Expresso, edição 1746, Internacional, 14 de Abril de 2006
Nepal: Confrontos ameaçam a frágil democracia
O tímido apoio popular à oposição democrática tem permitido evitar uma ruptura política definitiva no Nepal, apesar dos violentos confrontos desta semana
ESTA semana, violentos confrontos entre manifestantes pró-democracia e forças policiais e militares provocaram várias vítimas mortais e centenas de feridos na capital do Nepal, Katmandu. O recolher obrigatório foi violado por milhares de manifestantes, e centenas de políticos, jornalistas e activistas foram detidos. Os confrontos põem em causa a viabilidade da frágil democracia nepalesa, em vigor desde o fim oficial do absolutismo real, em 1990.
Há pouco mais de um ano, o soberano nepalês, Gyanendra, declarava o estado de emergência, demitia o Governo e acumulava, de forma absolutista, as funções de chefe de Estado e de Executivo. Declarou então que o fazia em nome da «paz, democracia e segurança» do seu pequeno reino hindu de 26 milhões de habitantes.
Mas as promessas reais esfumaram-se ao longo de 14 meses e o país submergiu numa profunda instabilidade, chegando a guerrilha armada maoísta (que controla quase dois terços do território) a cercar Katmandu.
Um dos partidos que se opõem ao monarca já reivindicou a instauração de uma nova República e os maoístas há muito que vêem a família real como símbolo de «despotismo e feudalismo medieval». Gyanendra tomou posse em 2001, depois de o príncipe e pretendente ao trono, Dipendra, se ter suicidado, após ter assassinado os seus pais monarcas.
O que, no entanto, parece ter adiado até agora uma ruptura maior é o tímido apoio popular à oposição democrática. Segundo uma sondagem recente, os nepaleses repartem as culpas pela crise actual de forma igual entre o rei, os maoístas e os partidos. Os receios que o fim abrupto da monarquia afunde o país no caos político e militar também contribuem para a reserva da opinião pública.
Mas para Jhalanath Khanal, ex-ministro pelo Partido Comunista do Nepal (CPN-UML), as manifestações desta semana espelham uma mudança. «Pela primeira vez, centenas de milhares de pessoas estão na rua. O rei não poderá resistir a esta oposição popular», afirmou ao EXPRESSO o deputado da segunda maior formação no Parlamento que Gyanendra dissolveu em 2002.
Acordo histórico.
Procurando estabelecer uma alternativa credível de governo, os sete principais partidos e os maoístas assinaram, em Novembro passado, um acordo histórico em que exigem um governo interino e eleições para uma nova Assembleia Constituinte. «Os maoístas saberão e deverão fazer parte desta transformação pacífica», diz Khanal, lembrando que os seus líderes se comprometeram com uma democracia multipartidária.
Também Narayan Wagle, editor do jornal «Kantipur Daily», defende uma nova Constituição e avisa que «se este processo democrático falhar, o Nepal sucumbirá à guerra civil». Wagle defende «sanções internacionais», para isolar Gyanendra, e que sejam «repostos os direitos cívicos elementares». A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras estima que, em 2005, metade dos casos de censura registados no mundo inteiro tenha tido lugar no Nepal.
Contudo, a comunidade internacional tem-se mostrado reticente em apoiar as aspirações dos partidos. Os Estados Unidos têm criticado os «métodos autocráticos», mas apelam ao diálogo e à continuação da monarquia constitucional. Já a vizinha Índia receia o impacto da crise no seu território, onde vivem milhões de emigrantes nepaleses e operam grupos armados aliados dos maoístas.
O Nepal é um dos países mais pobres do mundo, dependendo 80% da sua população da agricultura. Calcula-se que o conflito entre a insurreição maoísta e o Exército provocou, desde 1996, cerca de 13 mil mortos e mais de 100 mil refugiados internos.
Constantino Xavier, correspondente em Nova Deli
Sem comentários:
Enviar um comentário