Decidimo-nos por um alojamento logo na rua principal, num pequeno restaurante chamado Mentokling que no piso inferior tem uns quartos limpos com casa de banho privativa e água quente. Estamos com o chinês e tentamos negociar. O dono, visivelmente tibetano, parece não estar a gostar muito das pancadinhas amigáveis nas costas do sino sorridente. "Come on, why not 150 Rupees? No difference for you, 50 Rupees. We are students, great difference for us". Talvez por se lembrar da caneta vermelha de que tinha sido alvo há poucas horas e talvez por se lembrar que não é por acaso que o Dalai Lama está exilado na Índia, o chinês interrompe o contacto físico, mas não deixa de insistir.
Quando começa a encerrar os quartos que nos tinham sido dados a ver como amostra, cedemos. E vale a pena. O nosso quarto está virado para sul, para o enorme vale verde que sustenta 5000 metros cobertos de rocha e neve. De dois lados abrem-se grandes janelas com generosas vistas. Há água quente para tomar banho.
Subimos ao fim da tarde para jantar, quando começa a escurecer. O restaurante não é mais do que a sala de estar da numerosa família do dono. Os filhotes correm por entre as cadeiras. Entram aldeões, bebem um chá quente e conversam. Logo por detrás das mesas, há um espaço mais quente, com fogão a lenha, o dormitório em que há uma dezena de confortáveis camas e muitos viajantes autóctones. A mulher e o filho do dono servem-nos comida caseira, uma sopa bem quente que nos prepara para o sono.
Choveria toda a noite. Um verdadeiro dilúvio, em nada comparável ao que jamais tínhamos visto. Durante toda a noite, a água não cessa de cair. Em plena escuridão, e acompanhado do som das grossas gotas caindo no telhado, vestimo-nos, pomos a mochila às costas, cruzamos o dormitório silencioso e saímos à rua. São quatro e meia da manhã. Reina a escuridão e a chuva.
Abrigamo-nos no único local que dá sinal de vida. Uma pequena dhaba, um cafézinho que nada mais é do que uma barraca e um homem que faz chá quente para os viajantes de passagem pela aldeia e que geralmente só aqui param o jeep por pouco minutos. Serve-nos um chá quente. Aparece o chinês. Passa-se o tempo e não há autocarro à vista. A rua, escura e molhada, só nos traz uns poucos viajantes indianos, um casal francês e um inglês, todos ignorando o destino do nosso meio de transporte. Não há sinal dos ladaquis ou de qualquer outro nativo. Não passa um único veículo.
Ao fim de uma hora e meia, por entre rumores e dificuldades de comunicação com os locais, apercebemo-nos daquilo que para os ladaquis tinha sido óbvio desde ontem de manhã. A Manali-Leh Highway encontra-se bloqueada. A chuva provocou uma avalanche ou desabamento e há que aguardar o piquete de emergência liderado pelo Exército indiano, responsável pela manutenção dos 500 quilómetros de estrada. Talvez ao fim da manhã, diz-nos o motorista indiano. Pelo canto do olho, vejo um aldeão esboçar um sorriso lacónico.
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