sábado, 6 de maio de 2006

O sonho indiano (e eu) em perigo

43ºC, nada mais, nada menos. Deli está em brasa. Mas os jornais anunciam-me, sem vergonha no papel, “but there are no signs yet of a heatwave” e eu pergunto-me se li mal, se eles escreveram mal, ou se eu simplesmente me esqueci que estou no planalto indostânico.

Pó. Tanto pó. Tempestades de pó. Um mosquito suga-me sangue nas costas, vou lá coçar com a mão direita, os dedos voltam escuros e poeirentos. Acordo de manhã. Tudo coberto de pó. Infecções nos olhos é coisa normal. Pele a cair dos dedos e da cara habitual.

O pior: os cortes de energia. Mesmo aqui, no sul de Deli da aí muito conhecida classe média indiana. Na capital do país. Há dias em que a luz falta quinze, vinte vezes. A única maneira de fazer face aos graus centígrados nessa altura é ficar sentado por debaixo do chuveiro – caso haja água, é claro.

A nova medida governamental, anunciada hoje de manhã, é peremptória: todos os centros comerciais passam a fechar mais cedo, às sete e meia, os edifícios públicos deixam de utilizar o ar-condicionado às seis e meia, os parques industriais são obrigados a cancelarem o seu terceiro turno, das seis à meia-noite. E um apelo para que os delienses consumam energia com “sensibilidade”, tendo em conta a escassez energética.

É normal. As águas dos rios dos Himalaias, reforçados pelo contínuo degelo dos glaciares, enfrentam pequenas e antigas barragens, sem capacidade de geração adequada ao explosivo consumo subcontinental. A infraestrutura é antiga e sobrecarregada. E milhões nas cidades consomem ilegalmente ou simplesmente não pagam as contas.

O que me deixa preocupado, mais do que a extensa lista de exames e trabalhos por enfrentar até partir, a caminho das férias em Lisboa, é o sonho indiano. Sem energia, não há poder. Sem poder, não há sonho indiano. E sem sonho indiano, deixa de haver Índia.

4 comentários:

  1. Muito bom este post.
    É pena vires todo infectado, vou ter q avisar as autoridades sanitárias da tua chegada à Portela.
    Ainda bem que vens para cá no Verão,para suprir essa falta de água que aí há - Aqui na Pátria-mãe temos água a barrotes, gastamos o que queremos e nunca nos pedem para poupar. É o sonho português. Viva o Alqueva

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  2. Tem que ser o nuclear a resolver o problema de energia di Índia...ou não?

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  3. Tem que ser o nuclear, sim. Mas até agora o sector está sub-desenvolvido, contribui só em cerca de 2% para o mercado energético indiano. Mas vai ser o nuclear, sim.

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  4. Tino...

    Para além das muito interessantes observações políticas, deleito-me com estas descrições que fazes do dia-a-dia indiano...

    Acabei há 2 dias de ler um livro sobre as consequências do tsunami no Sri Lanka e, no meio da "morbidez" natural deste tipo de descrições, consegui vislumbrar um país e um povo maravilhosos. Lembrei-me muitas vezes de ti e de Goa. A presença dos Portugueses no Sri Lanka, como (suponho) em Goa, passados todos estes séculos, continua ainda a ser recordada. Há uma parte de NÓS que ainda lá está...

    Ah... E vou às Maldivas (em Lua de Mel) em Setembro...

    Mas antes espero encontrar-te por cá. Tenho saudades tuas.

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