento indiano em 2001 e posteriormente ilibado pelo High Court de Nova Deli. Defendeu igualmente um civil que foi acusado de tentar desviar um avião para a Tailândia, supostamente com apoio dos separatistas Nagas.

Tem uma casa em Goa, onde mora desde 1996. Como tenho dois amigos cachemires, estudantes na JNU, tive o privilégio de a conhecer pessoalmente na semana passada. Deu-nos boleia e conversei longamente com ela. É certamente a melhor oradora e a mais corajosa mulher que encontrei até agora na Índia e talvez na minha vida. Recebe repetidos insultos por carta e foi ameaçada de morte repetidas vezes. Não conhece tabus, fala daqueles temas que mais são temidos, espeta o dedo nas feridas escondidas.

Quando ia no carro dela os nossos telefones estavam sob escuta. Foi por isso que ela gentilmente recusou a minha ingénua oferta quando pediu um telemóvel para contactar alguém. Agora já aprendi a ter mais cuidado, isto não é um moderado país à beira-mar plantado. A minha avidez em conhecer e comunicar tem que se manter dentro de certos limites. Afinal, sou um hóspede que se deve mostrar agradecido e não olhar para dentro dos quartos intímos.

Depois do encontro desta noite consegui aproximar-me dela e cumprimentá-la. Depois rumei com alguns colegas para uma das muitas esplanadas no campus que estão abertas até de madrugada. Era meia-noite e comecei a jantar. Iniciou-se uma discussão sobre terrorismo, com especial ênfase no conflito israelo-árabe. Participantes: eu, a comer, um colega cachemire e dois colegas nepaleses. Fruto da discussão nasceu a iniciativa de nos encontrarmos em tertúlia, de noite, no campus, uma vez por semana, para usar das nossas capacidades retóricas e abusar das nossas ideias e ideais.

Sinto-me mais próximo do meu ideal de estudante que tão avidamente defendia na UNL, na Avenida de Berna, sob o ridicularizado e enxovalhado conceito de Cartilha do Estudante Tinaka. Aqui encontro espaço.

1 comentário:

  1. Ich platze vor Stolz und Bewunderung und weiss nicht, wem ich es mitteilen soll. Die einen sprechen kein Portugiesisch, die anderen koennten denken es als Angeberei betrachten. Uff! Eti

    ResponderEliminar