Não sou suficientemente utópico para acreditar numa assembleia em que os eleitos representam harmoniosamente os vários interesses, sectores, classes e ideologias da sociedade. Em que se debate construtivamente e francamente o que está mal no país, o que deve mudar e para onde se deve orientar a economia, a educação ou a saúde.
Não sou suficientemente eurocêntrico para acreditar que este sistema de democracia liberal representativa assente nos pilares do capital e da economia do mercado seja o único, o terminal e o melhor. Que este seja o sistema que temos que trabalhar continuamente porque mais do que um sistema é um processo.
Não sou suficientemente revolucionário para apelidar os 300 e tal deputados à Assembleia da República Portuguesa de corruptos, acomodados e gatunos. Para defender que afinal está tudo mal, que é preciso cortar o mal pela raiz e olhar para formas alternativas de organização política entre as tribos Guayaki do Paraguay ou entre os guerrilheiros maoístas no Nepal.
Mas acho-me suficientemente bem posicionado para observar uma decadência do sistema político português e ocidental. Observações confirmadas hoje com a presença mensal do primeiro-ministro em S. Bento para o debate mensal com os parlamentares. É perigoso entrar em generalizações. Mas, num pantanoso enredo de nuances em que um parece melhor que o outro, este mais ou menos sério que aquele, e aquela mais sincera que este, não há saída a não ser caracterizar todos de profundamente medíocres.
O debate é vazio. Um diz, o outro percebe e desdiz ou finge não perceber e diz outra coisa. Um debate de surdos-mudos. Em que na fila por detrás dos oradores há sempre um a bocejar, um a telefonar, um a ler ou um a pedir mais um cópo de água daquelas funcionárias gordinhas chamadas Maria ou Gracinda vestindo fatos dos anos oitenta. Em que, mais à direita do que à esquerda, se interrompe o orador a cada quarto de minuto com sonoros e inócuos "muito bem, muito bem". Em que se pretende ferir o adversário como numa batalha medieval, não servindo o capacete inimigo como troféu, mas sim os flashes dos fotógrafos, as citações no jornal do dia seguinte e o ranking das setas "sobe e desce" ao fim da semana.
Em que tudo é um malabarismo de verborreias direccionadas a ganhar prestígio somente naquele minúsculo universo de um hemiciclo que mais e mais se assemelha aos conselhos aristocráticos ou liberais novecentistas, em que uns poucos esclarecidos debatiam o futuro dos que se mantinham na escuridão das letras e dos saberes.
É a degeneração. É a decadência. Porque houve melhor, noutros contextos que não permitiam o alargamento do fosso entre o real e o suposto. É tudo um teatro político. Sempre foi. Mas houve tempos em que os personagens se representavam a si mesmo. Acreditavam em si. Hoje os personagens já nem se conhecem a si mesmo. A máscara ganhou raízes na pele branca. E a plateia vazia.
Tino amiccus:
ResponderEliminaràs vezes surpreendes-me pela clareza e simplicidade das tuas ideias! Elogio-te com toda a sinceridade do mundo (nao há muita, mas é o que se arranja).
Meyong