Apontamentos meus que foram utilizados no dossier que o Expresso desta semana (Internacional) preparou sobre a situação no Tibete e os consequentes protestos internacionais:
Entrevista a Sonam Frasi
por Constantino Xavier (correspondente em Nova Deli)Sonam Frasi é deputado no Parlamento tibetano no exílio (Daramsala, Índia).
Eleito pelo círculo Europa (residente em Londres).
É uma das faces tibetanas mais conhecidas a nível internacional.
O Parlamento tibetano no exílio, fundado em 1960 e com sede em Daramsala, no Norte da Índia, encontrava-se em sessão quando os protestos se iniciaram em Lasa. Com o agravar da situação, e insurgindo-se contra o silêncio da comunidade internacional, os seus deputados desceram à capital indiana para uma greve de fome em frente ao Parlamento indiano.
Protestos, situação e reivindicações
“Os nossos protestos são, acima de tudo humanitários. A questão política é menos importante agora. Há centenas de feridos que necessitam de urgente tratamento médico, mas que estão a evitar os hospitais oficiais por recearem represálias e detenções por parte das autoridades”
“Formalmente não foi declarada a lei marcial, mas a situação no terreno é de absoluto controlo militar e colapso total do aparelho civil”
“Temos informação confirmada de cerca de oitenta mortos, na maioria protestantes pacíficos. Temos informação não confirmada que aponta para mais de cem mortos. É difícil apurar o que se passa no terreno, porque os militares chineses estão a controlar a comunicação social, incluindo estrangeira. Mas são números que estão certamente a aumentar a cada dia que passa”.
“Os militares chineses estão a patrulhar a fronteira com a Índia com mais cuidado, desde que a revolta se iniciou, mas esperamos que o número de refugiados aumente de forma drástica nos próximos dias e semanas”
(O Governo tibetano no exílio, mantém um departamento especial para recolher as centenas de refugiados que continuam a chegar à Índia todos os anos, muitas vezes em condições graves, depois de atravessarem os Himalaias durante semanas, para cruzarem a fronteira).
Comunidade internacional
“Exigimos que a comunidade internacional pressione Pequim a desmilitarizar Lasa e a abandonar a repressão violenta da liberdade de expressão e associação dos tibetanos”.
“As Nações Unidas mantêm um silêncio incompreensível: em quarenta anos a sua Assembleia Geral só adoptou uma ou duas resoluções. Exigimos que envie imediatamente uma missão independente para o Tibete, para se inteirar da situação no terreno e dar a conhecer à comunidade internacional o terror e genocídio que se vive no Tibete”
“A comunidade internacional tem uma obrigação elementar para com os tibetanos que estão a ser oprimidos violentamente, mas está a compactuar com o regime chinês”
“O povo indiano acolhe-nos com imensa generosidade há mais de quatro décadas, mas é preocupante observar a mudança de atitude do Governo indiano que parece obcecado em agradar a Pequim.”
“Esperamos uma posição mais forte da Índia. Se Nova Deli defender os nossos interesses, contaríamos imediatamente com o apoio de um grande número de outros países no mundo inteiro”.
Interesses europeus
“Falo com os europeus nas ruas e é impressionante o apoio que a nossa causa recolhe nas ruas, em crescendo desde os anos 90. Mas é igualmente frustrante ver os respectivos governos europeus a fecharem os olhos de forma cada vez menos envergonhada”.
“Os governos europeus e a União Europeia, se é que se lembram do Tibete, limitam-se a fazer declarações cuidadosas, para não ferirem os seus interesses económicos na China. Vivo em Londres há 30 anos e esta é uma hipocrisia que se tem agravado nos últimos anos – já ninguém nos governos e só poucos nos parlamentos gostam de ouvir falar no Tibete”.
CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO
Nova Deli manteve relações diplomáticas formais com o Tibete até aos anos 50. Em 1959, Nehru acolheu o Dalai Lama e passou, desde então, a conceder apoio implícito ao governo tibetano no exílio e aos mais de 150 mil refugiados tibetanos que residem no país. Oficialmente, Nova Deli continua a conceder-lhes o estatuto de refugiados com “nacionalidade tibetana”.
A emergência económica e militar da China tem obrigado a Índia a reequacionar o seu apoio ao separatismo tibetano. Em 2003 reconheceu, de forma informal, o Tibete como sendo território soberano da China, facto que tem afirmado repetidamente desde então, de forma a apaziguar Pequim. No entanto, durante a recente visita a Pequim, em 2007, o actual Primeiro Ministro Manmohan Singh ignorou, pela primeira vez, a questão do Tibete, renovando a apreensão chinesa.
Desde que travaram uma guerra, em 1962, que os dois países disputam o traçado da sua fronteira comum, a China reivindicando, por exemplo, o estado do Arunaxal Pradexe (Nordeste da Índia) de maioria budista tibetana. Embora os últimos anos tenham testemunhado várias rondas de negociação, o contencioso permanece, muito devido à questão do Tibete: acordar novas fronteiras seria reconhecer formalmente a soberania chinesa sobre o Tibete, e esta é uma carta na manga que Nova Deli não quer desperdiçar com facilidade.
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