Foi recorrente: várias vezes ao dia, enquanto deambulava pelas ruas de Katmandu, bebia umas cervejas e conversava com jovens, enquanto lia os jornais do dia ou entrevistava pessoas de vários quadrantes, via-me sempre apoderado por um déja vu. Tudo em Katmandu aponta para o que testemunhei há uns cinco ou seis anos atrás na Europa de Leste, especialmente em Belgrado e em Sófia, menos em Bucareste. Países em profunda transição, vivendo uma primavera política, envoltos de incertezas mas de grande activismo político.
Em Katmandu respira-se política, as pessoas coladas aos rádios e às televisões, as edições dos jornais esgotados em segundos, os sucessivos protestos e confrontos, o papel central dos jovens e estudantes. O Nepal, acima de tudo, vive um profundo momento de ruptura, de transição geracional. Os jovens que lideraram o movimento democrático das semanas passadas, as dezenas de vítimas mortais e várias centenas de feridos, são os jovens que testemunharam - ainda adolescentes e passivos - em 1990 o primeiro movimento democrático do país que culminou na monarquia constitucional que agora está por sua vez em crise perante as reivindicações republicanas.
Os jovens que engrossam o movimento actual são também a primeira geração que cresceu numa economia liberal e que foi exposta a valores exteriores - especialmente indianos e ocidentais, por via da televisão e da Internet. Vêm por isso pôr em causa o cerne da questão, o fundamento de toda a ideia do Nepal: o seu isolamento, o seu estatuto periférico, a sua marginalização e a sua condição ensanduíchada entre dois gigantes. Estes jovens vieram forçar novos horizontes e merecem por isso toda a atençao e apoio - especialmente tendo em conta que os maoístas espreitam ansiosamente o poder dos seus bastiões rurais e sub-desenvolvidos e dos seus bastiões ideológicos e anacrónicos.
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