quarta-feira, 13 de abril de 2005

Mixed Times (2)

PVR Priya. Um cinema como qualquer outro em Lisboa, em que há pipocas salgadas e doces, cachorros quentes e pepsi cola. Em que no anfiteatro com ar-condicionado há, entre os confortáveis cadeirões, espaço redondo exacto para enfiar a cartolina que prende a bebida gaseificada. Ao intervalo muitos cospem, para o corredor. No fim, agora já só às vezes, batem-se palmas.

Ao lado do cinema há uma loja de relógios da Tag Heuer. Aventurei-me e friamente responderam-me que não vendiam nada a menos de 25 000 Rupias. O salário mensal da nossa empregada doméstica, Sayida, ronda as 2500 Rupias pelos nossos cálculos, o marido não trabalha e tem três filhos menores (um está agora a lavar a minha mota).

De frente à loja uma manada de vacas mal-cheirosas, de rabo grande e imponente, espalhando santidade. Os animais passam pelos grupos de adolescentes de telemóvel na mão, tirando fotografias digitais e enviando-as instantaneamente para o primo no Canadá. Movimentam-se de Reebok no pé e de Mango no peito para o McDonalds.

Nos dez metros seguintes passam por um mago que lê o futuro das mãos, um desgraçado coxo que vende próteses e um sapateiro ajoelhado num cantinho tentando colar a sola elástica de um sapato Nike àquela parte que pisca quando se poisa o pé na merda.

Há ainda um cibercafé por cima da merda, que oferece cursos de informática em dez horas e cursos avançados de inglês em quinze. Passa uma mulher, nota-se só pelo volume do peito e pelo andar, porque está coberta de burkha. Segue um ou dois metros atrás do homem e da filha pequenina, de orelhas furadas com brincos dourados e um brinquedo de plástico em forma de Homem Aranha.

Enquanto que os condutores de triciclos (rick-shaws) rodeiam potencial clientes, negociando, ecoa uma batida sonora igual a tantas outros fins-de-tarde (ou inícios de manhã) em Ibiza, mas acompanhada de um cântico romântico em hindi.

4 comentários:

  1. Descortinei a janela e através das tuas palavras vi o lado de lá de um mundo tão distante e tão diferente! Gostei imenso deste teu texto:)
    Bom fim-de-semana Tino*

    ResponderEliminar
  2. Épa é mas é o caralho.
    Vivemos numa cebola que vai ser esquartejada e quanto mais rápido passe tudo e os números e a lógica se transformem em poeira cósmica, mais rápido poderam os astros pensar em ouvir o fantasma da ópera tocar as suas doces melodias. Porque a intemporalidade existe.
    a hipócrisia também.
    Pinto da Costa

    ResponderEliminar
  3. Passei só para desejar um beijinho e pedir para que voltes a contar mais uma das tuas mts aventuras;)
    Namastê
    Charlotte

    ResponderEliminar